Mudas de árvores nativas foram carregadas em um caixão, coberto por coroas de flores, simbolizando a morte de todo o patrimônio natural do Brasil. A representação do funeral do Código Florestal (Lei 4.771/65), em Porto Alegre, neste domingo (11), no Parque da Redenção, foi acompanhada por dezenas de pessoas, que criticam as mudanças na legislação ambiental brasileira, aprovadas na última terça-feira, dia 6, por Comissão Especial na Câmara dos Deputados. O parecer do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi aprovado por 13 votos contra cinco.
A ameaça da aprovação das alterações permanecerá durante todo o período eleitoral. Isso porque o parecer do deputado Aldo Rebelo deve ir à apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados logo após as eleições. Até lá, as manifestações devem se multiplicar por todo o país. A SOS Mata Atlântica já realizou vigílias em Brasília (dia 7), Salvador (8), Fortaleza (9), em Recife no sábado (10), e em Porto Alegre no domingo (11). Antes da votação, a SOS já tinha participado de manifestações em defesa do Código Florestal em Natal, Curitiba, Blumenau,
Rio de Janeiro e São Paulo.
“Vamos reagir e não aceitaremos a destruição do nosso patrimônio. Uma nova rodada de manifestações será realizada”, promete Mário Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ao avaliar como “impressionante” a participação e a receptividade das pessoas nas manifestações anteriores. “Somente o site da Avaaz tá com mais de 200 mil assinaturas”, analisa, ao afirmar que “a questão do meio ambiente pega”.
A manifestação em Porto Alegre foi acompanhada por representantes de ONGs ambientais, como Mira Serra, Núcleo Amigos da Terra, Agapan, Núcleo de Ecojornalistas do RS e o Movimento em Defesa da Orla, além de movimentos sociais, como Gae (Grupo pela Abolição do Especismo) o Fórum de Entidades e integrantes de associações de bairro, entre outros simpatizantes da causa ambiental.
Responsabilidades questionadas
As alterações na legislação atual são defendidas pela bancada ruralista e pelo setor do agronegócio. Entre as mudanças mais criticadas e questionadas estão a anistia total para quem desmatou até 2008, sem tornar o reflorestamento uma obrigação; o fim da Reserva Legal para propriedades de até quatro módulos, quando na Amazônia um módulo tem até 100 hectares; a diminuição das Áreas de Preservação Permanente, incluindo a redução da largura das matas ciliares de 30 para 15 metros para os cursos d’água; e a autorização para que Estados e municípios legislem sobre o assunto.
Cobrar a responsabilidade pública dos deputados federais foi defendida por Francisco Milanez, biólogo e conselheiro da Agapan. “A única forma de impedirmos a aprovação dessas alterações no Código Florestal é responsabilizarmos os deputados pelas enchentes, pela destruição de casas, pelo assoreamento dos rios e pelos prejuízos agrícolas”, defende Milanez, ao salientar que o respeito ao meio ambiente é importante até mesmo para a economia. “A meta não é preservar por preservar, mas porque a natureza tem importância de ser mantida”.
“O Rio Grande do Sul se antecipou”, denunciou o vereador de Porto Alegre Beto Moesch (PP), ao lembrar que na Assembleia Legislativa tramita, há mais de um ano, o Projeto de Lei 154, “que quase elimina a mata ciliar e que acaba com a exigência da coleta seletiva, da tríplice lavagem das embalagens de agrotóxicos e com a licença ambiental para o plantio de exóticas”.
Esse retrocesso na legislação ambiental do país também é criticado por Mário Mantovani. “Colocaram o Brasil no século XVI, atendendo aos interesses de parte dos ruralistas. Queremos chamar a atenção contra essa tentativa de golpe no século XXI, denunciando essa insanidade contra a sociedade”.
“O Brasil está indo na contramão da história”, lamentou Ivo Kraus Penhor, do Movimento Petrópolis Vive. Para ele, “precisamos lutar, mobilizar e conquistar a população, como foi no período das Diretas”, lembrou. O ecojornalista Ulisses Nenê reforça a importância de um ativismo de força, “e não mais de formiguinha, porque eles (os ruralistas) estão bem mobilizados”.
Manifestação teatralizada
“Benefício pra ruralista. Prejuízo pra sociedade”, estava escrito em uma das faixas carregadas pelos manifestantes. Ao som de marcha fúnebre, atores do Depósito de Teatro, de Porto Alegre, realizaram performances que encenaram um cortejo fúnebre, carregando um caixão e pregando flores pretas nas camisetas do público que, curioso, acompanhava a marcha. Mudas de árvores nativas foram colocadas no asfalto, simbolizando a esperança de vida.
“Preparamos um cortejo fúnebre como se o Código Florestal estivesse enterrando a natureza, alertando as pessoas a defenderem as leis de preservação”, observou Roberto Oliveira, diretor do Depósito de Teatro, que antecipou o projeto de teatralizar os livros Pachamama ("mãe-terra" no antigo idioma aymara), escritos por crianças e jovens de diversos países sobre as temáticas ambientais. “Estou germinando a ideia”.
Durante a marcha fúnebre, simbolizando o enterro do Código Florestal, várias pessoas manifestaram repúdio às alterações propostas ao Código Florestal, através do relatório do deputado Aldo Rebelo.
“O Brasil tem muita terra para plantar, para floresta e para cidade. Vamos crescer com sustentabilidade. Vamos viver com boa qualidade de vida. Vamos garantir o futuro das águas e de toda natureza”, clamou a ambientalista Kathia Vasconcellos, da ONG Mira Serra, ao defender que “precisamos proteger as leis e fazê-las cumprir”.
A preocupação com os animais que vivem nas florestas foi destacada por Eliane Carmanim Lima, do Gae. “Não vamos permitir que interesses sujos devastem as florestas. Dignidade também aos animais”, declarou Eliane, ao conclamar para que a sociedade “mostre que nos importamos com a natureza, com a justiça e com os animais, que não têm voz”.
Para a ambientalista e representante da Associação dos Moradores do Bairro Ipanema, Sandra Ribeiro, as alterações no Código Florestal estão na contramão da preservação. “A população ainda não se deu conta da gravidade que essa modificação vai provocar na vida de todos os brasileiros, independente de partido ou de classe social”, analisa, ao defender o engajamento de todos.
“Estamos fazendo essa manifestação para mostrar para a população como alguns deputados vêm destruindo o meio ambiente e ameaçando nosso futuro”, destaca Mantovani. Em março deste ano, a SOS Mata Atlântica lançou a campanha Exterminadores do Futuro. O objetivo é proteger e respeitar a legislação ambiental e monitorar o comportamento dos parlamentares sobre temas que interfiram na manutenção dos biomas. "Iniciativas como a dos ambientalistas gaúchos são fundamentais para defender nosso patrimônio natural e nossas leis”, observa Mantovani, ao anunciar que “todos podemos registrar nossas condolências ao Código Florestal através do site www.conexaososma.org.br”.
Para mais informações acesse www.sosma.org.br/exterminadores .
(Por Adriane Bertoglio Rodrigues, EcoAgência, 11/07/2010)