Vani Antonio Pereira da Luz é produtor de fumo na zona rural de Prudentópolis, na região Centro-Sul do Paraná. Ele aprendeu a lidar com agricultura ainda na infância com os pais. Mas, se depender dele, os filhos, de 7 e 14 anos terão outro destino. “Não quero que eles mexam com fumo. Quero que eles estudem e trabalhem na cidade”, afirma. Assim como Vani, boa parte dos produtores de tabaco da região está afastando os filhos da lavoura.
Depois de denúncias de trabalho infantil no fumo, feitas em 2008 pela Gazeta do Povo e pela RPCTV, foi criado o Fórum Permanente da Cultura do Tabaco no Paraná, que promove reuniões com fumicultores no interior do estado. A indústria fumageira também está reforçando as orientações junto aos produtores. O trabalho de menores de 16 anos é proibido no Brasil, e neste sábado se comemora o Dia Mundial de Erradicação do Trabalho Infantil.
Em 2000, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mediu o trabalho infantil no Paraná e comprovou que 4 mil crianças entre 10 e 17 anos trabalhavam nas plantações de tabaco no estado. Hoje o número é desconhecido. Conforme a procuradora do Ministério Público do Trabalho Margaret Matos de Carvalho, o trabalho infantil ainda existe no início da safra, em outubro, e na colheita, em fevereiro. Agora, a maioria dos produtores da região Centro-Sul está terminando a classificação das folhas de tabaco e repassando-as à indústria.
Campanha
Hora do cartão vermelho
Para marcar o Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, neste sábado, o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, o governo federal e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançaram nesta semana a campanha “Cartão Vermelho ao Trabalho Infantil”, estrelada pelo jogador Robinho.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2008, revelou que 92,5 milhões de pessoas com mais de 5 anos estavam de certa forma envolvidas no trabalho infantil. Dessas, 4,5 milhões tinham entre 5 e 17 anos. Mas, apesar dos números, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome acredita que houve um avanço nos últimos anos e que mais de 3 milhões de crianças já deixaram o trabalho precoce.
Para a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, a redução tem sido muito lenta. “A infância é um período muito curto e então quando estamos falando no trabalho infantil, que é uma violação dos direitos da criança e do adolescente, é preciso um tempo muito grande de recuperação. O trabalho infantil acaba comprometendo o presente e o futuro da criança”, considera.
O Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (Peti) atende atualmente 820,2 mil crianças e adolescentes no Brasil, sendo 31,9 mil no Paraná. O benefício foi inserido no programa Bolsa Família e o valor transferido varia de R$ 22 a R$ 200 por família. (MGS)
Para Margaret, muito mais que a conscientização dos pais, um fator preponderante para a redução efetiva da mão de obra infantil no fumo é a mudança no sistema de integração das fumageiras. “Elas exigem qualidade e quantidade”, aponta a procuradora. Como a produção da matéria prima para a indústria tabagista é basicamente familiar, os produtores acabam reunindo a família inteira para todas as etapas da safra, que ocorre uma vez por ano. Uma alternativa, segundo a procuradora, é diversificar a produção para evitar a mão de obra familiar.
Luiz Ferreira dos Santos, que produz fumo há 19 anos em seu sítio na zona rural de Guamiranga, também na região Centro-Sul, afirma que somente o filho de 27 anos trabalha com ele na produção, já que as duas filhas de 25 e 18 anos trabalham na cidade e a caçula, de 8 anos, só estuda. “Eu me criei trabalhando na lavoura, agora as crianças de hoje não querem”, afirma. Para a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, normalmente os pais que permitem que os filhos menores trabalhem têm baixa escolaridade e repetem a infância vivida. “O sistema de proteção não é dado geneticamente, é construído. Se os adultos não têm esses valores, não vão proteger seus filhos”, comenta.
Acordo
Um termo de compromisso firmado entre o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul e o Sinditabaco promoveu o início da distribuição de uma cartilha aos fumicultores dos estados do Sul, no começo de 2009. A publicação, que é repassada a 186 mil produtores de fumo, traz ilustrações informativas sobre a proibição do uso de mão de obra infantil no campo e a necessidade de as crianças estudarem.
O vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Heitor Álvaro Petry, diz que, junto com a cartilha, está havendo uma intensificação na orientação aos produtores para que eles não coloquem crianças e adolescentes para trabalhar nas lavouras. “No entanto, a Constituição diz que um direito da criança e do adolescente é a profissionalização. Então, nós pedimos bom-senso aos nossos produtores para que não coloquem seus filhos pequenos para trabalhar, mas também não vedem as chances de aprendizado. Muitos vão trabalhar na cidade, mas outros preferem ficar no campo e eles precisam conhecer o trabalho dos pais”, argumenta.
(Por Maria Gizele da Silva, Gazeta do Povo, 12/06/2010)