Nos últimos anos, o Uruguai ficou conhecido em nível internacional pelo extenso conflito com a Argentina decorrente dos projetos de instalação de duas mega fábricas de celulose, sendo uma propriedade da finlandesa Botnia e a outra da espanhola Ence.
A história remonta ao ano 2002 quando o governo, continuando com sua política de promoção do reflorestamento com monoculturas de árvores em grande escala, começa a incentivar os investimentos estrangeiros voltados para a fabricação de celulose no país. Aos benefícios que as empresas florestais já recebiam conforme a Lei Florestal de 1987 (subsídios, isenções impositivas, créditos brandos, construção de estradas, manutenção dos caminhos rurais afetados pelos pesados caminhões de toras, etc.) acrescentou-se a elaboração de Acordos de Proteção de Investimentos e a outorga de Zonas Francas onde instalar suas fábricas (livres de qualquer tributação criada ou que vier a ser criada).
Desse jeito, o reflorestamento com eucaliptos e pinheiros veio ocupando terras de pradarias, principal ecossistema do Uruguai, gerando graves impactos sociais e ambientais (deslocamento de população rural, impactos sobre a água e o solo, uso de terras aptas para pecuária e agricultura, impactos sobre a flora e a fauna, entre outros), que até agora não foram estudados seriamente por parte dos sucessivos governos que têm promovido esse modelo florestal-celulósico. Isso levou a um processo de concentração da terra nas mãos de empresas transnacionais, e assim a UPM- Botnia (Finlândia), a Weyerhaeuser (Estados Unidos) e a Montes Del Plata (Suécia-Finlandia- Chile) são donas de 600.000 hectares.
A aprovação das fábricas da Ence e Botnia sobre o rio Uruguai que é partilhado com a Argentina originou um conflito que teve como uma das expressões mais radicais o prolongado bloqueio de passagem na ponte internacional San Martín por parte da Assembléia Ambiental de Gualeguaychú (que implicou a mobilização de milhares de cidadãos argentinos). Esta ação chegou a envolver o governo argentino nas reclamações contra a instalação desses empreendimentos, e como não houve acordo com o governo uruguaio, apresentou o caso na Corte Internacional de Justiça de Haia.
Com o decorrer do tempo, a Ence optou por relocalizar- se mais ao sul sobre o Rio de la Plata e após a crise financeira internacional vendeu em 2009 seus ativos a Montes Del Plata (consórcio sueco- finlandês- chileno). Apesar da grande oposição manifestada desde a Argentina contra a instalação da fábrica, a Botnia continuou mesmo assim com seu projeto e a fábrica começou a funcionar em novembro de 2007.
Conforme um comunicado do grupo uruguaio Guayubira, “a partir do bloqueio da ponte internacional, a conflituosidade atingiu um ponto em que se perdeu o foco real de atenção e de necessário debate. Passamos de analisar se a instalação de uma fábrica dessas características era benéfica ou não para o país a um duro confronto entre uruguaios e argentinos onde o nacionalismo exacerbado não deixou lugar para a análise e impediu perguntas fundamentais para nosso futuro como país, tais como: foi bom para o Uruguai o fato de ter se aberto a um investimento estrangeiro como este, que implica continuar exportando matéria-prima e ainda em condições de zona franca? Os benefícios recebidos justificam a mega fábrica que hoje está funcionando em Fray Bentos e as centenas de milhares de hectares de eucaliptos que hoje ocupam nossos campos?”
Para Guayubirá, “este empreendimento implica não apenas o funcionamento de uma fábrica de celulose de dimensões nunca vistas em nosso país até agora- que conforme a própria empresa consome 86 milhões de litros de água ao dia e usa 400 toneladas diárias de produtos químicos- como também o uso de milhares de hectares de terra destinados à plantação de monoculturas de eucaliptos em grande escala”.
Além de todos os conflitos provocados por esta empresa transnacional é preciso acrescentar que após dois anos de funcionamento não há indícios dos benefícios prometidos. Guayubira lembra que, “as entrevistas e foros de apresentação realizados pela empresa Botnia se centraram em divulgar os benefícios que trariam para o país e seu povo se a instalação fosse aprovada. Uma das principais promessas- visando o apoio social e político- foi a de geração de milhares de postos de trabalho”. Após dois anos de funcionamento da fábrica, o departamento de Rio Negro, onde está localizada a fábrica de celulose e um dos mais reflorestados do Uruguai, é o departamento com maior desemprego do país e com os níveis mais altos de violência doméstica.
Em março de 2010, José Mujica toma posse da presidência do Uruguai e tem vários encontros com seus pares argentinos tentando reatar os vínculos; isso gerou as condições para que a Assembléia Ambiental de Gualeguaychú decidisse levantar o bloqueio da estrada em troca de um monitoramento compartilhado da fábrica e da qualidade da água do rio Uruguai.
É a partir desta atitude- e sem a pressão de um conflito internacional, e com a fábrica de celulose já instalada- que o grupo Guayubira sai à opinião pública para reclamar que, “antes de continuar considerando a instalação de novas e maiores fábricas de celulose façamos um alto para analisarmos se a primeira e por enquanto a única fábrica que temos em nosso país resultou benéfica para a vida de uruguaios e uruguaias, do ponto de vista econômico, social e ambiental”.
Artigo baseado em nota do Grupo Guayubira de 24 de junho de 2010, vide texto na íntegra em: http://www.guayubira.org.uy/celulosa/evaluemos.html
Boletim número 155 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais
Editor: Ricardo Carrere
(EcoDebate, 07/07/2010)