Aldo Rebelo - relator da alteração do Código Florestal - em entrevista à revista Época, 20-06-2010, afirma que a sua proposta deve ser aprovada no Congresso porque “ainda não apareceu nenhuma melhor" e diz que a agropecuária não tem nenhuma relação com as mudanças climáticas".
Eis a entrevista.
Por que o senhor foi indicado para ser relator das alterações do Código Florestal?
Sou integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Não integro nem a frente parlamentar da agricultura, nem a frente parlamentar do meio ambiente. Mas na comissão eu acompanho as negociações do Brasil na Organização Mundial do Comércio. Lá, a agenda do meio ambiente está sempre presente. Os países ricos procuram criar as chamadas barreiras ambientais aos produtos brasileiros. Ao lado do subsídio das políticas de cotas e tarifas, eles criam as barreiras ambientais. Eu queria acompanhar como este debate ia ser realizado. Pedi uma vaga de suplente. Quando cheguei lá, encontrei um impasse na relatoria entre os setores da bancada da agricultura e do meio ambiente. Os passivos da Comissão pediram para eu assumir a relatoria. Para encontrar um caminho intermediário, uma mediação.
Quais partidos tomaram a decisão?
Só não participaram da decisão o PSOL e o PV.
Como conciliar os interesses de pequenos e grandes agricultores? São interesses, grande parte das vezes, muito distintos…
Estabelecendo a distinção por módulos. Por lei, a pequena agricultura tem até quatro módulos. Dei a eles um tratamento diferente. Para os pequenos, é obrigatório ter áreas de preservação permanente. Aos demais, são obrigatórias as áreas de preservação permanente e reserva legal.
Esses pequenos produtores, segundo um relatório do INCRA, representam mais de 90% dos imóveis rurais cadastrados no país. Dispensá-los de manter a reserva legal não é perigoso para a conservação?
Não há nenhum perigo para a preservação. No fundamental, a preservação está na APP. Na proteção do solo e da água. Reserva legal com dois hectares de dimensão não tem função biológica nenhuma. A reserva legal precisa de espaço grande para poder reproduzir flora e fauna. As reservas eram exatamente o que colocavam as pequenas propriedades na ilegalidade. Os números mostram isso. Só no Rio Grande do Sul, 99% dos pequenos estão irregulares. Converter essas propriedades, de onde eles tiram uma renda média de dois salários, em florestas torna a sobrevivência inviável. O pequeno acaba preferindo ir para a cidade. Botar o filho para trabalhar lá.
Não é incoerente que o senhor, enquanto comunista, esteja agora à frente dos interesses dos latifundiários?
Eu nunca tive preconceito contra latifúndio. O que eu sempre tive foi uma posição a favor da reforma agrária. E isso é muito diferente. Tenho uma posição critica. Defendo a reforma. Mas não estou tratando de uma legislação que cuida da reforma agrária. Estou tratando de uma lei que cuida da proteção do meio ambiente.
O senhor propõe a conversão de floresta nativa em cotas ambientais. Quem desmatou, em vez de recompor a mata, compraria uma área ou investiria em fundos para preservar unidades de conservação. A criação de uma espécie de mercado de títulos é saudável para a preservação?
Essa compensação, de certa forma, já existe. A lei permite averbar a reserva legal em outra área. O que acontece é que os pequenos proprietários vendem suas áreas para recompor florestas dos grandes.
Isso faz mais sentido do que dar dinheiro ao governo para cuidar das unidades de conservação. Teoricamente, as unidades são áreas já preservadas…
Você quer discutir o meu projeto ou a legislação?
As duas coisas. Elas estão totalmente relacionadas…
As unidades de conservação não são preservadas, como você está sugerindo. Tem um alto índice de desmatamento, de queimadas. Lamentavelmente, é isso que existe. Onde há mais fogo e derrubada é exatamente nestas áreas. Não tem quem tome conta. Não tem guarda. Alem do mais, não foram pagas. Muitas não estão em posse do Estado, porque o governo não paga. Com a minha proposta, essas unidades ficariam efetivamente protegidas.
O Brasil se comprometeu, no ano passado, a reduzir suas emissões de gases poluentes. Como conciliar as metas brasileiras com a sua proposta, que pode abrir brechas para novos desmatamentos?
Primeiro, eu não sei que compromisso o governo assumiu.
Reduzir em 38,9% suas emissões de gases do efeito estufa até 2020. É uma lei, deputado…
Isso não tem nada a ver com a agricultura do país. O que tem a ver é com queimada.
A redução de emissões depende de vários setores da economia, inclusive da agricultura. E não me refiro somente a parar com as queimadas e desmatamentos. O uso de defensivos agrícolas também gera gases…
Eu não sei onde é que a agricultura entra nisso.
Reduzir a área de floresta e dispensar os agricultores de recompensarem suas matas são fatores que podem atrapalhar o cumprimento da meta brasileira de redução de emissões…
Como é que o governo assume um compromisso lá fora que não assumiu internamente. E o decreto presidencial? O presidente Lula adiou para 2011 a entrada em vigor da obrigatoriedade do reflorestamento. Como o governo faz isso e assume um compromisso lá fora? Em segundo lugar, o que estamos propondo é muito mais importante porque a legislação atual não impediu o desmatamento. A lei que estamos propondo diz que, nos próximos cinco anos, não poderá haver abertura de nenhuma nova área para agropecuária.
Mas e depois dos cinco anos de moratória? O desmatamento vai ser liberado?
Eu não posso querer legislar uma matéria desta eternamente. Não é o Código de Hamurabi ou a Lei de Talião. Estou propondo que os Estados façam seus zoneamentos econômico-ecológico, planos de bacias e estudos de suas áreas com conhecimento do assunto.
O mundo caminha hoje para uma economia de baixo carbono. Não é contra-senso afrouxar as leis ambientais e reduzir o estoque de gases neste momento?
Os Estados Unidos não assinaram nem o Protocolo de Quito. A reunião de Copenhague foi interrompida pelos países industrializados. Um acidente de óleo do Golfo do México está destruindo tudo. Eu não vejo o mundo caminhando para esta economia. No Brasil, eu sei que está acontecendo. Temos biodiesel, usinas hidrelétricas…
Sua proposta libera a recuperação das florestas com espécies exóticas (aquelas que não são naturais do país)?
Dependendo do zoneamento ecológico, sim. Mas precisa da licença dos órgãos ambientais estaduais.
Um dos pontos polêmicos da sua proposta diz respeito ao aumento do poder de decisão dos Estados sobre os limites de preservação. É correto deixar a lei à mercê de interesses políticos e econômicos locais?
Sim. Seria perigoso se não houvesse uma referência nacional. Se deixássemos aos Estados o livre arbítrio para definir tudo. Não é o que vai ocorrer. Eles podem definir dentro de regras claras estabelecidas pela norma nacional. O Estado não pode diminuir a reserva legal em São Paulo de 20% para 10%. Não pode ser menos restritivo que a lei federal.
Qual é a vantagem?
O grande ganho é que o Estado passa a ter um papel relevante na proteção e fiscalização. É precário querer fiscalizar todas as cidades a partir de Brasília. A realidade demonstrou isso. A legislação rigorosa colocou as pessoas na ilegalidade e não protegeu o meio ambiente.
Um estudo da USP mostra que o Brasil tem capacidade para dobrar a produção sem desmatar um hectare de terra. O senhor conhece esses números?
Eu acho o estudo modesto. O Brasil tem capacidade para triplicar a produtividade, se tivesse capital e tecnologia. Aumento de produtividade requer isso. As pessoas fazem as projeções sem levar em conta a realidade de uma economia agrícola descapitalizada, em certa parte endividada. Uma parte grande dela é uma economia pré-capitalista.
Se o Brasil tem área suficiente para triplicar a produção, é necessário permitir novos desmatamentos daqui a cinco anos?
Eu acho que não, mas essa é uma decisão que vai decorrer dos planos de zoneamento e de bacias hidrográficas. É isso que vai impedir o desmatamento de verdade.
Aprovar essa proposta vai ser um dos grandes desafios da sua carreira política?
Não sei. Só vou conseguir aprovar se esta for a vontade do Congresso. Se for algo equilibrado. Se resolver os problemas. Proteger o meio ambiente e a agricultura. Precisa encontrar o ponto de equilíbrio.
Pelo que o senhor tem falado com os colegas do Congresso, não é possível tirar uma temperatura? A proposta passa como está redigida hoje?
Eu acho que vai passar porque ninguém apresentou uma melhor. Se você for perguntar para o setor dos produtores rurais, vai ver que eles não querem saber disso. Querem é reserva legal zero para todo lugar e para todo mundo.
Então poderia existir uma proposta melhor do que a sua?
Uma melhor do ponto de vista das alas que se digladiam. O agricultor poderia achar que outra é melhor para ele. O ambientalista a mesma coisa. Depende do ponto de vista.
E do ponto de vista do senhor? A proposta está satisfatória?
A não ser que alguém apresente outra. Agora é a fase de criticas. Estou esperando as sugestões.
(IHU-Unisinos, 21/06/2010)