Jaime de Azevedo, de 54 anos, usa a bicicleta como seu principal meio de transporte. Do Bairro Vila Jardim, onde mora, até o seu trabalho, na unidade da Empresa de Correios e Telégrafos da Avenida Sertório, pedala cerca de quatro quilômetros e meio. “Faço exercício diariamente, alguns preferem suar nas diversas academias que vejo pelo caminho. E o tempo de percurso é inferior, se comparado com o tempo dos coletivos entre trajeto e espera”. Para Marcos Rodrigues e José Paulo Eckert, a bicicleta não é só um meio de transporte , mas uma ferramenta de trabalho. Eles fundaram a Pedala Express. Formada em março desse ano por um grupo de amigos ciclistas, é a única na capital a fazer entregas com a bicicleta, ao invés de utilizar moto. A empresa faz cerca de 40 entregas diárias e abrange todos os bairros da cidade. Sem ciclovias em todos os trechos que trabalha, o jeito é enfrentar o tráfego junto aos veículos motorizados. “Só tem ciclovias de passeio e não de transporte. Ainda não é uma política de transporte público ter ciclovias em Porto Alegre. Espaço no trânsito não tem, a técnica que se usa é tomar o espaço. Tu tens que tomar a frente do carro, tens que mostrar que estás ali pra o carro te respeitar”, declara José, responsável pela parte administrativa.
Marcos é um dos cinco ciclistas da equipe e afirma que a Pedala Express surgiu para fazer o trabalho ser algo prazeroso. “Quando não estou trabalhando eu uso a bicicleta como meio de transporte, como meio de lazer. Esses dias eu tirei uma folga e fui pedalar pra Zona Sul. Pra mim não é sacrifício nenhum pedalar o dia inteiro trabalhando, isso pra mim é ótimo. Eu comecei pra me divertir, depois surgiu a empresa, que já tem uma questão ambiental forte, porque nós estamos fazendo o serviço de uma moto e deixando de emitir carbono.”
A opção de Jaime e dos donos da Pedala Express parece ser uma boa alternativa para Porto Alegre. Segundo o Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul, Detran, a capital tinha, em maio desse ano, uma frota de 670.394 veículos em circulação, o que representa cerca de um para cada dois habitantes. A Fundação Dom Cabral realizou, em 2009, uma pesquisa sobre mobilidade urbana em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O resultado aponta a capital gaúcha como a que mais aumentou o tempo de congestionamento - 19% em relação ao ano anterior. Os porto - alegrenses perdem cerca de uma hora e dez minutos por dia nos engarrafamentos, que são de 103 metros a cada minuto. Porém, não são só problemas de trânsito, como falta de estacionamento, ruas estreitas, engarrafamentos nos horários de pico. O crescimento da frota gera, também, danos ao meio-ambiente e à saúde.
De acordo com o químico do laboratório de ar da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (Fepam), Estevão Segalla, os veículos automotivos são os principais causadores da poluição atmosférica do município. “Porto Alegre não tem mais indústria nenhuma praticamente, então se sabe que o grande impactador da qualidade do ar são os carros,utilizando gasolina ou etanol, e o diesel dos ônibus e caminhões.”
A Fepam monitora e faz boletins diários que informam como está a poluição, analisando as quantidades de cinco sustâncias, denominadas parâmetros de qualidade do ar: os gases ozônio, dióxido de enxofre, monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio e material particulado, o que se conhece por poeira. A maior parte desses poluentes é produzida pela combustão e pelo escapamento dos veículos. O material particulado é gerado em sua maioria pela fumaça de caminhões e ônibus.
Apesar de a qualidade do ar na capital estar dentro dos padrões aceitáveis pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, Estevão alerta: “O ar tem se deteriorado por causa da crescente produção de poluentes.” Por outro lado, afirma que as condições meteorológicas colaboram para a situação não ser crítica. “Porto Alegre tem fatores naturais que auxiliam na dispersão dos poluentes, como chuvas e vento.”
O excesso de poluentes prejudica a vegetação da cidade, causando necrose das folhas. Eles também podem gerar estragos em materiais como, por exemplo, a borracha, que fica ressecada e passa a ter menor durabilidade. No entanto, para a Fepam esses não são os maiores prejuízos. “Nossa principal preocupação é com a saúde pública. No inverno, a grande causa de internações hospitalares é a poluição atmosférica. São problemas no trato respiratório, renites alérgicas, bronquites, enfisemas”, enfatiza Estevão. Para, além disso, o ozônio pode também ocasionar dificuldade no aparelho circulatório, pois prejudica o transporte do oxigênio no sangue. Já o monóxido de carbono, ao ser inalado, tira o lugar do oxigênio transportado na corrente sanguínea e forma a carboxiemoglobina, podendo matar por asfixia.
Os prejuízos são incontáveis, mas para os que tentam se livrar do estresse do trânsito através do uso de alternativas mais sustentáveis de transporte, não é fácil se deslocar pelas ruas da cidade. Apesar de nunca ter sofrido nenhum acidente, Jaime denuncia a falta de espaço para os ciclistas. “A bicicleta é o menor e o mais lento veículo na via, a preferência é sempre dos outros (...) A cidade não está preparada para receber o ciclista. Nos cruzamentos, a sinaleira permite conversão para todos os lados e o mais forte passa por cima”.
Estatísticas da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) mostram que ciclistas se envolvem em cerca de 1% do total de acidentes de trânsito em Porto Alegre, considerando a divisão entre automóvel, táxi, lotação, ônibus, caminhão, moto e carroça. Ao analisar os desastres com vítimas fatais, a percentagem já era de 3,8 % até o final do mês de maio. Marcos acredita que não há uma política de transporte que pense em alternativas em relação ao carro. “Olha, não me sinto muito seguro andando de bicicleta. É bem difícil, o motorista não está acostumado a dividir o espaço. A gente vive em uma sociedade muito voltada pro automóvel, é o sonho de consumo. A rua é feita pro carro, todo o planejamento é voltado pro carro e os outros meios de transportes ficam marginalizados.”
Por mais valorização e espaço
A associação ciclística da Zona Sul (ACZS) tem lutado constantemente pela garantia desse espaço. Inicialmente - em 1989 – uma reunião de amigos competidores de Mountain Bike que pedalavam juntos, passou a ganhar forma em 1996 com a organização do primeiro evento oficial. A partir daí, o grupo foi crescendo e resolveu trabalhar mais ativamente na educação ambiental e de trânsito.
A equipe de bike educadores, formada por oito membros da diretoria ativa da ACZS desenvolveu um material didático em parceria com a EPTC, a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente (Smam) e o projeto Vida Urgente. Composta, em sua maioria, por professores de educação física - todos usuários da bicicleta – ministra cursos de trânsito para escolas públicas a partir da quarta série. “A gente dá as dicas básicas de comportamento: atravessar na faixa de segurança, respeitar o sinal vermelho. Principalmente na zona sul, muitos alunos utilizam a bicicleta pra ir até o colégio. Então, a gente fala pra não andar na contramão, pra respeitar o pedestre quando estiver na calçada, enfim, um pouco de cidadania”, explica o presidente Paulo Roberto Alves.
A entidade afirma que auxilia a conscientizar pessoas a pensar que é possível compartilhar o trânsito. “ A gente está desenvolvendo um trabalho para que o pessoal pense que a bicicleta é um meio de transporte totalmente sustentável e que tem sim como ser usado aqui em Porto Alegre.” Através da realização de passeios ciclísticos, tem contato com os usuários da bicicleta e, ao distribuir materiais e dicas de trânsito, tenta mostrar que o modal não precisa ser visto só como meio de lazer. “ Tem muitas pessoas que começaram a pedalar, pegavam a bicicleta, colocavam no carro, iam até o parque, e pedalavam no final de semana, mais para lazer. Hoje a gente já vê que muitos daqueles que nos acompanham desde os primeiros eventos já pedalam até pra ir pro trabalho, pra ir pra faculdade, pra ir para escola”, garante Paulo,
Atualmente, Porto Alegre conta com poucas ciclovias. Em 1993, a cidade desenvolveu a primeira permanente, na Avenida Guaíba, bairro Ipanema, com cerca de 1.500 metros. Aos domingos e feriados, um trecho de 6.500 metros do corredor de ônibus da III Perimetral, entre as Avenidas Ipiranga e Benjamim Constant, e outro de 2.500 metros do corredor da Cascatinha, entre as Avenidas Praia de Belas e José de Alencar, funcionam exclusivamente como rota de bicicletas. Na Avenida Beira-Rio, a Edvaldo Pereira Paiva, há 5.400 metros de ciclofaixa – faixa junto ao trânsito, destinada ao tráfego exclusivo de bicicletas, demarcada na pista por sinalização específica – e aos domingos e feriados ela é também fechada. Há, ainda, a ciclovia Eduardo Schann, inaugurada em novembro de 2008 pelo Barra Shopping devido ao alargamento que o empreendimento fez na Avenida Diário de Notícias. E, por último, está sendo finalizada a construção da ciclofaixa da Avenida João Antônio da Silveira, no bairro Restinga, com quatro quilômetros e meio, fruto do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI).
Marcos, da Pedala Express, não se sente satisfeito com o que a cidade oferece. “A ciclovia do Barra Shopping é ridícula”, desabafa. “É uma ciclovia em cima da calçada, com pavimento que se tu anda, pra furar um pneu é uma delícia. Trepida bastante. É de recreação, não é pra quem usa como transporte ou pra quem usa pra treinar. É para o pessoal ir lá no final de semana com os filhos. É ótimo pra isso, mas não resolve um problema de trânsito que seria a necessidade maior de uma ciclovia na nossa cidade.”
“Na realidade nós não temos quase nada.” afirma Paulo. “Nós temos a ciclovia da Diário de Notícias que está no meio do nada. Ela não liga lugar nenhum, porque não tem continuação para nenhum dos lados. A ciclovia de Ipanema, que é mais para o lazer, que também não liga nada, ela teria que ser interligada com outra. Temos os corredores aos finais de semanas e feriados, que é por onde correm os ônibus e só.”
Foi por isso que a ACZS pressionou o poder público e fez parte da elaboração do Plano Diretor Cicloviário Integrado, aprovado como lei complementar pela câmara dos vereadores em 15 de julho de 2009. “A principal causa de as pessoas não andarem de bicicleta é pelo medo de serem atropeladas. Temos poucas ciclovias aqui e não são 100% seguras”, enfatiza o presidente. “Nós fizemos parte do plano diretor cicloviário(...) Nós somos a única associação a fornecer curso para os agentes ciclistas da EPTC. Nós já demos três cursos, desde manutenção básica da bicicleta, pilotagem defensiva e como regular a bicicleta pra cada biotipo. Então, nós estamos bem ativos nessa parte de ajudar o ciclismo aqui em Porto Alegre”, complementa.
Matéria produzida para a disciplina Jornalismo Ambiental sob orientação da profa. Ilza T.Girardi - EcoAgência
(Por Daniela Andrade Torres de Bem, estudante de Jornalismo FABICO/UFRGS, EcoAgência, 09/07/2010)