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cana-de-açúcar trabalho escravo
2010-07-08 | Tatianaf

Um cientista social e um estudante de psicologia trabalham juntos numa pesquisa que tem como principal objetivo conhecer o perfil dos trabalhadores que atuam no corte de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto, em São Paulo. Sob a orientação da professora Vera Navarro, do Departamento de Psicologia e Educação, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Riberão Preto (FFCLRP) da USP, Leandro Amorim Rosa, aluno do curso de Psicologia, e André Galiano, mestrando em Ciências Sociais, analisaram os critérios de contratação e as condições de trabalho nas plantações de cana-de-açúcar.

Entre 2004 e 2008, segundo dados da Pastoral do Migrante de Guariba, houve 21 mortes de cortadores de cana nas usinas da região, grande parte atribuída a paradas cardiorrespiratórias. Segundo a entidade, esses migrantes representam 80% da força de trabalho no corte da cana. Cerca de 70 mil pessoas, só na região de Ribeirão Preto. Na primeira década deste século, as mortes desses trabalhadores por exaustão, devido às condições insalubres nos canaviais, foram objeto de denúncia da Pastoral de Guariba junto ao Ministério Público Federal.


Este cenário é parte do estudo de mestrado de Galiano e da pesquisa de iniciação científica de Amorim Rosa, que entrevistou 13 trabalhadores rurais, um representante da Pastoral do Migrante, o presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Guariba e dois psicólogos do setor de recursos humanos de uma usina pertencente ao mesmo grupo da que emprega os trabalhadores entrevistados.

Galiano, por sua vez, vem analisando a situação dos jovens trabalhadores para compreender como eles são atraídos para esse tipo de trabalho e conhecer, sobretudo, como a atividade repercute na saúde física e psíquica deles. Para tanto, o cientista social entrevistou 13 cortadores de cana em Pradópolis.

Boa conduta
Nas entrevistas com o pessoal de recursos humanos de uma das usinas contratantes, Amorim Rosa conta que foi recorrente a fala sobre a humanização. “Mas fica claro que, para a usina, ela só se justifica quando traz melhor produção.” Ele identificou ainda que a moradia, ao invés de ser responsabilidade da usina que o contrata, passou a ser item que o qualifica para a vaga. “Para evitar problemas com os órgãos de fiscalização, a usina e o ‘turmeiro’, aquele que faz as contratações e é uma espécie de fiscal, deixaram de oferecer moradia e passaram a responsabilidade para o próprio trabalhador.”

Para o pesquisador, esse é um fator agravante na relação de trabalho, pois, além de se preocupar com as despesas com o transporte que o trouxe até a região e com a alimentação, também há a questão do aluguel, da produção e, ainda, da manutenção da saúde. “Manter o trabalho precarizado parece que ainda é mais produtivo. O salário por produção, por exemplo, também passa a responsabilidade do ganho para os trabalhadores. Nesse cenário, a força política desses trabalhadores desaparece, sem contar que eles, ainda, têm que ter dinheiro para mandar para a família e para se sustentar na entressafra”, lembra.

Exploração e desgaste
Galiano entrevistou jovens entre 16 e 24 anos e conta que quando eles retornam para sua cidade, ganham certo status por terem enfrentado desafios e ainda por terem conseguido dinheiro para enviar para a família, além de bens materiais. O cientista social relata que estes jovens são de famílias numerosas, muito humildes.

Para a professora Vera Navarro, a conjuntura atual é muito diferente da década de 1980, quando os sindicatos eram mais atuantes e os movimentos sociais cobravam mais. Segundo ela, a mudança na forma de se produzir, de plantar e colher a cana e que intensificou o aumento do trabalho é o nó dessa questão. “O trabalho por produção aumenta esse tipo de exploração e o desgaste do trabalhador.”

A professora aponta a questão da queimada como outro problema. “No sistema atual de queima da cana, muitos morrem e, se não morrem, as queimaduras são bastante graves; essas coisas aparecem de forma muito velada, não têm números nem estatísticas. Isso revela que o trabalho no corte da cana continua bastante desumano.”

Para a professora, mesmo com cerca de 50% da colheita da cana mecanizada, chegando a 90% em algumas usinas, a situação ainda é grave. Nessa conjunção, de corte mecanizado e corte manual, o trabalhador fica com a pior área, onde a máquina não entra e nem dá para queimar, segundo Vera. “Alta tecnologia para a produção e, para o trabalhador, relações arcaicas e precárias.”

Segundo Vera, a resolução do problema passa pela questão da reforma agrária e pela manutenção desse pessoal no campo, no seu local de origem. Como saída em curto prazo, a melhoria e o cumprimento da legislação de proteção ao trabalhador, através de ações fiscalizadoras que sejam constantes e efetivas. Uma atuação mais ofensiva dos sindicatos na defesa dos interesses dos trabalhadores, no sentido de lutar pela manutenção e também pela ampliação dos direitos trabalhistas e por melhorias salariais.

A professora não esquece o papel das universidades nesse processo. “É importante a participação das universidades e institutos de pesquisa, no sentido de orientar sua produção de forma a gerar conhecimento que possa contribuir na elucidação desses problemas.”

(Por Rosemeire Soares Talamone, Serviço de Comunicação Social da Coordenadoria do Campus de Ribeirão Preto/USP, EcoDebate, 08/07/2010)


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