"Antigamente, você abria o caso e olhava o pulmão. Se estava escurecido, a gente já classificava aquela pessoa como um fumante. Hoje já fica difícil você classificar se essa pessoa morreu por problemas relacionados ao vício do fumo ou da poluição".
Essa frase foi dita por João Teixeira ao belíssimo blog !sso não é normal! (http://issonaoenormal.com.br). João não é médico, ele é um técnico que trabalha há mais de 30 anos no SVO (Serviço de Verificação de Óbitos do Hospital das Clínicas), onde cerca de 14 mil corpos são autopsiados por ano.
Semana passada saí de casa e fui pedalando para um compromisso próximo ao Parque Ibirapuera. Constantemente, me sinto incomodado com o ar poluído, mas nesse dia senti minha garganta rasgar. Imaginava a quantidade de fumaça tóxica, emitida pelos carros, que estava engolindo. Também imagino que meus pulmões devem ser iguais aos de um fumante.
No final de semana fui de carro para uma festa próximo da Radial Leste, região mais poluída de São Paulo. Não imaginam como foi sofrível dirigir naquele dia. Nem me incomodei com o trânsito, mas como pesava minha consciência em saber que ajudei dez pessoas a morrer com ajuda da minha fumaça, só naquele dia. Se pudesse eu nunca mais tocaria num carro na minha vida.
Óbvio que em vários momentos iria passar apertos, dificuldades, mas todo sacrifício é pouco perto do alívio de não ser corresponsável por essa situação, muito menos refém desse sistema irracional de dependência da gasolina para se locomover.
Mas como mudar? Esperar o altruísmo de parte da população que tem carro, abrindo mão do seu bem? Esperar iniciativas dos nossos governantes tornando mais rígido o controle da poluição? Um grande passo foi dado: até dezembro, São Paulo será a primeira cidade do mundo a adotar os limites de poluição da OMS. Isso quer dizer que sempre que os limites forem ultrapassados, haverá restrições aos carros.
A partir dessa edição, farei uma contagem regressiva para o "Dia Sem Carro", dia 22 de setembro. Portanto, vamos fazer nossa parte, começando já, se programando para deixar nosso carro na garagem, ao menos nesse dia. Vamos fazer esse sacrifício e sentir a experiência de como nossa cidade pode ser mais agradável com menos carros nas ruas. Faltam 90 dias.
(Destak Jornal, 23/06/2010)