Para quem não acompanhou o desenrolar do caso, a cena pode parecer inusitada. Dezenas de manifestantes ligados aos grandes sindicatos rurais patronais, com camisetas pedindo "segurança a quem produz os nossos alimentos", gritavam seu nome. Ao mesmo tempo, manifestantes ligados a movimentos camponeses e da agricultura familiar, a quem ele dizia defender, o vaiavam. O centro das atenções era o deputado comunista Aldo Rebelo (PCdoB), cujo projeto para alterar o Código Florestal, uma das mais importantes leis ambientais do país, acabava de ser aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados.
O placar já era esperado. Numa comissão dominada amplamente por deputados ruralistas, não foi surpresa que a proposta de Aldo tenha sido aprovada por 13 votos a 5. O que não era esperado é que todos os partidos de esquerda ou centro-esquerda tenham votado contra a proposta, apoiada apenas por parlamentares e partidos mais conservadores. DEM, PMDB, PP, PR, PPS e PTB votaram a favor das mudanças, enquanto PT, PSB, PSOL, PV e parte do PSDB votaram contra o projeto.
Depoimento do deputado Luiz Carlos Heinze (PP/RS), um dos expoentes da bancada ruralista, direcionado a Aldo Rebelo, confirma o reconhecimento: "Vossa excelência defende o comunismo. Eu sou de outro espectro político, defendo o capitalismo, mas tenho que reconhecer que fez um bom trabalho". O deputado Homero Pereira (PP/MT), ligado à Federação da Agricultura do Mato Grosso, foi mais longe: "Recomendo a vossa excelência que publique um livro com o seu relatório inicial.”
Na véspera foi distribuído um documento, assinado por todas as grandes organizações da agricultura camponesa – CONTAG, MST, MPA, Via Campesina, CUT –, bem como por alguns importantes intelectuais e ativistas de esquerda, como Leonardo Boff e Dom Pedro Casaldáliga, que manifesta a rejeição pelo projeto que acabou aprovado. Segundo essas organizações, “o relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo contradiz com sua história de engajamento e dedicação às questões de interesse da sociedade brasileira e, ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio”.
Para Raul Silva Telles do Valle, advogado do ISA, o projeto aprovado é um grande retrocesso. Segundo ele, o principal equívoco do documento é partir do pressuposto de que proteger os recursos naturais é contrário ao desenvolvimento do país. “Por isso, em vez de criar condições para que todos possam cumprir a lei e preservar parte de nossas florestas, ele simplesmente abre a possibilidade de que o proprietário rural possa estar de acordo com a lei mesmo que todas as margens dos rios que cortam seu imóvel estejam desmoronando e não tenha um pé de arvore nativa".
Gigante pela própria natureza
Terminada a votação, manifestantes mobilizados pelos ruralistas ensaiaram o canto do hino nacional, mas o coro enfraqueceu sem concluir a primeira parte. Bem antes de chegar ao “gigante pela própria natureza”, eles já gritavam nomes de destaque no processo de desmonte do Código Florestal. O primeiro nome aclamado com entusiasmo foi o do relator: "Aldo! Aldo Aldo!", seguido por "Micheletto! Micheletto!", presidente da comissão especial, e “Colatto! Colato!”, ex-presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio.
Durante as discussões esses também foram os protagonistas do debate. Colatto, defendendo o trabalho de Aldo, ressaltou que “meio ambiente é papel do Estado e não das pessoas individualmente”, enquanto Moreira Mendes (PPS/RO) complementava: "A recuperação ambiental é uma piada de mau gosto ao Brasil!".
Segundo Heinze, o projeto de Aldo estaria "devolvendo" aos proprietários do sul do país 16 milhões de hectares de áreas produtivas que, segundo ele, foram "surrupiadas" pela MP nº 2166, de 2001. Para o deputado, foi apenas nessa época que teria surgido a obrigação de se preservar 20% da vegetação nativa do imóvel a título de reserva legal, quando, na verdade, essa obrigação existe desde 1934, para qualquer tipo de vegetação nativa e não apenas florestas.
Mas houve os que fizeram o contraponto. "O interesse nacional é distribuir renda, terra, produção e poder, e não desproteger nossos recursos naturais", afirmou Edson Duarte (PV/BA), que mais tarde foi complementado por Ivan Valente (PSOL/SP): "Ser exportador de comoddities é aprofundar a dependência". Não foi, no entanto, suficiente, principalmente num jogo de cartas marcadas.
"Agora só nos resta trabalhar na reparação de danos. Saímos daqui com muitos danos na questão ambiental", afirmou o deputado Dr. Rosinha (PT-PR). "O último artigo revoga o próprio código florestal, o que é muito grave. E leva por água abaixo todo o discurso do relator e dos ruralistas. Eles dizem que estão dando uma moratória de cinco anos contra o desmatamento. Ocorre que não restou nenhuma lei que limite o desmatamento depois dos cinco anos. Esse é só um exemplo de ponto nocivo do que acabamos de aprovar."
Para o deputado Edson Duarte (PV-BA) nem os deputados sabem exatamente o que foi votado e aprovado. "O relator informou algumas mudanças que acatou fazer, mas a informação se restringiu ao relato verbal. Não recebemos o texto modificado. Votamos no escuro."
Um dos pontos citados por Duarte diz respeito a mudança drástica no artigo 28, onde a redação afirmava que o proprietário rural estava desobrigado de recuperar a área de reserva legal destruída. Alegando um equívoco de redação, Aldo disse que o correto era "obrigado", em vez de “desobrigado”. Os deputados criticaram que um equívoco tão grave tivesse passado pela revisão do original e que a correção não tivesse chegado aos deputados até a fase de votação.
"O projeto nasceu errado, a composição da comissão foi errada, tudo foi equivocado. E o resultado é esse grande equívoco entre o que é meio ambiente e o que é produção agrícola”, resumiu Edson Duarte. O deputado Ivan Valente (Psol-SP) afirmou que o parecer de Aldo estava tão confuso que dividiu opiniões entre deputados de um mesmo partido. “Isso fica provado nos votos do PSDB e do PT.” Destacou também que a discordância ainda gerou quatro votos em separado. "E a anistia prevista no texto em favor dos desmatadores estimula a impunidade."
Agora o projeto vai a plenário, possivelmente depois das eleições. “E temos de torcer para que, antes, a sociedade dê o troco nas urnas, mostrando aos deputados que votaram a favor do relatório que o eleitor sabe das consequências dessas alterações.
Quem votou pelo sim ao relatório:
1. Anselmo de Jesus (PT-RO)
2. Homero Pereira (PR-MT)
3. Luis Carlos Heinze (PP-RS)
4. Moacir Micheletto (PMDB-PR)
5. Paulo Piau (PPS-MG)
6. Valdir Colatto (PMDB-SC)
7. Hernandes Amorim (PTB-RO)
8. Marcos Montes (DEM-MG)
9. Moreira Mendes (PPS-RO)
10. Duarte Nogueira (PSDB-SP)
11. Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
12. Reinhold Stephanes (PMDB-PR)
13. Eduardo Seabra (PTB-AP)
Quem votou pelo não ao relatório
1. Dr. Rosinha (PT-PR)
2. Ricardo Tripoli (PSDB-SP)
3. Rodrigo Rollemberg (PSB-DF)
4. Sarney Filho (PV-MA)
5. Ivan Valente (PSOL-SP)
Saiba mais sobre a polêmica do Código Florestal.
(ISA, 07/07/2010)