O cadastro de terras compradas por estrangeiros no Brasil aponta as maiores extensões nas mãos de portugueses, japoneses e italianos. Pelo menos 1,1 milhão de hectares estão em poder de pessoas físicas e empresas dessas três nacionalidades. O documento oferece um perfil dos interessados em nossas terras, mas seus números são imprecisos.
A empresa que aparece como maior proprietária, a Veracel Celulose, na Bahia, com 204 mil hectares, afirma ser uma empresa brasileira, embora 50% do seu capital seja da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, uma das maiores empresas de produção de papel do mundo. Em segundo lugar, aparece a concorrente International Paper do Brasil, uma empresa americana com sede no Tennessee e atuação em 20 países.
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Os registros do Sistema Nacional de Cadastro Rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estão desatualizados em alguns anos. No final do ano passado, o Incra abriu um recadastramento pela sua página na internet. Muitos dos imóveis ainda têm os dados do registro inicial, quando foram adquiridos. De uma forma geral, os proprietários só se preocupam com a atualização no momento da venda do imóvel. Outro problema é que o cadastramento é voluntário e autodeclaratório. A maior parte dos que declaram é pessoa física.
Reportagem publicada no Correio na última quarta-feira mostrou que existem 4,3 milhões de hectares de terras brasileiras nas mãos de estrangeiros. Estão distribuídas em 3,6 mil municípios, mas concentram-se nos estados do Centro-Oeste e Sudeste, onde existem as terras mais férteis e apropriadas à produção de grãos. Destaca-se Mato Grosso, com 844 mil hectares ocupados. A competição com os países mais desenvolvidos já elevou o preço das propriedades em cerca de 300% em algumas regiões nos últimos quatro anos. E isso é apenas uma amostragem porque os técnicos do Incra avaliam que a quantidade de terra nas mãos dos gringos deve ser cinco vezes maior.
Eucaliptos
A legislação brasileira dificulta a identificação do capital estrangeiro. Uma multinacional pode criar uma empresa no Brasil com apenas 1% de capital nacional. Ainda assim, será brasileira. Ela poderá registrar as suas terras em cartório como empresa nacional e ficar fora do cadastro do Incra. A Veracel adquiriu as primeiras terras para plantar eucaliptos no Sul da Bahia em 1991, ainda com o nome de Veracruz Florestal, uma subsidiária da empreiteira Odebrecht.
O grupo noruegês Loretzen e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se associaram ao empreendimento. O nome mudou para Aracruz. Em seguida, foi formada a sociedade com a Stora Enso. A primeira colheita ocorreu em 2001. Quatro anos depois, construíram a primeira fábrica, em Eunápolis (BA), com financiamento do BNDES.
Hoje, a produção alcança 1 milhão de toneladas/ano. A Aracruz sofreu alterações societárias e hoje se chama Fibria. Questionada por que o seu nome aparece como empresa estrangeira no cadastro do Incra, a direção da empresa respondeu: “Independentemente da origem dos acionistas, a Veracel é uma empresa brasileira e todas as suas terras foram adquiridas e registradas em seu nome”. A concentração de terras em alguns municípios impressiona. Só em Santa Cruz de Cabrália são 56 mil hectares. Em Eunápolis, são mais 48 mil. A multinacional dispõe de mais da metade de todas as terras estrangeiras registradas na Bahia.
A Internacional Paper tem 72 mil hectares de plantações de eucaliptos em São Paulo e Mato Grosso do Sul. A sua maior propriedade no Brasil fica em Glória de Dourados (MS), com 16,8 mil hectares. Em Ponta Porã (MS), há mais 10 mil hectares. Em São Paulo, destacam-se as fazendas em Brotas, com 10 mil hectares, e Mogi-Guaçu, com 9,6 mil hectares. Suas três fábricas, em Mogi-Guaçu (SP), Luiz Antônio (SP) e Três Lagoas (MS), produzem 1 milhão de toneladas de papel por ano. A empresa tem operações comerciais nas três Américas, Europa, Rússia, Ásia e norte da África.
O município que tem a maior concentração de terras estrangeiras registradas é Porto Alegre do Norte (MT). Lá, três famílias italianas e uma empresa agropecuária, a Frenova, ocupam 79 mil hectares. No Oeste baiano, a produção de soja e algodão está dividida entre fazendas de holandeses, em Correntina, e de japoneses, em Barreiras, Riachão das Neves, Formosa e São Desidério.
(Por Lúcio Vaz, Correio Braziliense, 13/06/2010)