O aquecimento global desperta alertas. Diante da possibilidade de eventos climáticos extremos, não são apenas as cidades que estão vulneráveis
Previsões do tempo são vistas com certo ceticismo. Contudo, o quadro climático que se transforma e as provas que nos são apresentadas de que algo está fora do eixo da normalidade são cada vez mais evidentes. Especialistas alertam que as cenas de destruição que acompanhamos recentemente em Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e Santa Catarina podem se tornar mais frequentes e mais catastróficas nas próximas décadas.
“Cada região será atingida por desastres que não aconteciam no passado e cada comunidade terá de se adaptar a novos tipos de desastres”, explica o geólogo Renato Lima, diretor do Centro de Desastres da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Os impactos ambientais para daqui 50 anos não devem ficar restritos a desmoronamentos de terra e abalos estruturais provocados por tempestades e inundações. Além de fortes enxurradas, as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas (ONU), aponta para o aumento de cenários com extremos climáticos, como invernos mais rigorosos, mais ondas de calor, maior incidência de ciclones tropicais, períodos de seca mais extensos e mais ressacas no litoral. Diante disso, a agricultura e a saúde pública também estarão mais vulneráveis às alterações climáticas.
São previsões e cenários traçados por especialistas diante do desenfreado aumento de temperatura, que tem relação direta com a ação humana no meio ambiente. O climatologista José Marengo, integrante do Centro de Ciência do Sistema Terrestre, grupo do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), explica que a temperatura do planeta tem aumentado desde a Revolução Industrial. “O aquecimento global é um processo natural. O problema é que as atividades humanas têm acelerado o processo. Os desastres que temos visto são indicadores de que estamos mudando o clima.”
Não são apenas os gases poluentes que lançamos na atmosfera que provocam esse estrago (estima-se que são cerca de 7,1 bilhões de toneladas de gás carbônico emitidas todos os anos). A ocupação irregular em áreas de risco – encostas de morros e nas margens dos rios –, o desmatamento e a transformação de grandes centros urbanos em ilhas de calor, sem preocupação com a sustentabilidade da região, também fazem com que a temperatura aumente e contribuem com a vulnerabilidade das cidades e populações.
Previsões do IPCC apontam que, nos próximos 50 anos, a temperatura média global pode aumentar de 1ºC a 5,8ºC, podendo chegar a 6,4ºC até 2100. A variação dependerá da forma como nós estaremos lidando com o meio ambiente nos próximos anos. Os cenários traçados a partir dessa margem termométrica mostram que o volume de chuvas na região Sul do Brasil aumentaria entre 6% e 24%. Enquanto a umidade prevaleceria por aqui, partes da Amazônia entrariam em processo de desertificação e a seca no Nordeste ficaria mais rigorosa, com a queda de até 33% do volume de chuvas.
Adaptação
Por menor que pareça o aumento da temperatura, o resultado pode ser catastrófico. Trata-se de uma preocupação imediata de preservação e da capacidade de nos adaptarmos para o que está por vir. “O clima sempre variou e vai continuar variando. Mas as mudanças, hoje, estão muito rápidas. Os fenômenos perigosos vão ficando com maior magnitude. O homem é responsável. Estamos acelerando essas mudanças”, alerta Lima. “Não tem nada que podemos fazer para diminuir a temperatura, mas podemos adotar medidas para minimizar o aquecimento”, complementa Marengo.
Lima explica que há dois tipos de medidas a serem adotados pela sociedade para enfrentar as mudanças. A preventiva está voltada a medidas que buscam minimizar o impacto do homem na natureza para que as variações de clima sejam menores que o esperado. Já a forma adaptativa caminha em direção a ações que prezem pela segurança da população.
“O clima é um fator, mas ele não gera o problema. A população deve estar preparada e adaptada para o que acontecer”, alerta Marengo. O climatologista defende que essa adaptação seja regulamentada por leis estabelecidas pelo Estado para que não se dependa de ações domésticas e isoladas de cada cidadão. “A maioria das pessoas não faz se não for por lei. É algo que deve ser estabelecido em comum para todos. Diante das mudanças climáticas, a única alternativa é se adaptar”, resume.
Sul do Brasil e países de clima temperado enfrentarão a dengue
O aumento da temperatura global deixará o Sul do Brasil e outros países de clima temperado vulneráveis a uma doença bastante conhecida em outras regiões brasileiras: a dengue. A proliferação do mosquito Aedes aegypti, assim como de outros insetos, torna-se favorável em ambientes mais quentes e úmidos. Com isso, populações que nunca tiveram de enfrentar algum tipo de surto poderão sofrer com essa mudança. “A prevalência das doenças vai mudar”, alerta o geólogo Renato Lima, diretor do Centro de Desastres da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Entretanto, o secretário estadual da saúde, Carlos Augusto Moreira Junior, reforça que, além do aumento da temperatura, existe o alerta para a adaptação do mosquito da dengue ao frio. “Estamos atentos a isso e preocupados com a dengue como um todo”, afirma. Diante do problema, a experiência que outros estados brasileiros têm no combate à doença é vista como um fator positivo, que pode ser usada em outras áreas de risco.
Além da dengue, a malária e a leptospirose são outras preocupações de Lima. “Há relação direta ao cruzar dados de chuvas com o aumento da incidência de casos de leptospirose”, conta o especialista. “Com relação à leptospirose, não temos nada preventivo eficiente. Não é uma coisa tão fácil”, comenta o secretário. Ele defende investimentos na área de saneamento e escoamento da água da chuva para evitar esse problema. Moreira Junior conta que a secretaria trabalha com períodos mais curtos, o que torna difícil apontar um cenário para daqui 50 anos. “As coisas não serão de um dia para o outro. As pessoas têm de procurar prevenir isso. O melhor remédio é a prevenção para evitar o aumento das temperaturas.”
(EcoDebate, 13/07/2010)