Foi concluído na semana passada o primeiro julgamento da Suprema Corte dos EUA de um caso sobre sementes transgênicas. O litígio teve início há quatro anos quando a ONG Center for Food Safety (CFS) processou a Monsanto e o USDA - United States Department of Agriculture (equivalente ao nosso Ministério da Agricultura) alegando ilegalidades na liberação da alfafa Roundup Ready (RR), da Monsanto, tolerante à aplicação de seu herbicida Roundup (à base de glifosato).
Em 2007 o CFS foi vitorioso ao conseguir que o USDA fosse obrigado a conduzir análises rigorosas sobre os impactos ambientais da alfafa RR (que, assim como todas as outras lavouras transgênicas nos EUA, havia sido liberada sem a realização de estudos de impacto). O CFS também foi vitorioso ao conseguir suspender a liberação da alfafa transgênica no país até que o USDA cumprisse a legislação ambiental. Por duas vezes o tribunal de recursos manteve a decisão em favor do CFS: uma em 2008 e outra em 2009. Finalmente, a Monsanto conseguiu levar seus argumentos ao último tribunal que restava, a Suprema Corte (normalmente amigável às grandes empresas).
O veredicto final foi divulgado no dia 21 de junho, determinando, por um lado, que estava acima da competência da corte inferior impor uma proibição nacional ao plantio da alfafa transgênica. Mas, surpreendentemente, a decisão final também considerou, por outro lado, que o USDA havia violado a lei ao permitir o plantio comercial da alfafa RR em 2005 sem a realização dos estudos de impacto ambiental e determinou que a proibição continua até que os estudos sejam realizados.
Ao final do julgamento a Monsanto se apressou em anunciar aos quatro ventos que havia sido vitoriosa no julgamento, afirmando que a Suprema Corte desautorizara a corte inferior e que a sua alfafa transgênica em breve voltará ao mercado. É evidente que a Monsanto temia a reação de seus investidores caso a grande mídia divulgasse o verdadeiro teor e as reais consequências da decisão final. E a grande imprensa, apressada em adiantar a notícia, repercutiu a versão criada pela empresa. Em poucos dias, entretanto, diversos meios de comunicação, entre eles a revista New Scientist, foram dando conta de informar os fatos com maior propriedade.
Segundo o CFS, que comemora vitória no caso, o USDA levará pelo menos um ano para conduzir os necessários estudos de impacto ambiental e, caso a avaliação não seja considerada adequada, poderá ainda ser objeto de novo litígio. Este caso é emblemático e histórico, e pode abrir precedente para outras ações semelhantes envolvendo a liberação comercial de transgênicos nos EUA -- já que nenhum transgênico liberado passou por rigorosas avaliações de impacto ambiental ou à saúde.
O caso também faz lembrar de como se deu a liberação da soja RR da Monsanto no Brasil. Logo após a publicação da primeira lei de biossegurança (8.974/95), a recém criada CTNBio autorizou o plantio comercial da soja Roundup Ready dispensando a realização do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (EIA/Rima). Logo em seguida, a Justiça brasileira concedeu liminar ao Idec e ao Greenpeace em ação civil pública suspendendo a liberação de qualquer organismo transgênico no país até que fosse realizado o EIA/RIMA, conforme exigido pela Constituição Federal para a instalação de qualquer atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (Art. 225).
Ao longo de dez anos o caso foi julgado em diversas instâncias, que sempre confirmaram a necessidade da realização dos estudos previamente às liberações comerciais. Enquanto isso, o governo FHC fechou os olhos para o plantio ilegal de soja transgênica, que quase tomou conta do sul do país. A história só terminou após a edição de duas medidas provisórias liberando excepcionalmente as safras ilegais de 2003 e 2004, com a publicação da segunda lei de biossegurança (11.105/2005), que autorizou a soja transgênica RR (Art. 35), pois ela “já era uma realidade no país”, e determinou que cabe à CTNBio decidir se os organismos transgênicos são potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente -- ou seja, se é ou não necessária a realização de EIA/RIMA previamente à liberação (Art. 16).
Assim, a soja foi liberada “na marra” sem os estudos, e todos os outros 20 transgênicos autorizados pela CTNBio posteriormente (11 milhos, 3 sojas e 6 algodões) também o foram sem os estudos -- já que, para a maioria dos membros da Comissão, os transgênicos são seguros por princípio. Nos EUA, assim como no Brasil, a Monsanto preferiu gastar anos brigando na justiça pela liberação de seus produtos sem a realização dos estudos ambientais do que permitir que eles fossem feitos.
No Brasil, a Monsanto não ganhou na Justiça mas conseguiu mudar a lei para ser dispensada dos estudos. Nos EUA a Justiça acaba de determinar definitivamente a necessidade dos estudos para a alfafa RR. E só o tempo contará final da história.
Com informações de:
- NewScientist, 22/06/2010.
- ConterCurrents.org, 22/06/2010.
- How the media got GM alfalfa wrong - Take a Bite out of Climate Change, 24/06/2010.
(AS-PTA/EcoAgência, 05/07/2010)