A palavra “catástrofe” foi repetida várias vezes ontem, ao longo do 1° Fórum Latino-americano do Tabaco, para classificar as consequências econômicas e sociais da possível aplicação de mais medidas restritivas ao fumo, previstas na Convenção-Quadro. Durante todo o evento, realizado em Buenos Aires, capital da Argentina, representantes do setor fumageiro de vários pontos da América Latina demonstraram grande preocupação diante da proposta de proibir a adição de ingredientes na fabricação do cigarro.
A medida tende a extinguir a produção do fumo Burley, usado pelas cigarreiras nas misturas, e acabaria com o cigarro do tipo american blend – consumido por praticamente 100% dos fumantes brasileiros. Para os especialistas ligados ao setor fumo, tais restrições deixariam milhares de agricultores sem trabalho e incentivariam o contrabando.
Realizado em uma das várias salas de convenção do Hotel Sofitel Buenos Aires – a menos de um quilômetro do famoso Obelisco da capital argentina –, o Fórum do Tabaco foi promovido pela Associação Internacional de Produtores de Tabaco (ITGA, na sigla em inglês) e pela Cooperativa Tabacalera de Misiones (CTM).
Estiveram presentes representantes da Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala e República Dominicana. Ao final do encontro foi redigida uma declaração com advertências contra os artigos 9 e 10 da Convenção-Quadro, que preveem o fim dos ingredientes no cigarro. Também foi exposta a exigência do setor fumageiro em participar dos debates promovidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) envolvendo o combate ao tabaco.
Conforme o diretor executivo da ITGA, Antonio Abrunhosa, as entidades defensoras do fumo não têm permissão de integrar tais discussões. Segundo ele, a OMS tem realizado uma série de reuniões com entidades governamentais e opositores do cigarro, onde representantes dos produtores não entram. “Na verdade, não há debate. Desta forma, as decisões são tomadas sem que sejam avaliados seus impactos na economia e na vida de milhares de agricultores”, afirmou. Mesma opinião tem Benício Werner, presidente da Afubra. “Os representantes dos fumicultores devem fazer parte destas reuniões.”
MISTÉRIO
A expectativa do setor é tentar reverter a situação e conquistar a oportunidade de expor seus argumentos antes de novembro, quando a OMS realiza, no Uruguai, um fórum cujo objetivo é aprovar os artigos 9 e 10 junto aos países que ratificaram a Convenção-Quadro. As propostas dos dois artigos, após um período de esquecimento nos debates, voltaram à tona recentemente, depois de o Canadá proibir a adição de ingredientes no cigarro. O governo brasileiro deve participar do encontro no Uruguai, mas sua postura diante da questão ainda é um mistério.
No Brasil, estima-se que existam 50 mil famílias produtoras de Burley nos três estados do Sul. No Vale do Rio Pardo seriam 2,5 mil, mais concentradas no Centro-Serra. Conforme gráficos apresentados ontem pelo diretor financeiro na América do Sul da fumageira Alliance One, o brasileiro Alexandre Strohschoen, o País produziu em 2009 mais de 121,5 mil toneladas de tabaco do tipo Burley. A Argentina, outro grande produtor dessa variedade de fumo, respondeu no mesmo período por 24 mil toneladas. No país vizinho, 14 mil famílias rurais dependem do Burley. “Para essas pessoas e para milhares de outros agricultores, as medidas de restrição propostas seriam uma catástrofe”, avaliou o presidente da CTM, Jorge Néstor.
Entenda
Conhecido como american blend, o cigarro consumido no Brasil e na maior parte da América Latina contém três tipos de tabaco. O do tipo Virgínia, comum na zona rural de Santa Cruz do Sul, ocupa entre 45% e 55% da fórmula; o Burley, de 20% a 25%, e a quantidade do Oriental – geralmente, importado – pode chegar a 15%. Também chamado de fumo de galpão, por dispensar o emprego de estufa, o Burley perde açúcar durante o processo de cura. Para repor o sabor perdido, são adicionados ingredientes – solução que a Convenção-Quadro sugere proibir.
(Gazeta do Sul, 15/07/2010)