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2010-07-05 | Tatianaf

Pesquisa defendida no Instituto de Biologia (IB) conclui que uma flora muito diversa e pouco conhecida nas áreas de montanhas do Sudeste brasileiro está sofrendo fortes ameaças de extinção devido ao aumento da temperatura. Foi o que apontou a tese de doutorado do biólogo Leonardo Meireles, defendida no Instituto de Biologia (IB).

O estudo foi realizado na Serra Fina, que fica na divisa de três estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a região botânica mais conhecida do Brasil, que tem uma extensão de 165 km2 e pertence ao sistema Serra da Mantiqueira. A investigação faz um relato biogeográfico dos últimos 20 mil anos da história da vegetação do Sudeste, o que denota um outro cenário climático e vegetacional onde florestas poderiam ter sido menos extensas e os campos bem maiores do que se observa hoje. “A vegetação respondeu às mudanças climáticas pelo intenso resfriamento, demonstrando o quanto ela é suscetível a essas mudanças”, constata o autor.

Outra conclusão foi que as florestas do topo da Serra Fina, junto com as do topo da Serra da Mantiqueira, apresentam alta similaridade com florestas de montanhas do Sul do país. Este era um padrão fitogeográfico não descrito para as florestas brasileiras, fato que intrigou Meireles. Por que essa similaridade? “Modelamos a distribuição geográfica dessas espécies para visualizar se mudanças climáticas do quaternário, o período mais recente da história da Terra, poderiam explicar a configuração atual”, informa.

O pesquisador empregou algoritmos de modelagem de distribuição geográfica de espécies e projetou a sua distribuição potencial em cenários climáticos mais frios. Notou que essas espécies poderiam ter obtido, em eventos frios do último máximo glacial (época de máxima extensão das capas de gelo durante o último período glacial), uma distribuição geográfica mais ampla que hoje. Isso explicaria a conexão entre as floras da região Sul e das terras de altitude do Sudeste.

Segundo Meireles, essa flora somente não apresenta uma maior conectividade porque – desde o final do pleistoceno (caracterizado pela extinção dos grandes mamíferos) e início do holoceno (referente aos últimos 11 mil anos) – houve um aumento da precipitação e das temperaturas médias em relação ao período frio anterior, estimulando o deslocamento destas espécies para o topo das montanhas.

Caracterização
A pesquisa de Meireles abordou a composição da flora da Serra Fina, que possui uma diversidade de vegetação típica de alto de montanhas do Sudeste brasileiro. É sabido que ela oculta um importante número de espécies endêmicas, enfatiza ele, cuja distribuição geográfica se limita a uma determinada área. “Este conhecimento a respeito de sua distribuição e do seu estado de conservação ainda é mínimo”, calcula.

O seu objetivo foi caracterizar as espécies da vegetação de altitude da Serra Fina, uma região sem coletas botânicas até 1997, quando o escocês George Shepherd, orientador da tese, passou por ali a serviço do projeto Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo. Meireles fez um levantamento de espécies da vegetação dos campos de altitude e das florestas alto-montanas ou nebulares. Para isso, foram coletadas cerca de 400 espécies que ocorrem em altitudes superiores a 1.500 metros. São áreas muito raras no país, nas quais encontram-se essas espécies.

A descrição de quatro novas espécies dessa área está em processo de publicação: três provêm da família Asteraceae – gênero Senecio, Baccharis e Chinolaena (típico de montanhas da América do Sul); e outra espécie é da família Symplocaceae, abundante nas áreas de altitude do Sudeste. “As três primeiras são ervas e, a última, arbusto”, explica o biólogo. Há ainda outras três espécies que estão sendo pesquisadas e que circundam a Pedra da Mina, revela o biólogo. “Estamos aguardando para ver se estas são espécies novas. A descrição será feita pelos especialistas das famílias.”

Ocorre que a região da Serra Fina é quase desconhecida e o que descobriu-se foi que, ao longo dela, há muitas espécies com distribuição geográfica restrita. “Vimos que outros atributos deviam ser estudados em termos de conservação, mormente quando a espécie tinha um único lugar conhecido. Hoje é possível perceber que algumas dessas espécies possuem populações um pouco mais extensas, aumentando as changes para sua conservação. Além disso, a descoberta de novas espécies confirma o quanto se desconhece sobre a composição da flora de montanhas do Estado de São Paulo”, expõe Meireles.

Shepherd comenta que essa região tem sido muito procurada pelos montanhistas, visto que a Serra Fina é vista como uma travessia de alta complexidade. “É um verdadeiro desafio andar naquele relevo escarpado”.

Dentre as áreas de montanhas do Sudeste, garante Meireles, certamente esta é a mais difícil de praticar o montanhismo. Não há em outro lugar o mesmo grupo de plantas e os mesmos tipos de mata. “A vegetação dessa região é única no Brasil”, define o biólogo, mas as regiões dos campos de altitudes têm sido comparadas aos Páramos, vegetação típica do norte dos Andes. “É uma história de plantas características de altitudes bem elevadas da América do Sul. Antes elas eram conhecidas apenas na região do Itatiaia, onde têm havido mais pesquisas por causa de suas espécies endêmicas.”

Modelagem

Essa tese de doutorado reservou algumas surpresas ao seu autor durante as análises. Os resultados diferiram dos pressupostos originais e isso de certa forma teve estrita ligação com o passado: muito do que se pode constatar tem a ver com as mudanças climáticas da época de glaciação, áreas de excesso de geleiras no Hemisfério Norte, diferente do Hemisfério Sul. Não obstante isso, o clima mudou bastante nesta parte do Brasil. Em decorrência, Meireles fez uma série de trabalhos com modelagem de distribuição de espécies no computador para verificar como teriam mudado no passado.

A situação climática permitiu que essas espécies, hoje restritas ao topo de montanhas, ocorressem em altitudes mais baixas, explicando parte da similaridade dessas florestas com a vegetação do Sul do país. “Toda flora de montanha do Sul e Sudeste brasileiro, porém, tem vernizes associados às áreas de maior altitude. Elas têm altas semelhanças genéricas e é comum achar espécies endêmicas realçando o valor de cada cadeia montanhosa”, pontua o pesquisador.

Shepherd exemplifica a vegetação de Campinas no passado, a qual, presume-se, ter sido diferente. “O que representa ser uma área quase insignificante no topo das montanhas provavelmente foi uma floresta muito maior e que ocupava uma faixa mais visível do Sudeste, na época de clima mais frio”, crê Shepherd, embora isso ainda seja discutível, pois não se sabe como foram as mudanças em termos de pluviosidade. Além do mais, não existe uma previsão exata de como teria mudado a distribuição. Ao que tudo indica, estas florestas eram componentes fundamentais da vegetação.

O mais importante para chegar próximo disso, de acordo com o botânico, são os estudos de pólen fossilizados. Eles dizem que tipo de vegetação ocorria nos lugares no passado. Esta seria a melhor maneira de comprovar o que foi proposto neste trabalho. Entretanto, não há no Brasil um número suficiente para comprovar a extensão das mudanças propostas. A despeito de não haver dados suficientes para ampliar as conclusões, Shepherd e Meireles esperam contribuir indicando novas áreas para investigações futuras, encorajando mais pesquisadores a fazerem novos levantamentos no Sudeste.

Hoje a vegetação encontrada no topo da serra é muito vulnerável, diferente do passado em que o clima era mais frio e, com a nova realidade do aquecimento global, as espécies restritas no topo das serras não têm para onde migrar. Estão sujeitas à extinção, posto que, não havendo continuidade em topos de montanha, como há nos Andes, essas espécies ficam como em ilhas isoladas, fato que propiciou o seu aparecimento, constituindo um patrimônio natural único, sendo um limite atual para sua conservação. “As plantas não têm como mudar de uma ilha a outra”, avalia Shepherd. “Então esta vegetação se torna muito suscetível às mudanças climáticas.”

Biólogo enfrentou tempestade

As coletas na Serra Fina foram feitas ao longo de dois anos, de 2005 a 2007. Meireles e dois ajudantes de campo, guias acostumados à região, e algumas vezes outros amigos, acampavam no local. As expedições levavam prensas de mão na qual adicionavam o material coletado, que era encaminhado ao Departamento de Biologia Vegetal do IB para ser tratado e incorporado à coleção do Herbário.

Meireles conta que foram 16 viagens de coleta, sendo que em quatro chegou ao topo da Pedra da Mina, o que exigiu um grande preparo físico do pesquisador. “Fiz treinamento de força e resistência física para fazer a travessia, que em geral demandava de três a quatro dias de caminhada.”

Para Meireles, a principal dificuldade teve relação com o relevo da serra, que exige muito esforço físico das pessoas que se lançam neste projeto, pois além de tudo é preciso carregar alimentos, água (lá existe em poucos locais), materiais para coleta e barracas. As duas áreas de coletas principais foram a Pedra da Mina, onde foi encontrada a maioria das novas espécies, e o pico do Capim Amarelo, onde ocorreram os estudos das florestas nebulares, na maior altitude até então amostrada.

Já o pior momento, conta ele, foi uma tempestade que enfrentou em uma das expedições. O pesquisador, que trabalhava na mata, lembra que foram ventos muito intensos durante a noite e que a chuva potencializou o frio. “Daí a importância de ir preparado para o local, pois as condições mudam de repente”, conta.

A Serra Fina pertence a um conjunto de montanhas alcalinas com 12 picos de mais de 2.600 metros de altitude, localizada entre o Parque Nacional de Itatiaia e o maciço Itaguaré-Marins. Sua principal atração é a Pedra da Mina, com 2.798 metros, recém-apontada como a montanha mais alta de toda a Serra da Mantiqueira no Estado de São Paulo e a quarta mais alta do Brasil, vindo atrás apenas do Pico da Neblina, Monte Roraima e Pico da Bandeira.

Artigos
Teles, A. & Meireles, L.D. A new species of Senecio (Asteraceae: Senecionae) from southeastern Brazil. Brittonia, 62:178-82, 2010.

Heiden, G. & Meireles, L.D. A new dwarf shrubby species of Baccharis subg. Baccharis (Asteraceae, Asterae) from southeastern Brasil. Brittonia 62:2010. (no prelo)

Tese: “Estudos florísticos, fitossociológicos e fitogeográficos em formações vegetacionais altimontanas da Serra da Mantiqueira Meridional, sudeste do Brasil”
Autor: Leonardo Meireles
Orientador: George John Shepherd
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp

(Por Isabel Gardenal, Jornal da Unicamp Nº 467, EcoDebate, 02/07/2010)


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