O Ministério Público Federal em Governador Valadares (MG) realizou, no município de Salto da Divisa, localizado no Vale do Jequitinhonha, audiência pública para tratar dos impactos ambientais da Usina Hidrelétrica de Itapebi. Participaram da reunião a população local, entidades de direitos humanos, associações de classe e representante dos empreendedores.
A Usina de Itapebi foi construída no Rio Jequitinhonha, no sul da Bahia, pelo grupo Guaraniana. Inaugurada em 2002, o reservatório alagou uma área de 62 quilômetros quadrados. Embora oficialmente sediada na Bahia, seus efeitos atingiram populações do outro lado do rio, no extremo norte do estado de Minas Gerais.
Por isso, numa iniciativa inédita, a audiência foi conduzida por procuradores da República que atuam nos dois estados: Edilson Vitorelli e Fernando Zelada, que atuam, respectivamente, em Governador Valadares e em Eunápolis (BA).
O procurador da República Edilson Vitorelli relata que a audiência pública teve momentos emocionantes. “A construção de usinas hidrelétricas envolvem, em princípio, fatores econômicos. Naquele momento em que se discute o suposto progresso e os benefícios econômicos que serão proporcionados pela hidrelétrica, ninguém imagina a real situação que sobrevirá à entrada em funcionamento da usina, até porque alguns efeitos são mascarados ou apenas imaginados. A audiência foi exatamente o encontro com a realidade pós-usina. Um dura realidade.”
Estiveram presentes na audiência membros e representantes de trabalhadores especialmente atingidos pela usina: as lavadeiras do Rio Jequitinhonha, pescadores, extratores de pedras e pedreiros. Em seus relatos, o testemunho de quem perdeu seu meio de trabalho e única fonte de renda, que eram intrinsecamente ligados e dependentes do rio.
Nessa condição, ressalta-se a situação das lavadeiras do Jequitinhonha, conhecidas em todo o país pelas cantigas que entoavam enquanto lavavam as roupas no rio. Por isso, mais do que o drama pessoal, foi também o fim de uma instituição cultural. A construção da usina resultou na poluição das águas e as cerca de 30 lavadeiras perderam sua fonte de sustento, embora a empresa tivesse prometido que elas poderiam continuar a exercer seu ofício. Nos acordos celebrados àquela época, foi prevista a construção de uma lavanderia, o que realmente foi feito, mas com pias tão pequenas, que impedem a sua utilização, além de se cobrar pelo uso da água e da energia. Resultado: a lavanderia está abandonada.
Nenhuma lavadeira recebeu indenização do empreendedor pelo fim da sua profissão. Hoje, não é mais possível lavar roupa no rio, nem há clientela que entregue suas roupas para serem lavadas em águas poluídas. Estão todas desempregadas, com idade avançada, sem perspectiva de assumir uma nova profissão.
“Para essas pessoas, é imenso o impacto de não ter mais o rio, mas apenas um lago poluído, com uma imensa área alagada. É preciso lembrar que a hidrelétrica acabou alagando uma área maior do que a prevista inicialmente, e, para essa área não prevista, nem lavanderia foi construída”, informa Edilson Vitorelli.
A população relatou ainda que a estação para o tratamento do esgoto não funciona; o esgoto corre a céu aberto e é despejado diretamente no reservatório, de onde vem a água e os peixes consumidos pela população, o que tem ocasionado várias doenças. A poluição acabou resultando também na redução da quantidade de peixes, que já eram poucos devido à substituição – segundo algumas opiniões, equivocada -, da estação de piscicultura pelo tanque-rede.
A inundação impossibilitou também a perpetuação de algumas espécies. O pitu, que era capturado em cachoeiras, simplesmente desapareceu e os peixes não conseguem subir na barragem para se reproduzir.
Quando sua única fonte de subsistência foi esvaziada, os pescadores se viram endividados e sem a possibilidade de outra ocupação laboral. No acordo de compensação ambiental, estava previsto o pagamento de indenização, mas parte deles jamais recebeu qualquer quantia.
Sem pedra e sem areia – Outros profissionais diretamente afetados pela construção de Itapevi foram os pedreiros e os extratores de rochas. Aqueles foram ignorados no processo de licenciamento; esses teriam sido, em tese, contemplados. O problema é que a criação do reservatório acabou com a matéria-prima de seu trabalho: areia e pedras.
Segundo a Associação de Pedreiros, com 174 membros, a construção da usina levou à extinção da areia e das pedras que eram retiradas do local. Com a falta de material, as obras diminuíram e a escassez de trabalho levou muita gente a se mudar da cidade. Os pedreiros não receberam nenhuma indenização.
Quanto aos extratores de pedras preciosas – o Jequitinhonha era uma região rica em jazidas de turmalina e topázio – o grupo original era de 42 profissionais e apenas 21 foram considerados no acordo ambiental. Todos hoje passam necessidades, porque as rochas de onde extraíam as pedras ficaram submersas. As pedreiras que restaram estão localizadas nas fazendas e seus proprietários não permitem extração. A areia também só existe em propriedades privadas. Apesar de ter sido informado, durante o processo de construção da usina, que haveria areia na beira do rio depois do enchimento, isso não ocorreu. Aliás, exatamente por essa promessa, os extratores receberam compensação por apenas dois anos.
Outras pessoas também foram diretamente atingidas pela usina, principalmente aquelas que residiam próximo à região do lago. Inúmeras pessoas relataram, durante a audiência pública, que suas casas estão com rachaduras provocadas pelas explosões. Além disso, a água invadiu a cidade pelo lençol freático, o que causou danos a casas cujos donos não têm condições financeiras para fazer as reformas necessárias. Várias pessoas ainda contaram que as terras que possuíam na beira do rio ficaram ilhadas, sem uso, porque o lago acabou inundando uma área maior do que a prevista inicialmente.
Os moradores também lembraram que, na época da instalação da usina, a empresa montou um stand com as benfeitorias que iriam beneficiar as cidades, entre elas, a construção de um cais e de uma ponte ligando as divisas de Minas e Bahia, a ativação de uma balsa adequada à largura do rio e a canalização integral do córrego do lava-pés. Nada disso foi feito.
(Informe do Ministério Público Federal em Minas Gerais, EcoDebate, 08/07/2010)