“Não há dúvida de que o nível do mar tem aumentado gradativamente no litoral brasileiro.” A conclusão consta de estudo realizado pelo Laboratório de Marés e Processos Temporais Oceânicos (Maptolab) do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP). O alerta significa que o país pode sofrer, no futuro, com uma das piores consequências do aquecimento global: a destruição de regiões inteiras localizadas próximo à costa.
As informações obtidas pela equipe do laboratório mostram que o nível do mar vem aumentando cerca de 40cm por século, ou 4mm por ano. O dado surgiu a partir de medições realizadas em estações de pesquisa de Cananeia e de Ubatuba, ambas no litoral de São Paulo, e da análise de registros colhidos em portos do país entre 1957 e 1993. As possíveis consequências do fenômeno vão da perda da faixa de areia à destruição de cidades, passando por ressacas mais violentas e inúmeros outros transtornos. Reportagem de Gisela Cabral, no Correio Braziliense.
A equipe coordenada pelo professor Afrânio Mesquita fez uso de equipamentos específicos, como o medidor de boia flutuadora, além de um radar (veja arte abaixo). “Na nossa avaliação, os dados são extremamente preocupantes. A variação do nível do mar detectada é simplesmente absurda”, destaca Mesquita.
Medições feitas na região de Cananeia, por exemplo, mostram um movimento de afundamento vertical da costa na ordem de 0,11cm por ano. Isso faz com que o nível do mar suba em relação à costa 0,38cm no mesmo período. “Essa variação ameaça as praias, talvez, de toda a costa brasileira”, afirma Mesquita.
De acordo com a Marinha do Brasil, a elevação do nível do mar já afeta, direta ou indiretamente, as atividades costeiras. “No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, existem áreas que apresentam indícios claros de erosão, tais como Atafona, Barra do Furado, Macaé e até a praia do Leblon. Essas estariam mais vulneráveis à elevação do nível do mar”, afirma Geraldo Nogueira, professor de marés da Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha.
Monitoramento
A Marinha participa do Programa de Sistema Global de Observação do Nível do Mar (Gloss, na sigla em inglês) com seis estações maregráficas (de medição das marés) permanentes. O período mínimo de observação para estimar tendências de variação do nível do oceano é de 50 anos. “Atualmente, no Brasil, apenas as estações maregráficas da Ilha Fiscal (RJ) e de Cananeia possuem observações com período acima de 50 anos”, explica Nogueira. O professor acredita que, por ter uma costa muito extensa, o país deveria contar com uma rede de medição permanente, a fim de elaborar planos estratégicos de ocupação ou remoção de construções nas áreas onde a variação relativa do nível do mar for mais significativa.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é outra instituição brasileira participante do Gloss-Brasil, que compreende atividades relacionadas ao monitoramento do mar em águas jurisdicionais brasileiras. “Entre os objetivos, está a implantação de rede permanente de monitoramento do nível do mar, geração de dados com qualidade científica que suportem análises de tendência de longo período, capacitação de pessoas para a produção e análise de informações sobre esse tema, entre outras atribuições”, explica Milton Kampel, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Inpe.
A ferramenta básica de uma estação é o marégrafo, que registra a altura da água ao longo do tempo, utilizando diferentes sistemas. “Para integrar a rede, os marégrafos devem estar de acordo com o Plano de Implementação do Gloss”, destaca Kampel, lembrando que as estações Gloss também podem fazer medições de outros parâmetros meteorológicos e oceanográficos, como pressão atmosférica, temperatura do ar e da água, evaporação, direção e intensidade do vento.
O especialista do Inpe diz que a elevação do oceano preocupa porque as regiões costeiras costumam ter alta densidade populacional. “Milhões de pessoas vivem numa faixa entre 1m e 5m da linha de costa (maré alta). Bilhões de dólares em infraestrutura estão investidos em regiões imediatamente adjacentes à costa. A maioria das megalópoles mundiais, com populações de muitos milhões de habitantes, também estão na zona costeira”, lembra. Kampel aponta ainda que o nível do mar global aumentou durante o século passado e estima-se que essa elevação se acelere no século 21. “Entretanto, a magnitude do problema permanece incerta”, destaca. “Ainda que os impactos da elevação sejam potencialmente grandes, a aplicação e o sucesso de medidas para amenizar esses efeitos permanecem duvidosos, requerendo mais esforço de pesquisa”, alerta.
Confira íntegra da entrevista com pesquisador do Inpe sobre o avanço do mar
Entrevista com Milton Kampel, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
** Pesquisa da USP detectou um aumento do nível do mar na costa brasileira de 40 cm por século, ou seja, 4 mm por ano. Segundo os especialistas, os dados preocupam e podem trazer inúmeras consequências para a população, principalmente para aqueles que moram próximo à costa. Na sua opinião, como o aumento do nível do mar pode afetar o homem? Quais os principais transtornos causados? O aumento do nível do mar está diretamente ligado à situação climática global?
O oceano é um ambiente dinâmico e em rápida evolução, cujas mudanças tornam-se cada vez mais evidentes à medida que o observamos com mais cuidado e atenção. Algumas das mudanças que detectamos foram causadas por nós mesmos, direta ou indiretamente. Enquanto que outras transformações surgem como novidade, talvez apenas por estarmos observando cada vez em mais detalhe e com equipamentos e ferramentas mais sofisticadas.
Amamos a zona costeira. Regiões costeiras, principalmente aquelas localizadas em torno de estuários, têm alta densidade populacional. Milhões de pessoas vivem numa faixa entre 1 e 5 metros da linha de costa (maré alta). Bilhões de dólares em infraestrutura estão investidos em regiões imediatamente adjacentes à costa. A maioria das megalópoles mundiais, com populações de muitos milhões de habitantes, estão também na zona costeira.
Os oceanos estão mudando. Diversas observações têm mostrado que o oceano tem passado por mudanças nas últimas décadas. Um aspecto dessa questão é a questão do aquecimento, que resulta no aumento de volume de água por expansão termal. Também há adição de água proveniente dos glaciares e calotas de gelo polares, assim como mudanças nos reservatórios de água continentais (retenção de água em reservatórios artificiais e extração de água dos aquíferos). Todos esses aspectos juntos resultam em variações no nível do mar.
A elevação do nível do mar é uma resposta ao aumento das concentrações de gases do efeito-estufa na atmosfera e as consequentes mudanças no clima global. A elevação do nível do mar contribui com a erosão costeira e a inundação de regiões costeiras baixas, particularmente durante a ocorrência de eventos meteorológicos extremos. Esta elevação também leva à intrusões de água salgada nos aquíferos de água doce, deltas e estuários. Estas mudanças impactam nos ecosistemas costeiros, recursos hídricos e atividades ou assentamentos humanos. As regiões sob maior risco incluem os deltas densamente povoados, pequenas ilhas (especialmente atóis) e costas arenosas apoiadas por grandes desenvolvimentos costeiros. Como já mencionado, o nível do mar global se elevou durante o século passado. Estima-se que esta elevação se acelerará no século 21 e além, devido ao aquecimento global. Entretanto, a magnitude dessa elevação permanece incerta. Algumas incertezas-chave incluem o possível papel das coberturas de gelo da Groelândia e Antártica Ocidental, assim como, a amplitude de oscilações regionais do nível do mar. Em certas áreas, componentes não climáticas das variações do nível do mar (principalmente a subsidência), também podem ser localmente significativas. Ainda que os impactos da elevação do nível do mar sejam potencialmente grandes, a aplicação e o sucesso de medidas mitigadoras ou adaptações permanecem duvidosas, requerendo mais esforço de pesquisa e consideração.
** Como o Inpe monitora essa questão? Quais os equipamentos utilizados e quais as regiões analisadas?
O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) integra o esforço brasileiro de participação no Sistema Global de Observação do Nível do Mar (Gloss-Brasil). O programa compreende atividades relacionadas ao monitoramento do nível do mar em águas jurisdicionais brasileiras, com o objetivo de implantar rede permanente de monitoramento do nível do mar, gerar dados com qualidade científica, e que suportem análises de tendência de longo-período do nível do mar. Capacitar pessoal para a produção e análise de informações sobre o nível do mar, promover a disseminação de informações, além de interagir com outros programas nacionais e internacionais, também estão entre os objetivos.
A comunidade de usuários de informações sobre o nível do mar (portos, empresas privadas, institutos de pesquisa, etc.) devem se envolver para fins de aplicações práticas, como por exemplo: estimativas das variações do nível do mar, caracterização de fenômenos e seus impactos na costa, tais como o El-Niño, apoio a atividades de engenharia costeira, previsão de marés, apoio a atividades portuárias e segurança a navegação, além do suporte para sistemas de alarme de tsunamis.
O Inpe é responsável pela estação de medição instalada nos rochedos de São Pedro e de São Paulo, que juntamente com outras 11 estações compõem a rede maregráfica Gloss-Brasil. A ferramenta básica de uma estação de monitoramento do nível do mar é o marégrafo. Este equipamento consiste em um medidor que registra a altura do nível de água ao longo do tempo, utilizando diferentes sistemas, tais como: bóias, sensores de pressão, contatos elétricos, pulsos acústicos, radares, entre outros. Para integrar a rede, os marégrafos devem estar de acordo com o Plano de Implementação do Gloss. É muito importante que as estações realizem não só medições redundantes do nível do mar, como também medições de outros parâmetros meteorológicos e oceanográficos, tais como pressão atmosférica, temperatura do ar e da água, precipitação, evaporação, direção e intensidade do vento, entre outras.
(EcoDebate, 28/06/2010)