O combate ao trabalho escravo ganhou destaque na agenda política das últimas semanas com a visita ao Brasil da relatora especial da ONU para formas contemporâneas de escravidão, a advogada armênia Gulnara Shahinian, e a realização do 1º Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, sediado em Brasília.
Na abertura do evento, o vice-presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto, destacou as "múltiplas inconstitucionalidades do trabalho escravo", que viola os preceitos constitucionais da primazia do trabalho e da dignidade da pessoa humana. E sustentou que sua erradicação é uma obrigação do poder público e um desafio para toda a sociedade brasileira.
Desde 1995, 38 mil trabalhadores já foram libertados da condição análoga à escravidão no país, sendo 32 mil nos dois mandatos do presidente Lula.
O diretor da OIT para América Latina e Caribe, Jean Maninat, saudou as políticas brasileiras de enfrentamento e destacou o bom exemplo das mais de 200 empresas que integram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, assumindo o compromisso de romperem negócios com fornecedores autuados por tal prática criminosa.
Apesar das milhares de libertações já ocorridas, as condenações por esse crime ainda são muito escassas. Uma contribuição mais efetiva dos Poderes Judiciário e Legislativo foi apontada pela subprocuradora geral da República, Deborah Duprat, como fundamental para a erradicação do trabalho escravo.
No Judiciário, o fim da impunidade para exploradores foi defendido pelo presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Milton de Moura França, e pelo procurador-geral do Trabalho, Otávio Brito.
Da parte do Legislativo, o empurrão final ainda precisa ser desbloqueado no Congresso Nacional. A PEC 438, que prevê a expropriação e destinação para reforma agrária de todas as terras onde essa prática seja encontrada, já foi aprovada no Senado e aguarda votação em segundo turno na Câmara.
Um abaixo-assinado pela sua aprovação, com 284 mil assinaturas, foi entregue ao presidente da Casa, deputado Michel Temer, que garantiu seu empenho para finalizar a votação ainda neste ano.
É lamentável, no entanto, que determinados nichos da sociedade ainda tentem confundir o trabalho escravo, definido no artigo 149 do Código Penal, com meras irregularidades trabalhistas, levantando dúvidas sobre a existência dessa prática criminosa no país.
Essa pequena parcela retrógrada do empresariado, socialmente irresponsável, não representa o melhor setor produtivo brasileiro e destoa das grandes empresas que já reconhecem o problema e estão empenhadas na sua erradicação, conscientes da vulnerabilidade que a prática representa para os negócios brasileiros no exterior.
As lideranças mais conscientes do meio empresarial vêm aderindo aos paradigmas da chamada responsabilidade social e sabem que o Brasil não pode correr o risco de perder milhões de reais na sua balança comercial por exploradores que tiram vantagem do trabalho escravo para aumentar seus lucros.
Essa prática atinge hoje menos de 1% dos 17 milhões de trabalhadores rurais brasileiros, mas essa parcela reduzida, ainda mantida em condições degradantes, que violam nossos tratados internacionais, pode causar um grande estrago na imagem do país no exterior e nas relações comerciais.
Esses prejuízos potenciais não são o aspecto ético e jurídico mais importante desse desrespeito à dignidade humana, mas não devem ser subestimados. O país está diante do desafio de conciliar o crescimento econômico que hoje estufa suas velas com o respeito absoluto aos direitos fundamentais.
*PAULO VANNUCHI é ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e presidente da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.
(Por Paulo Vannuchi, Envolverde/Repórter Brasil, 18/06/2010)