Gosto pela polêmica não lhe falta. Autor há mais de uma década de projeto de lei que limita o uso de palavras estrangeiras, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) vê mais chances na aprovação da proposta de mudança no Código Florestal, sua produção mais recente. A diferença, diz, é que, no caso das regras sobre o desmatamento de propriedades rurais, há muito interesse econômico e corporativo diretamente envolvido.
A proposta de Rebelo libera a maioria dos proprietários de terras da obrigação de manter a vegetação nativa em parte das propriedades. Nesta entrevista, o deputado conta por que reduziu de 30 para até 7,5 metros a área de proteção às margens dos rios: emocionou-se com a carta enviada por um agricultor.
O seu projeto reduz as áreas de proteção ambiental. O sr. acredita que a agricultura e a pecuária precisam de mais área para produzir no Brasil?
Precisam de proteção para continuar a produzir sem o risco de em São Paulo, por exemplo, precisarmos confiscar 3,7 milhões de hectares, quase 20% da área destinada à agricultura e à pecuária no Estado. Haveria consequências econômicas e sociais indesejadas (redução de emprego, renda e tributos), principalmente nos municípios mais pobres. O nosso desafio é, ao mesmo tempo, ampliar a proteção do meio ambiente, com o desmatamento zero nos próximos cinco anos, prorrogável por mais cinco, e assegurar ao agricultor a possibilidade de continuar produzindo.
A presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (DEM-TO), chegou a falar em desmatamento zero por tempo indeterminado. Essa ideia seria impraticável?
Legislar ad eternun seria imaginar que poderíamos retornar ao Código de Hamurabi ou Lei do Talião. Essa proposta é um grande avanço em relação àquilo que dispõe a lei atual, que não impediu a continuidade do desmate. Estou propondo desmatamento zero por cinco anos e a extensão, até onde os Estados acharem razoável, do zoneamento econômico.
Então fica aberta a brecha para ampliar o desmate na próxima década?
A produção de alimentos tem sido suficiente para o Brasil. O que se discute é que o mundo precisará de mais de 1 bilhão de hectares para a agricultura até 2030. As únicas áreas disponíveis no mundo se encontram no Brasil, na América Latina e na África. Estamos vetando o desmatamento pelos próximos cinco anos e com possibilidade de prorrogar para os próximos dez.
O déficit ambiental nas propriedades rurais é estimado entre 850 mil e 961 mil km2. São áreas de reserva legal e proteção permanente que foram desmatadas. O projeto acaba com a exigência de recuperar esse passivo. No máximo, uma parte será recomposta, dependendo da definição dos Estados. Por quê?
Precisaríamos de pelo menos o dobro do PIB agrícola, porque a recomposição é cara. A recomposição de uma área tem um custo maior que o da própria propriedade. Varia de R$ 10 mil a R$ 15 mil por hectare. Nenhum país julgaria conveniente ou viável recompor áreas que são usadas para a agricultura no nível que a nossa lei prevê. O mais importante para o Brasil é preservar a área de vegetação nativa que continua intacta no País.
O sr. diz que temos de preservar o que restou de vegetação nativa. Um estudo da USP aponta a existência de mais de 1 milhão de quilômetros quadrados de vegetação natural não protegida pelo Código Florestal atual.
É uma área relevante. O mecanismo de preservação é o desmatamento zero, ao lado do zoneamento econômico ecológico. Isso pode ser assegurado pelos programas dos Estados, que estudarão o papel de cada área. Para a recomposição do passivo, nós damos um tempo razoável: 30 anos, obrigatoriamente recompondo 10% a cada 3 anos.
Mas o projeto não vai na contramão desse objetivo quando dispensa propriedades até 4 módulos fiscais da exigência de manter reserva legal?
Não, porque a dispensa das propriedades pequenas de ter reserva legal não autoriza a ampliação da ocupação. Não é essa intenção e, se houver dúvidas, o projeto poderá ser modificado.
O projeto cria um mercado de títulos a partir da possibilidade de conversão de áreas de floresta nativa em cotas de reserva ambiental. Quais os prognósticos para esse mercado?
Esse mecanismo não goza da minha simpatia. Ele figura aí por uma reivindicação geral dos envolvidos: os pequenos produtores querem, os grandes, os médios, setores do mercado também querem. Eles acham que transformariam suas matinhas num ativo a ser negociado por quem tem interesse na preservação. Eu não tenho simpatia porque eu acho que a natureza é um bem coletivo. Quando você entrega parte dela ao mercado, está dizendo: vai ter direito quem puder comprar. Mas o Brasil é capitalista, vivemos submetidos à economia de mercado. Então, isso eu faço como uma concessão.
Alguma outra parte do relatório que tampouco conta com a simpatia do relator foi incluída apenas para obter apoio?
Tem outra parte que só goza da minha simpatia, que é a redução da área da mata ciliar para até 15 metros, podendo descer até 7,5 metros. A CNA pediu a manutenção dos 30 metros. Mas me sensibilizei com a carta que recebi de um agricultor que tem 102 hectares e 6 riachos em sua propriedade. Fiz o cálculo e vi que ele ficaria com mais de 60% da propriedade invalidada.
A CNA defendeu a possibilidade de reduzir as áreas de preservação permanente, sobretudo que os Estados definissem isso, como o sr. acabou propondo.
A posição que me foi apresentada foi em outro sentido. Isso foi muito polêmico entre as pessoas que opinaram. A Embrapa (Empresa Brasileira de Agropecuária) apresentou uma posição mais próxima da que eu estou defendendo, a CNA manifestou uma outra opinião. Acho que a estadualização deve ser feita obedecendo a limites que a lei geral definir.
Os Estados não tendem a ser mais permissivos na hora de definir regras de preservação?
Não creio, porque já há Estado onde a regra estadual foi mais restritiva do que a lei nacional. O Piauí, por exemplo, fez passar de 20% para 30% a proteção da Mata Atlântica. Em Minas Gerais, há a proteção das veredas, que a lei nacional não enquadrava. Então, acho que incluir Estados e municípios na estrutura vai melhorar a proteção do meio ambiental. O problema é que poucos têm órgãos ambientais eficientes.
O relatório do sr. exibe uma visão de mundo bastante particular. O sr. critica os estudos que atribuem à ação do homem o aquecimento global e sugere que as pressões por mais proteção do meio ambiente fazem parte de uma conspiração internacional contra a agricultura brasileira. Em que se baseou?
Uma coisa é o aquecimento global; outra é a guerra comercial. Não há relação direta. A guerra comercial é um fenômeno socioeconômico muito antigo. Augusto protegeu o trigo de Roma. A produção de alimentos não tem apenas uma importância econômica, é uma questão de poder. Eu acho que há um protecionismo ambiental dos países ricos, e o Brasil precisa estar atento e se proteger desse protecionismo.
Mas o sr. coloca a bandeira ambiental como parte do protecionismo?
A bandeira ambiental tem a legitimidade da luta contra a devastação ambiental, que é uma realidade. Mas também se presta à defesa de posições comerciais. Quantas guerras foram feitas em nome da paz? Então é preciso dimensionar a bandeira do meio ambiente como fator da luta comercial. A transformação da natureza é sempre uma troca de perdas e ganhos.
O sr. foi escolhido por não ser ambientalista nem ruralista. Criticado, hoje, pelos ambientalistas, o sr. se identifica com os ruralistas?
Me sinto próximo dos dois grupos. Nasci na roça. Tenho uma grande identidade com a defesa do meio ambiente, mas também tenho uma grande identidade com o sacrifício e a dedicação do homem do campo, Não aceito que os agricultores sejam acusados de inimigos do meio ambiente.
Quem grita mais alto, ambientalista ou ruralista?
É uma disputa difícil de mediar. Todos defendem interesses legítimos e todos defendem interesses corporativos. Porque o ambientalismo não deixa de ser hoje, em algum aspecto, um negócio, um meio de vida, uma profissão, em alguns casos até bem-sucedida.
O sr. ficou famoso por apresentar outro projeto polêmico, que proíbe o uso de palavras estrangeiras. Qual será mais difícil de ser aprovado? Aquele projeto foi mais preservacionista. Ele já está há tanto tempo sem ser aprovado... O primeiro tem muita simpatia, mas pouco engajamento. No caso do Código Florestal há interesses econômicos e corporativos e mobiliza as ONGs.
(Por Marta Salomon, O Estado de S.Paulo, 12/06/2010)