Dos muitos bens que não são para todos no Paraguai, a água potável é a que mais faz falta para a população indígena. “A água que tiramos do quebra-mar não é potável, mas é a que bebemos. Não temos outra saída, não é água limpa, mas é água”, disse à IPS a indígena da etnia sanapaná Neira Esquivel, da comunidade Karanda’y Puku, no vasto Chaco paraguaio. Neira viajou para Assunção acompanhando alguns líderes de sua comunidade para reclamar água, alimentos e regularização da posse de suas terras junto ao Instituto Nacional do Indígena. As peregrinações são permanentes, sobretudo pela água.
As comunidades da região ocidental, à qual pertence o Chaco, são as que mais sofrem, porque à ausência de infraestrutura para o fornecimento soma-se a seca. Na região de Karanda’y Puku, com 70 famílias, “há mais de sete meses não chove, nosso quebra-mar está seco e o tanque de reserva vazio”, disse Neira. A média anual de chuvas do Chaco – território com mais de 247 mil quilômetros quadrados que constitui 61% da superfície do país – é de 400 milímetros. Nessa região semiárida e semiúmida há pouca água superficial e as camadas subterrâneas são salobras.
Escassamente povoado, o Chaco é lar de metade dos indígenas paraguaios, que atualmente somam 108 mil pessoas, cerca de 1,7% dos 6,2 milhões de habitantes do país, sendo 75% da população de mestiços. O acesso a água é um problema histórico no Chaco, que a cada ano sofre um desabastecimento que exige a declaração de emergência para suprir o déficit hídrico, disse à IPS o técnico Santiago Bobadilla, da organização não governamental Tierraviva, dedicada a promover os direitos indígenas.
A maioria das comunidades conta com quebra-mar e captação de água da chuva depositada em fendas escavadas no terreno, mas que secam com as escassas chuvas. “Os indígenas pedem ajuda constantemente. O fornecimento de água potável feito por caminhões-pipa é apenas paliativo e tampouco a água é potável”, afirmou Santiago. A Secretaria de Emergência Nacional envia estes caminhões, mas a responsabilidade recai em grande parte sobre os governos locais. Segundo os líderes nativos, a ajuda não chega às comunidades mais afastadas.
Das casas indígenas, 65%, cerca de 65 mil pessoas, se abastecem de água superficial ou de chuva, pois carecem de acesso às redes de distribuição. Estes dados figuram do informe Atualização e Análise Setorial de Água Potável e Saneamento do Paraguai, publicado no começo deste ano por entidades do governo, com financiamento do Fundo Espanha-Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O relatório também concluiu que 50% da população rural não tem como fonte principal de água a rede de distribuição, e 19% dos paraguaios são indigentes.
Segundo a Pesquisa de Domicílios Indígenas 2008, quase 38% das famílias nativas se abastecem em quebra-mares e rios, 21% em cisternas, 34% de águas subterrâneas e apenas 6% pela rede de distribuição. Quando há seca no Chaco, as mulheres são as encarregadas de caminhar longas distâncias em busca de água. “Andamos quilômetros, e muitas vezes não temos como pegar água em propriedades alheias”, disse Neira, referindo-se às terras agropecuárias de colonos menonitas.
Inclusive nessa região inóspita, o desenvolvimento faz a diferença. Os menonitas, que se assentaram ali no final dos anos 20, são cerca de 30 mil pessoas organizadas em grandes cooperativas que dominam 75% da indústria de laticínios do país. Contam com infraestrutura adequada para coletar água da chuva, extraí-la do subsolo em grande profundidade e para dessalinização. Por outro lado, a falta de água limpa desencadeia problemas sanitários permanentes para os indígenas, sobretudo as crianças, que tampouco têm assistência adequada à saúde.
Para Celso Zavala, líder do povo enxet, um dos principais inconvenientes é a distância dos centros de saúde. “Por um lado, tomamos água diretamente dos riachos, o que gera problemas principalmente nas crianças, e, por outro, não temos acesso a assistência à saúde”, afirmou à IPS.
Na Análise Setorial é destacado que “este aspecto deve ser atendido prontamente para melhorar a qualidade de vida desta população” e recomendado que as soluções sejam buscadas por meio de mecanismos de subsídio total e adaptação aos hábitos e costumes dos nativos. Também fala da necessidade de promover a educação sanitária e ambiental para reduzir os riscos da contaminação e das doenças vinculadas à água, com a diarreia. “Viemos até Assunção por necessidade. Não temos comida, não temos água”, insistiu Neira, antes de voltar para sua aldeia. IPS/Envolverde
(Por Natalia Ruiz Díaz, IPS, 30/6/2010)