Fragmentação do mercado interno, renacionalização da política agrícola, abdicação de responsabilidades: as críticas choveram ontem de todos os lados contra a proposta da Comissão Europeia de deixar aos Governos dos Vinte e Sete a responsabilidade de autorizar, ou não, o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM) no seu território.
A proposta pretende desbloquear o impasse total em que mergulhou o debate sobre a autorização de cultivo de transgénicos na UE, que continua a suscitar a oposição da opinião pública europeia.
A controvérsia não permitiu à UE autorizar mais que o cultivo do milho Mon810 da multinacional Monsanto para a alimentação, em 1998, e, desde o início do ano, da batata Amflora da BASF para a indústria.
Seis países produzem o Mon810 - Portugal, Espanha, Polónia, República Checa, Eslováquia e Roménia - mas oito, incluindo a França e Alemanha, são contra e aplicam uma cláusula de salvaguarda para impedir o cultivo.
Para ultrapassar os vetos cruzados dos dois grupos, Bruxelas propõe que os Governos hostis aceitem dar luz verde ao cultivo ao nível europeu, em troca de passarem a ter a liberdade de decidir sobre o que fazer no seu território.
A proposta constitui "uma abdicação de responsabilidades, prejudica a integridade do mercado interno e abre um precedente perigoso na busca de soluções comuns para outras questões transfronteiriças", acusou Guy Verhofstadt, presidente do grupo liberal do Parlamento Europeu. "O que é que vem a seguir? Vamos desistir de acordar uma patente comunitária ou deixar os Estados-membros fixar as suas próprias quotas de pesca? Este é um dia triste para a integração europeia e deve ser combatido por todos os que defendem o método comunitário de tomada de decisão", insurgiu-se.
Bruno Le Maire, ministro francês da Agricultura, manifestou-se igualmente contra "a renacionalização das decisões" europeias em matéria de OGM.
Os Verdes europeus consideram, por seu lado, que a proposta representa uma boa "dose de caos", lembrando que o risco de contaminação das culturas convencionais pelos transgénicos "não pára nas fronteiras". Os Verdes contestam aliás fortemente o sistema de aprovação dos OGM que está a cargo da Agência Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA): um estudo da organização de investigação alemã Testbiotech encomendado pelos Verdes acusa a EFSA de basear as suas conclusões em matéria de OGM em "investigações empíricas, considerações e suposições". O problema, afirmam os seus peritos, está em que a EFSA analisa os OGM por comparação com os produtos equivalentes convencionais, ignorando assim "o vasto leque dos [seus] efeitos involuntários, dos quais alguns causados pelo método de transferência de genes que escapa ao mecanismo de regulação dos genes das plantas".
Até mesmo a organização representativa das multinacionais do sector, Europabio, criticou Bruxelas, afirmando que a proposta "é decepcionante" e vai criar uma grande "incerteza jurídica" na UE.
(Por Isabel Arriaga e Cunha, Publico.PT, 14/07/2010)