Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG) estão desenvolvendo uma tecnologia para rastrear aves, baseada no teste de DNA mitocondrial.
A ideia é que a ferramenta se torne um importante aliado no controle do tráfico de animais. Os testes foram concluídos com sucesso para a primeira linhagem pesquisada, a Amazona aestiva, ou papagaio comum.
O DNA mitocondrial é uma técnica usada para identificar a origem de espécies, evitando que animais retirados da natureza sejam comercializados como se tivessem nascidos em cativeiro. Com a comprovação da maternidade, os criatórios privados poderão passar a emitir com segurança algo semelhante a um pedigree da ave, certificando sua procedência e informando o histórico do exemplar, filiação e características físicas.
Em laboratório, a pesquisa está sendo realizada a partir de amostras de sangue, mas no caso das aves também é possível trabalhar com a penugem.
O sistema atende a uma tendência crescente no mercado internacional de adoção de medidas que comprovem a procedência e a integridade sanitária dos animais comercializados.
Segundo relatório da organização não governamental Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), o comércio ilegal de espécies só perde para o narcotráfico e tráfico de armas, quando o assunto é a movimentação financeira ilegal. Um levantamento feito pela organização Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (Cite, na sigla em inglês) aponta que o mercado clandestino de espécies silvestres ameaçadas de extinção movimenta por ano cerca de US$ 4 milhões.
Os testes convencionais de DNA, como o chamado microssatélite, identificam tanto a maternidade quanto a paternidade dos animais. No entanto, para cada espécie é preciso desenvolver, a partir do sangue do bicho, marcadores próprios.
O marcador é uma região do código genético que mostra uma sequência própria, transmitida de mãe para filho. O pesquisador da UFMG no projeto, Rodrigo Mendes, explica que a sequência genética mostrada pelos marcadores é amplificada no laboratório. A partir daí, é possível identificar a origem materna em cada uma delas, apontando qual fêmea gerou cada filhote.
No caso do teste mitocondrial, os pesquisadores têm conseguido trabalhar com um mesmo marcador para várias espécies. “Isso torna o trabalho mais ágil, fazendo cair também os custos”, diz Mendes. Para dar prosseguimento à pesquisa, a equipe da UFMG depende agora de parcerias com criatórios particulares e também com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), já que são necessárias amostras de sangue de grandes grupos. Mendes ressalta que a identificação científica das espécies ainda é pouco usada no Brasil, podendo favorecer tanto o trabalho dos criatórios quanto a ação da polícia na fiscalização do tráfico de animais.
Ele explica que a mitocôndria é uma organela das células humanas que fica no citoplasma, sendo responsável pela respiração celular. “Ela é a única organela nas células animais (nas plantas também há os cloroplastos) que tem DNA próprio. Todo o restante do nosso DNA fica no núcleo”, diz. Segundo ele, como as mitocôndrias são uma herança materna, o teste é capaz de definir essa linhagem, não apontando a paternidade.
Fiel depositário
Ao realizar o teste de DNA mitocondrial, a universidade se torna um fiel depositário do material genético dos indivíduos, o que permite uma consulta por 20 anos, podendo atingir até quatro décadas. As amostras são congeladas a -70ºC e devidamente identificadas, uma boa opção para as aves de vida longa, como é o caso dos papagaios.
O teste de maternidade também evita manobras do mercado ilegal, como a manipulação de anilhas. Muitas vezes, o mecanismo traz referências falsas acerca da procedência dos bichos. “Com o teste, temos condições de comprovar com segurança quem é a mãe de um indivíduo em questão, o que evita fraudes”, diz Fabrício dos Santos, coordenador do projeto no ICB/UFMG.
Espécies de araras e jandaias são outros exemplos de aves que podem ter o DNA mitocondrial identificado. Segundo Santos, o custo do processo por indivíduo varia de R$ 30 a R$ 50, podendo chegar a 10% do valor de venda do animal.
No mercado formal, um papagaio comum é comercializado entre R$ 1,5 mil e R$ 3 mil, mas chega a atingir cifras bem mais altas dependendo de sua habilidade para a fala.
O projeto da UFMG depende também de financiamento para avançar. Estima-se que o projeto-piloto, que ampliaria o leque de espécies rastreadas, necessite de investimentos de R$ 30 mil, montante pequeno diante dos resultados que podem ser alcançados.
A técnica já foi usada em testes de humanos para definir a ascendência de um indivíduo e também para especificar linhagens ou aspectos determinados, como a origem de determinada penugem de uma ave. “O potencial do estudo é muito interessante, é preciso apenas ter cuidado com o custo cobrado por ave, que deve ser comercialmente viável”, alerta Paulo Machado, fundador do criatório Vale Verde, em Belo Horizonte, que colaborou na pesquisa cedendo material necessário para a realização do projeto-piloto. “Espécies como o trinca-ferro e o papagaio são muito visadas no mercado. Muitos criatórios sérios têm interesse em ter o sistema de rastreamento.”
Por vários dias, a reportagem tentou ouvir o Ibama sobre o tráfico de animais silvestres no Brasil e também sobre o projeto do DNA mitocondrial e seu uso como ferramenta para inibir o comércio ilegal de espécies, mas o órgão não respondeu. Segundo a assessoria de imprensa, o instituto está em greve, e nenhuma fonte foi encontrada para comentar o estudo.
(Por Marinella Castro, Envolverde/Renctas, 14/06/2010)