Uma viagem de imersão na natureza, partindo da Amazônia até mostrar os recifes de corais e a dança das baleias. Várias imagens ilustraram a conferência Jean-Michel Cousteau, realizada nesta segunda-feira, 05 de julho, no Salão de Atos da UFRGS. Filho mais velho do ambientalista Jacques Cousteau, ele veio a Porto Alegre para participar do Fronteiras do Pensamento. O evento teve apresentação e mediação de Lara Lutzenberger, filha do ecologista José Lutzenberger e atual presidente da Fundação Gaia.
“Sempre tive um grande interesse pelas raízes dos oceanos” afirma Jean-Michel no início da sua fala. Raízes que, quando a Terra é vista de longe, predominam entre todas as imagens da paisagem continental captadas pelos satélites. Entre elas, ele destaca a Bacia Hidrográfica do Amazonas, responsável por vinte por cento da água doce que chega aos mares do Planeta.
Para Jean-Michel há apenas um único oceano: “do alto não existem limites territoriais, muito menos fronteiras aquáticas, tudo faz parte do todo interligado”. Simples ações humanas como esquiar ou tomar um copo d’água interferem no sistema hidrológico, que inclui a água em distintas manifestações e estados físicos.
Origens da Biodiversidade
Entre 1981 e 1983, a família Cousteau dedicou-se à maior raiz oceânica, conhecendo características e peculiaridades do seu entorno. “Dos vinte meses que ficamos na Amazônia, minha mãe permaneceu dez meses vivendo em um barco.” Os 55 pesquisadores que formaram a equipe trabalharam em três expedições diferentes. Coube ao grupo de Jean subir aos Andes, no Peru, chegando às nascentes do grande rio.
No percurso, foi constatado uma das causas de mortalidade nos mares. O mau uso da terra, descoberta de vegetação e exposta às intempéries do sol e da chuva, ocasiona a erosão que carrega o solo até o nível mais baixo do terreno, onde estão geralmente córregos e rios. Esta água, agora turva, quando chega aos oceanos destrói a vida marinha por impedir que a energia solar chegue a vários seres, como os formadores de recifes de corais.
Compartilhando informações com o INPA, Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas, a família Cousteau descobriu que em 1983 estavam catalogadas 250 espécies de peixes. “Hoje voltando lá, para nossa alegria, o INPA ainda existe e o número registrado cresceu para cinco mil espécies, quantidade muito maior do que existe em todo Oceano Atlântico, desde a Antártica até o Ártico”.
Outro dado que impressionou o conferencista foi o aumento da população. “No início da década de oitenta, passávamos muitos dias na Amazônia sem ter contato com habitantes locais e os que víamos pertenciam a pequenas tribos. Hoje, no mesmo trajeto, encontramos pessoas todos os dias. Manaus explodiu, há dois milhões de pessoas afetando o sistema aquático e a biodiversidade da região.”
Segundo Cousteau, uma das origens da riqueza das diferentes formas de vida na Amazônia está na movimentação dos continentes. Quando a América do Sul já possuía o design atual, no Mioceno, os rios do Norte corriam em direção ao noroeste. Há 15 milhões de anos, lagoas e lagunas riquíssimos em flora e fauna de águas quentes, surgiram junto à foz desses rios e alastraram-se continente adentro. Esta dinâmica das águas, graças a um clima quente e úmido que elevou o nível do mar, tomou outro rumo quando surgiram as montanhas do Oeste. As águas continentais dirigiram-se ao Atlântico, formando o rio Amazonas, e ajudaram a preservar a fauna aquática, banida dos mares quentes devido aos períodos glaciais de épocas posteriores.
Mudança climática
Diferente do que acontece hoje, ao longo da história da Terra, as alterações na temperatura e no nível do mar ocorreram em milhares e milhões de anos. “Entendo que não conseguimos mais reciclar o impacto que provocamos no planeta, acelerando muito os processos naturais. Temos responsabilidade direta principalmente no que vai acontecer nas próximas décadas.”
Para Cousteau, as pessoas que vivem nas regiões costeiras mais planas terão que morar em outros locais e “não estamos preparados para essa mudança”. Muitos habitantes insulares do Pacífico Sul já saíam de onde viviam, pois além do aumento do nível do mar, o aquecimento da água disponibiliza maior energia à atmosfera tornando as tempestades maiores e mais intensas.
“As temperaturas de hoje são semelhantes às do Plioceno, há três milhões de anos, quando o nível do mar estava dez metros acima do atual”. Um grande aporte de água doce que chega aos oceanos vem das geleiras, cuja diminuição serve de alerta e compromete o abastecimento dos grupos humanos que vivem próximos às montanhas. A cidade de Lima, com três milhões de pessoas, utiliza a água dos Andes não só para consumo, mas também para obter energia elétrica.
A expressão aquecimento global, segundo Jean-Michel, está incorreta, pois algumas partes do planeta irão apresentar temperaturas mais baixas do que as atuais. Tornando a Terra mais inóspita à vida, devido aos contrastes e à intensificação dos fenômenos meteorológicos, as mudanças climáticas também podem ser atenuadas, conforme acredita ele, se as pessoas mudarem seus hábitos comportamentais.
Atitude sustentável
“Precisamos entender a natureza para gerenciá-la de uma maneira sustentável” enfatiza Jean-Michel. Ao conhecer a relação de interdependência dos sistemas terrestres: “as raízes dos oceanos” com os aquáticos, surge um comprometimento maior com a preservação dos recursos naturais. “Se eu conheço o fundo de um rio e me encanto com ele, quero vê-lo vivo e recuperado. E, sinceramente, o lugar que mais gosto de estar na Amazônia é embaixo d’água, pois lá não tem mosquitos e nem aves que atacam”.
Tartarugas que parecem folhas, jacarés e anacondas foram companheiras de mergulho do pesquisador como ele mesmo mostrou nas imagens sobre a Amazônia. “Sempre desconfiei que os jacarés não atacassem quando estão mergulhados na água, pois se abrissem a boca poderiam se afogar. Mandei minha filha chegar perto de um deles, para conferir, e realmente minha idéia estava correta”.
Essa imersão na natureza, prática de Jacques Cousteau ao longo da sua vida repassada aos filhos e admiradores, também foi pregada nas terras e águas gaúchas por José Lutzenberger no decorrer de sua vida. “As experiências de contato permitem desconstruir mitos e mudar nossas atitudes. O mergulho com os jacarés mostra que muitos animais considedos perigosos têm pelos seres humanos indiferença ou um temor ainda maior” comenta Lara Lutzenberger. “Para a preservação, o que faz a diferença é o vínculo, a experiência de apaixonar-se para proteger os seres que formam a unidade neste lindo planeta tão bem representado nas imagens trazidas por Cousteau.”
Nos comentários finais, Jean-Michel e Lara defenderam atitudes cotidianas que podem fazer a diferença. “Desde pequeno, minha mãe usava uma sacola para ir às compras. Agora, quando vou à casa materna, na França, a mesma sacola ainda está pendurada na porta e sou eu quem a leva ao mercado.” Outro gesto que pode salvar a vida das tartarugas, que confundem das sacolas plásticas com águas-vivas, é dar um destino apropriado aos resíduos largados na areia. “Quando vou a Torres, costumo recolher o lixo da praia, atitude que gera curiosidade e faz algumas pessoas aderirem à essa campanha simples e eficaz”, comenta Lara.
Outra oportunidade para ouvir o especialista em arquiteturas marinhas é na próxima quinta-feira, 08 de julho, às 9h no centro de eventos da FIERGS, em Porto Alegre. As inscrições para participar do evento devem ser feitas pelo telefone 0800 51 8555, com entrada franca mediante entrega de um quilo de alimento não perecível no dia da palestra.
(Por Cláudia Dreier, Fundação Gaia, EcoAgência, 06/07/2010)