A política antitabagista sem rumo adotada pelo Brasil ganhou mais uma decisão contraditória do governo Lula com a aprovação de um documento para turbinar a produção do fumo no Brasil.
Formulada pela Câmara Setorial do Tabaco, ligada ao Ministério da Agricultura, a Agenda Estratégica, aprovada no final do mês passado, sugere a adoção de ações que contrariam ou neutralizam o esforço para colocar em prática a Convenção-Quadro do Tabaco - acordo ratificado em 2005 pelo Brasil com regras para reduzir e prevenir o tabagismo.
"É esquizofrenia total: uma parte do governo morde e outra assopra o setor produtivo do fumo", compara a diretora da Aliança de Controle do Tabagismo, Paula Johns. O documento prevê a captação de recursos públicos para um programa de desenvolvimento e inovação do fumo e a criação de linhas de crédito para o setor com taxas de juros semelhantes ao do Pronaf, voltado à agricultura familiar.
O documento ainda sugere a redução de impostos para a fabricação de charutos e o retorno de embalagens de 10 cigarros - por ser mais barato e ter apelo junto ao público jovem esse maço está proibido desde 1998.
"O que mais chama a atenção no momento são as ações em contraposição às medidas da Convenção-Quadro. As medidas antitabagistas são tratadas como ataques exagerados e sem fundamento ao fumo", avalia a secretária executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro do Tabaco, Tânia Cavalcante.
O coordenador geral das Câmaras Setoriais do MAPA, Aguinaldo José de Lima, reconhece que sua pasta votou favoravelmente à Agenda Estratégica. "Não achamos necessário votar contrariamente. Não nos cabe coibir a discussão. A simples aprovação não significa que o assunto irá para frente", avaliou.
Sem sentido. A concessão de crédito para ampliar a área de plantação de fumo vai no sentido inverso de uma política assinada em 2005: o programa de apoio à diversificação produtiva de áreas com fumo. Assinada por seis ministérios, a iniciativa tem como objetivo auxiliar fumicultores a mudar de produção.
A ideia é proteger os produtores de uma redução futura do mercado e preservá-los de prejuízos. "A ONU estima que o consumo individual atingirá o pico em 2010. Depois haverá uma redução da demanda", conta Tânia.
Apesar de assinado por seis pastas, o Ministério do Desenvolvimento Agrário é um dos únicos que se destaca na adoção de políticas de transição do fumo para outras lavouras. "A política de incentivo a fumicultores não faz sentido", diz o secretário de Agricultura Familiar do MDA, Adoniram Sanches Peraci.
O secretário considera um retrocesso também a simples proposta de retorno de financiamento para o setor. "Não foi à toa que a fumicultura saiu do Pronaf, em 2001. Isso já fazia parte de um movimento."
Estímulo ao debate. Formada pelo setor produtivo, sociedade civil e representantes do ministério, a Câmara Setorial do Fumo aprovou a Agenda Estratégica em uma reunião desfalcada.
Exemplos do descompasso
Política sem rumo
O governo tem ações contraditórias para a cultura do tabaco e a indústria do fumo.
Para fortalecer o setor do fumo
Metas aprovadas na câmara setorial
1. Captar recursos públicos para fortalecer e ampliar a cadeira produtiva do fumo, com criação de linha de crédito com taxas de juros semelhante ao do Proaf.
2.
Evitar a restrição sem fundamento técnico ao uso de novos ingredientes na composição do tabaco.
3.
Discutir mudanças na legislação que permitam o retorno de maços com 10 unidades, formato atualmente proibido.
4.
Reduzir o IPI de charutos de 30% para 15%, reduzindo a carga tributária para o setor.
Para restringir o fumo
Medidas e estudos para combater o tabagismo
1. Plano para ajudar produtores a migrar do tabaco para outras culturas, evitando prejuízo com a redução da demanda.
2. Discussões para defender na próxima Conferência das Partes, em novembro, a proibição da adição de produtos que tornem o cigarro mais atrativo, como açúcar.
3.Proibição de embalagens de 10 cigarros, conhecidas como "kid packs", porque facilitam que adolescentes experimentem.
4.Reuniões de grupo interministerial para colocar em prática determinações da Convenção Quadro do Tabaco. Na agenda, discussões sobre aumento de impostos e elevação do preço dos cigarros.
(Por Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo, 12/07/2010)