Questão que assume proporções dramáticas com o avanço do aquecimento do planeta, a sustentabilidade parece destinada a se tornar um mantra da sociedade – mobilizando todos os setores da produção e de serviços no sentido de buscar soluções capazes de restabelecer o equilíbrio entre as atividades humanas e a conservação das condições de vida no planeta.
Esta é a primeira parte de uma reportagem que vai analisar as preocupações do setor de transportes com a sustentabilidade e com os caminhos capazes de reduzir os malefícios ao ambiente. Grandes empresas como a Mercedes-Benz, Iveco e Goodyear são algumas que estão desenvolvendo tecnologias capazes de contribuir para a redução da emissão de elementos poluentes na atmosfera.
A segunda parte da reportagem será publicada na próxima quinta-feira e vai apresentar outras iniciativas de indústrias dos transportes no desenvolvimento de tecnologias limpas. Além de um panorama sobre a evolução dos combustíveis e veículos e como a falta de políticas para os transportes prejudicam o ambiente.
O setor de transportes é acusado de ser um dos maiores vilões contra a sustentabilidade do ambiente. Não é por menos. Afinal, os veículos automotores são responsáveis por mais de 75% das emissões dos gases poluentes que infestam a atmosfera, entre eles o CO2 (óxido de carbono), o NOx (óxido de nitrogênio) e o SO2 (óxido de enxofre). Apesar deste fato ser uma verdade incontestável, ao mesmo tempo, também é verdade que o transporte é fundamental para o andamento da sociedade.
O transporte de cargas é tão importante quanto a mobilidade de pessoas. Imaginem uma cidade como São Paulo ficar um dia sem transporte de cargas. Agora pense se este prazo for ampliado para uma semana. O resultado seria o caos absoluto. Hospitais, farmácias, supermercados, postos de gasolina e empresas ficariam completamente desabastecidos. Pois o transporte, principalmente de caminhões, pequenos e grandes, é o principal meio utilizado para a distribuição de produtos que vão de matérias-primas, medicamentos, combustíveis usados nos carros e ônibus, até o pãozinho consumido diariamente por grande parte da população. A circulação da economia depende do setor de transportes.
Este cenário mostra que os transportes são imprescindíveis. Mas ninguém duvida que é fundamental, para a preservação do homem e da natureza, reduzir a emissão de poluentes veiculares. Esse panorama tem provocado uma revolução na indústria automobilística. Por pressão da sociedade, que está mais atenta e cobra das empresas a redução no nível de emissões, e por conscientização das próprias corporações. A realidade é que a indústria vem aumentando os investimentos em veículos menos poluentes - os chamados veículos verdes.
Os esforços e recursos estão sendo aplicados em várias frentes de pesquisas. De um lado os investimentos contemplam o estudo da substituição de matérias-primas, de peças e de componentes por tecnologias que aumentem a eficiência dos veículos e ao mesmo tempo gerem um nível menor de gases poluentes e de resíduos contaminantes. Por outro lado, as empresas também têm investido no estudo de combustíveis alternativos, que reduzam a dependência dos combustíveis fósseis e minimizem a emissão de gases que provocam o efeito estufa. As iniciativas também são direcionadas para o desenvolvimento de veículos híbridos e elétricos. Mas, não é só isso. As empresas também investem em programas para a conscientização dos funcionários sobre como aumentar os cuidados com o ambiente. Muitas vezes, a adoção de hábitos e práticas simples geram ganhos ambientais.
Mercedes-Benz projeta combustível de cana e testa sistema BlueTec5 SCR de redução catalítica seletiva
A Mercedes-Benz do Brasil não tem poupado esforços para buscar alternativas de combustíveis menos poluentes. “Somos líderes na fabricação de veículos comerciais e ônibus, sendo que a cada 10 ônibus, sete são Mercedes-Benz e a cada 10 caminhões, cinco são de nossa marca. Esse fato faz com que nosso compromisso com o meio ambiente seja ainda maior”, afirma Gilberto Leal, gerente de desenvolvimento de motores da montadora. O problema do uso do diesel, que é o combustível dos ônibus e caminhões, é, principalmente, a liberação de gases como os óxidos de nitrogênio, o dióxido de enxofre e o material particulado, conhecido como fumaça preta.
Na tentativa de reduzir estes gases, a Mercedes-Benz realiza experiências com combustíveis não fósseis. No final da década de 1970 a empresa realizou testes com óleos vegetais in natura, feitos de soja, amendoim e girassol. Nos anos 1980, utilizou o etanol aditivado. E a partir do final da década de 1990 os estudos passaram a ser focados no biodiesel. “O combustível a álcool tinha grande chance de ser utilizado, mas as pesquisas mostraram que seria inviável técnica e financeiramente. Já os óleos vegetais in natura causavam sérios problemas ambientais”, pondera Leal.
Todas estas experiências garantiram alguns ensinamentos. Em relação aos combustíveis, a conclusão é que devem ser sustentáveis por si só, independente de políticas ou subsídios governamentais. No que se refere aos motores, é imprescindível que sejam multicombustíveis, permitindo que o cliente possa alterar o uso conforme a oferta no mercado ou em função da matriz energética em vigor no País. Desta forma, a máquina não precisa passar por modificações conforme o combustível em uso. Em um dos estudos mais recentes, a Mercedes-Benz, em parceria com Amyris Brasil, criou uma mistura composta de 90% de diesel comercial com teor de enxofre S50 e 10% de diesel de cana. O novo combustível proporcionou uma redução de 9% nas emissões de material particulado, sem aumentar as emissões de NOx. As avaliações também mostram que o desempenho do motor não foi afetado. A próxima etapa prevê a utilização de combustível 100% diesel de cana.
A Mercedes-Benz também desenvolveu testes com motores Conama P7, norma que entrará em vigor no Brasil em 2012. Foram mais de 20 mil horas de testes de funcionalidade e durabilidade, em bancos de prova e em operação com o sistema BlueTec 5 SCR de redução catalítica seletiva. Além do menor consumo de combustível, essa tecnologia diminui as emissões de NOx, graças à adição do Arla 32 no escapamento do veículo para pós-tratamento dos gases. O BlueTec 5 SCR otimiza a combustão do motor, o que reduz a emissão de fuligem e fumaça. Além disso, o motor emite menos gás carbônico, contribuindo para a diminuição do efeito estufa e o consequente impacto no aquecimento global.
Dadalti testa o Daily Elétrico, um veículo para o uso urbano
A montadora de caminhões Iveco, engajada na pesquisa de processos sustentáveis, busca estar sempre um passo à frente no desenvolvimento e na aplicação de tecnologias voltadas para o uso de combustíveis limpos ou renováveis. “Estamos pesquisando fontes alternativas e renováveis para o transporte. Já testamos motores a álcool, a biodiesel, além de motores elétricos”, afirma o vice-presidente comercial de relações institucionais da Iveco, Antonio Dadalti. Nesta linha, um dos destaques, desenvolvidos pela Iveco e pela Itaipu Binacional, é o Daily Elétrico, primeiro caminhão do Brasil movido à energia 100% limpa e renovável. O protótipo do Daily Elétrico é equipado com três baterias Zebra, tem autonomia de 100 quilômetros com carga completa e desenvolve velocidade máxima de 70 km/h. Vazio, a velocidade máxima chega a 85 km/h. O tempo de recarga da bateria é de oito horas. A tecnologia pode ser aplicada em qualquer versão do Iveco Daily, seja chassi-cabine, furgão ou chassi de ônibus. A Itaipu Binacional escolheu a Iveco como parceira porque a empresa é reconhecida como pioneira na tecnologia de combustíveis alternativos entre veículos comerciais.
A Iveco desenvolveu e comercializa na Europa veículos elétricos, híbridos diesel-elétricos e a gás (a Iveco lidera a produção mundial de caminhões movidos a GNV). Com um sistema similar ao Kers da Fórmula-1, que recupera a energia cinética gerada nas freadas, o Daily Elétrico é ideal para uso urbano, pois aproveita o frequente para e anda do trânsito para ampliar a carga elétrica, é silencioso e não emite CO2. Em um veículo normal, a ação dos freios gera calor, que é perdido. O protótipo chassi-cabine dupla leva seis passageiros mais o motorista e carga útil de até 2,5 toneladas. E a tecnologia do trem de força elétrico pode ser instalada em qualquer versão do modelo Iveco Daily.
Segundo Dadalti, a tecnologia utilizada no veículo já existia na Itália e foi adaptada para as condições brasileiras. Somente para estas alterações a Iveco desembolsou R$ 10 milhões. Mas para ser comercializado, o veículo ainda necessita de mudanças. “Ainda precisamos aprimorar o tamanho das baterias, a autonomia, o peso e o valor”, afirma. Dadalti diz que não adianta apenas criar a solução. Ela também precisa ser viável economicamente e que por isso a Iveco pretende investir em tecnologias limpas, mas não em uma única frente. “Nosso interesse é investir sempre em várias alternativas de veículos - a biodiesel, a gás, híbridos e elétricos”, afirma. A empresa também criou o Programa Próximo Passo, implantado em 2007, com o objetivo de promover ações de curto e longo prazo em benefício da comunidade, clientes, funcionários e fornecedores. Com base nos pilares econômico, social e ambiental, as ações envolvem o uso racional dos recursos, reciclagem, ética, cidadania, capacitação e desenvolvimento.
Dantas utiliza conceito dos quatro Rs em favor da natureza
A Goodyear acredita na educação como um grande aliado para criação de uma cultura de sustentabilidade. Por isso, a empresa adotou como estratégia o investimento em educação. “Até março e abril do de 2011, os 3,4 mil funcionários da empresa passarão por oficinas de sustentabilidade com duração de quatro horas para os funcionários da produção e de 8 horas para os demais funcionários”, destaca o gerente sênior de sustentabilidade e assuntos corporativos, Miguel Otávio de Mendonça Dantas. O objetivo é mostrar aos colaboradores o que pode ser feito em prol da preservação do ambiente, motivá-los e engajá-los na causa.
A própria empresa dá o exemplo através de programas e iniciativas ligadas à preservação, prevenção e conscientização do uso dos recursos naturais. A água utilizada nos processos produtivos das fábricas da empresa em São Paulo, Americana e Santa Barbara D’Oeste é tratada antes e depois da utilização e retorna ao ambiente com uma qualidade igual ou superior. Além disso, a Goodyear praticamente não encaminha resíduos para aterros sanitários, pois o material que sobra da fabricação dos pneus é reaproveitado em uma nova cadeia produtiva ou reciclado. “No conceito de sustentabilidade são imprescindíveis os três “Rs” de reduzir, reutilizar e reciclar”, revela Dantas, que acrescenta um quarto R, de reinventar.
A inovação é um dos aspectos mais valorizados pela Goodyear. Seguindo esta filosofia, a empresa desenvolveu o primeiro pneu-conceito do mundo produzido com tecnologia BioIsoprene. O material, composto de biomassa renovável substitui o isopreno, derivado do petróleo, usado na fabricação de borracha sintética. O desenvolvimento do BioIsoprene ajuda a reduzir o impacto da indústria sobre o ambiente ao inserir na cadeia produtiva do pneu um material retornável. Além disso, torna a Goodyear menos dependente de produtos petroquímicos. A tecnologia BioIsoprene é resultado da cooperação da Genencor, divisão da Danisco, e a Goodyear, uma das maiores empresas de pneus do mundo e líder em inovação. A comercialização do produto está prevista para 2013.
A inovação também acontece na gestão dos processos. A equipe de vendas da Goodyear antes de comercializar os pneus, analisa as necessidades dos clientes para sugerir o melhor produto, o rodízio, a calibragem e o tipo de aplicação. “Um produto bem cuidado, tem uma sobrevida muito maior e pode até ser recapado mais vezes. Isso também contribui com a redução de resíduos. Há, inclusive, pesquisas que indicam que um pneu de passeio descalibrado aumenta em 25% a deterioração”, afirma Dantas.
(Por Cláudia Borges, Jornal do Comércio, 15/07/2010)