O desastre com a plataforma de petróleo no Golfo do México põe em relevo duas questões que precisam ser respondidas com urgência: 1) Que limites devem ser respeitados no desenvolvimento vertiginoso de tecnologias nessa e em outras áreas e que implicam riscos muito graves? 2) Tendo em vista a possibilidade de desastres como o do Golfo do México e considerando ainda a necessidade urgente de reduzir as emissões de gases decorrentes da queima de combustíveis fósseis, por onde será conduzida em todo o mundo – e no Brasil – a política do petróleo?
Nos últimos tempos, muitos cientistas têm alertado sobre a necessidade de estabelecer limites para tecnologias, seja a partir de riscos das nanotecnologias para a saúde humana, seja com a descoberta de técnicas até para criação de “vida artificial”, que poderiam gerar consequências inimagináveis. Nas últimas semanas, várias vozes se fizeram ouvir chamando a atenção também para riscos ainda sem possibilidade de controle – mas com gravíssimos efeitos – em áreas como a da exploração do petróleo, principalmente em águas profundas. E a tudo isso se somam os conhecidos alertas da ciência quanto aos desastrosos efeitos já visíveis de mudanças climáticas acentuadas pela concentração de gases poluentes na atmosfera.
Segundo a Agência Internacional de Energia, o consumo de energias no mundo, se não houver acordo para redução dos gases, aumentará 43% até 2035, incluído o petróleo, e as emissões decorrentes da queima de carvão (o formato mais poluente entre os combustíveis fósseis) aumentarão 56%. Mas ainda não há acordo à vista para a redução, como têm mostrado as negociações na Convenção do Clima, que tiveram nestas duas últimas semanas, em Bonn, mais uma discussão preparatória da reunião da convenção programada para novembro em Cancún.
Nos Estados Unidos, o desastre do Golfo do México introduziu um enorme complicador na rota política do presidente Barack Obama, que, na esperança de atenuar resistências à sua proposta de política energética e redução de emissões, se havia disposto até a intensificar a exploração de petróleo em áreas oceânicas. Que fará agora, quando se aproxima no Congresso a hora de votar sua proposta de reduzir as emissões norte-americanas em 17% (calculadas sobre as de 2005) até 2020 e em 83% até 2050?
A Europa ainda acha pouco, porque já se dispôs a reduzir as suas em 20% até 2020 (mas quer chegar a 30% – e para tanto precisaria investir mais 30 bilhões, além dos 48 bilhões a que já se comprometeu; só que a crise financeira está no meio do caminho).
Nesse quadro, cabe perguntar o que fará o Brasil na sua política geral em relação ao petróleo (na qual o governo federal pretende aplicar R$ 675 bilhões até 2019) e, mais especificamente, com os projetos de exploração das jazidas do pré-sal. São duas as questões nesta última área: 1) Que se fará diante do risco de acidentes demonstrado no Golfo do México? 2) Que se pretende fazer em relação a um tipo de petróleo apontado como quatro vezes mais poluente que o de áreas terrestres ou marítimas mais próximas do litoral? Em relação à primeira, anunciou o governo federal que promoverá uma discussão sobre as tecnologias e outras salvaguardas possíveis. Resta aguardar as conclusões – que serão preocupantes se se atentar para o que está evidenciado em todas as partes do mundo.
Em relação ao uso do petróleo em geral, a esperança parece repousar nas tecnologias de sepultamento do carbono no fundo da terra ou do mar. Como já foi comentado neste espaço, em relação a essa tecnologia – que sequestra em dutos o carbono no local das emissões e o conduz para as profundezas -, houve um estudo preliminar do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o órgão científico da Convenção do Clima. Concluiu ele que a tecnologia é viável. Mas exige ainda muitas respostas. No fundo da terra, sobre o que poderá acontecer em termos geológicos, sismológicos, de comprometimento de recursos hídricos. No fundo do mar, porque, segundo especialistas em biodiversidade marinha, os efeitos seriam desastrosos, já que não haveria como conter em espaços determinados o carbono e as águas oceânicas sofreriam os efeitos da carbonização (em termos de temperatura e qualidade da água).
É um dos alertas já colocados. Mais recentemente, a revista Nature lembrou que já foi registrado um aquecimento de 0,16 grau médio na temperatura das águas oceânicas. E a Agência Americana para Oceanos e Atmosfera (Noaa) advertiu que o abril de 2010 foi o mais quente no mundo desde que se registram temperaturas (1880). Quase ao mesmo tempo, 255 cientistas da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos escreveram na revista Science haver “provas consistentes de que as atividades humanas estão mudando o clima de forma que ameaça nossas sociedades”. Na opinião desses cientistas, muitos ataques a conclusões como esta se devem a “interesses específicos ou dogmas, e não a um esforço honesto de oferecer uma teoria alternativa”.
Apesar de todo esse contexto, o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, já adiantou que não espera a homologação em Cancún, em novembro, de um acordo global para reduzir as emissões; na melhor hipótese, apenas um roteiro para que os países caminhem para o acordo em 2011. É essa também a visão de Yvo de Boer, que em julho deixa a secretaria-geral da convenção, substituído pela costa-riquenha Christiana Figueres.
Bem faz a prefeitura de Belo Horizonte, que, em seguida a mais dois ciclones extratropicais em Santa Catarina – com consequências desastrosas -, anunciou a criação de um sistema de radar meteorológico e pluviômetro, capaz de prevenir a tempo da aproximação de “eventos extremos”. Todas as cidades deveriam pensar nisso.
(O Estado de S.Paulo, EcoDebate, 14/06/2010)