A chegada de um consórcio petroleiro liderado por uma empresa sueca no sul do Sudão, em 1997, desatou uma guerra civil e crimes contra a humanidade, denunciou uma aliança de agências humanitárias europeias. A Coalizão Europeia sobre o Petróleo no Sudão (Ecos) cobrou dos governos da Áustria, Malásia e Suécia uma investigação sobre a possível cumplicidade do consórcio em crimes de guerra e contra a humanidade.
Em 1997, a companhia sueca Lundin Oil formou um consórcio com a Petronas Carigali Overseas, da Malásia, a OMV Exploration, da Áustria, e a estatal sudanesa Sudapet, e assinou um contrato com Cartum para realizar uma perfuração no Bloco 5A, no Estado Al Wahda. A área na época estava plenamente sob controle do governo sudanês, que lançou uma campanha para expulsar outros grupos armados. Isto desatou uma onda de violência, segundo o novo informe da Ecos, chamado “A Dívida não Paga”, que cobre o período entre 1997 e 2003.
O trabalho denuncia crimes de guerra e contra a humanidade na campanha para preparar o terreno para as companhias. “A exploração de petróleo teve um papel crucial nas atrocidades”, disse à IPS o coordenador da Ecos, Egbert Wesselink. Seu informe estima que 12 mil pessoas foram assassinadas ou morreram de fome ou por doenças relacionadas com a guerra. Muitas foram vítimas de violações ou torturas, foram perdidas meio milhão de cabeças de gado e cerca de 200 mil moradores foram retirados à força.
As empresas deviam saber dos abusos, mas continuaram trabalhando com o governo e seu Exército”, disse Wesselink, que agora cobra dos respectivos governos que investiguem se as empresas foram cúmplices dos crimes. “Especificamente, levamos este caso aos governos sueco e austríaco, já que reconheceram seus compromissos com o Completo Acordo de Paz do Sudão”, acrescentou. Esse tratado, de 2005, estabelece compensações para a população pela exploração petroleira. “A promessa continua sem cumprimento, até agora”, ressaltou.
“Primeiro foram os bombardeios aéreos, que duraram vários dias”, recordou o reverendo James Koung Ninrew, secretário-geral de um conselho regional pela paz. Os moradores de sua localidade, Koch, em Al Wahda, morreram ou fugiram. “Depois, forças terrestres chegaram para supervisionar, matando a população restante e incendiando as aldeias. No final, declararam a área segura, e, então, chegaram as companhias de petróleo”, acrescentou.
O consórcio não esteve diretamente envolvido nas atrocidades, disse Ninrew à IPS. “Mas foi ele que exigiu segurança para suas operações”, acrescentou. “E mais: sem os contratos, o governo não teria dinheiro para comprar armas e munições. Logo que as tropas assumiram a área, passaram para a seguinte, de forma sistemática, e as empresas as seguiram, até que todo o Bloco 5A ficou sob controle. As empresas puderam ver como as aldeias queimavam”, disse Ninrew.
Durante todo o conflito no Bloco 5A, o consórcio trabalhou junto como os que cometiam crimes internacionais, afirma o documento. A infraestrutura criada pelas empresas facilitou a realização dos crimes. Por exemplo, uma importante ponte e uma estrada permitiram que grupos armados tivessem acesso a comunidades antes isoladas nesta ampla, plana e pantanosa área do lado ocidental do Nilo Branco.
Não havia porta-vozes da Lundin Oil disponíveis para a IPS. Porém, em carta aberta dirigida aos acionistas, Ian Lundin, presidente da junta, diz que a Ecos reiterava “interferências, insinuações e falsas acusações baseadas em informação viciada e enganosa que foi refutada” há anos. “A Lundin contribuiu para a paz e a estabilidade na região”, acrescenta a carta. A chancelaria sueca se negou a responder ao informe. “Não fazemos comentários sobre companhias individuais e não as investigamos”, disse à IPS a porta-voz do Ministério, Irena Busic. “A promotoria fará isso”, acrescentou.
Wesselink afirmou que Estocolmo se esconde atrás da possibilidade de um processo judicial. “Perdem o foco. Há boas razões para um castigo penal, mas esse não é nosso objetivo. Isso não é o que espera o povo do sul do Sudão. Queremos que os governos garantam apropriadas compensações para todas as pessoas cujos direitos foram violados, e as empresas devem pagar sua parte”, afirmou. A Ecos estima uma compensação no valor de US$ 300 milhões.
“A população local está muito descontente. Querem que a companhia reconheça seus erros. Também querem meios de compensação para os que sofreram os danos”, disse Ninrew. Por sua vez, Wesselink afirmou que a “Lundin acredita que a tempestade passou. Nós acreditamos que não”.
(Por Frank Mulder, IPS, Envolverde, 10/6/2010)