O que a ilha tropical de Trindade, situada a 1.167 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo, e a 2.400 quilômetros da África tem em comum com a fria e distante Antártida, no pólo sul? Além de ter um tipo de solo que não ocorre em nenhuma parte do planeta, cujo ecossistema é composto por espécies de plantas que enfrentaram uma longa viagem para chegar a região e colonizá-la, essa ilha oceânica, tal qual a Antártida, está tendo que se readaptar ao ambiente devido às mudanças climáticas globais.
"Em função da elevação da temperatura e do degelo no continente antártico a disponibilidade de água no solo de determinadas regiões, como as ilhas oceânicas, está aumentando", conta o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Carlos Ernesto Schaefer, pesquisador que realiza trabalhos de campo na Antártida desde 2001 e há seis anos nas ilhas oceânicas brasileiras.
"Por isso, alguns tipos de gramíneas, briófitas e líquens estão se expandindo e começando a ocupar áreas no continente onde não estavam presentes", afirma. O especialista abordará esse assunto em uma conferência que fará na 62ª Reunião Anual da SBPC, que acontece de 25 a 30 de julho, em Natal (RN).
De acordo com Schaefer, os ecossistemas terrestres das ilhas oceânicas brasileiras e o da Antártida são extremamente frágeis e dependentes do equilíbrio ecológico marinho. Dessa forma, qualquer alteração no comportamento do mar provocada pelas mudanças climáticas globais ou por variabilidades naturais pode colocar em risco à sobrevivência de determinadas espécies ou favorecer outras.
"A chegada de espécies de plantas e de nutrientes para alimentar a vegetação dessas regiões depende muito das aves migratórias, cuja rota é influenciada diretamente pelas correntes marítimas e pela cadeia alimentar nos oceanos", explica. "Essas aves são responsáveis por criar e fertilizar ecossistemas especiais, os chamados ecossistemas ornitogênicos, que dependem delas para sua existência", conta.
Na ilha de Trindade, por exemplo, a petrel de Trindade, uma ave nativa da região, é responsável pela fertilização de diversos ecossistemas em torno dos paredões rochosos da ilha, onde se observa que o crescimento da vegetação é mais abundante. Já na Antártida os dejetos depositados pelas colônias de pinguins no solo durante o verão aumentam muito a oferta de nutrientes e proporcionam mais oportunidades para a vegetação do continente se desenvolver.
Espécies migratórias - Segundo Schaefer, o isolamento geográfico e a presença do oceano fizeram com que a Antártida e as ilhas oceânicas brasileiras se transformassem em verdadeiros laboratórios naturais para o estudo da colonização e adaptação de novas espécies de plantas e animais. Os tipos de vegetais que existem nelas surgiram há milhões de anos e a partir de um determinando momento começaram a se desenvolver, dando origem a espécies endêmicas, que só existem nessas regiões.
Na ilha de Trindade, por exemplo, é encontrada a única floresta de samambaias gigantes do Atlântico Sul sobre solos orgânicos espessos. Já na Antártida podem ser observadas diversas espécies adaptadas de musgos e líquens, que são os principais tipos de vegetais que colonizam o ecossistema do continente.
Em comum, diz o especialista, as espécies de plantas que se estabeleceram tanto nas ilhas oceânicas brasileiras quanto na Antártida são quase sempre migratórias de longa dispersão, ou seja, suas sementes podem ter sido transportadas a longas distâncias pelo ar ou pelo mar. As samambaias gigantes da ilha da Trindade, por exemplo, tem parentesco direto com uma espécie da planta existente no sul do Brasil e fizeram uma longa travessia para chegar à ilha. Os botânicos supõem que minúsculos esporos de samambaias pré-históricas circularam dentro de altíssimas correntes aéreas sobre o Atlântico Sul há milhares de anos e aterrissaram na ilha isolada, onde se reproduziram e originaram uma espécie diferenciada da planta.
Por sua vez, as plantas da Antártida também têm origem ou parentes no extremo sul da América do Sul e foram transportadas para a região por aves migratórias, como os pinguins e os petréis gigantes. A palestra do especialista em solos Carlos Ernesto Schaefer será realizada no dia 26 de julho, às 10h, durante a 62ª Reunião Anual da SBPC, que acontece de 25 a 30 de julho em Natal (RN), no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O evento, cujo tema é "Ciências do mar: herança para o futuro", contará com centenas de atividades, entre conferências, simpósios, mesas-redondas, grupos de trabalho, encontros e sessões especiais, além de apresentação de trabalhos científicos e minicursos. Veja a programação em www.sbpcnet.org.br/natal/home.
(SBPC/EcoAgência, 15/07/2010)