O governo do Estado sofreu nesta quarta-feira, 9, o segundo revés em sua pretensão de obter licença da Assembléia Legislativa para alienar uma área pública, como forma de viabilizar a descentralização dos serviços de atendimento a menores infratores na capital.
Há seis meses o Executivo tenta para aprovar o projeto de lei 388 que o autoriza a vender ou permutar os 73,5 hectares, que pertencem à Fundação de Atendimento-Sócio Educativo. No terreno está o Morro Santa Teresa, uma referência na paisagem de Porto Alegre, defronte à orla do Guaíba.
No primeiro momento, a aprovação parecia tranqüila. O secretário de Justiça e Desenvolvimento Social, Fernando Schüller, responsável pelo projeto, apresentou-o como “estratégico” e encontrou receptividade nas bancadas alinhadas ao governo, cujos votos são mais do que suficientes.
O texto chegou a obter parecer favorável do relator na Comissão de Constituição e Justiça e estava a caminho do plenário para votação.
Mas as críticas, inicialmente tímidas, se avolumaram obrigando o executivo a retirar e retificar o projeto. Retornou à Assembléia no dia 5 de maio com pedido de urgência, ou seja, com 30 dias para ir à votação em plenário.
“As mudanças foram decididas em reuniões com todas as partes interessadas e as dúvidas sobre o projeto foram esclarecidas, vamos aprová-lo”, dizia o deputado Adilson Troca, líder do PSDB antes da votação desta quarta-feira.
“As alterações são insuficientes, o projeto continua inexplicável. Não há como evitar a suspeita de alguma coisa por trás desse negócio”, insistia o vice-líder petista, Raul Pont.
Orientação do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo, a proposta de descentralização do serviços da Fase não encontra resistência nem nas áreas mais radicais da oposição.
Critica-se a falta de informações, principalmente em relação ao terreno a ser alienado. “Não há sequer uma avaliação da área. Como é que vai se fazer uma licitação sem ter um preço mínimo?”, indaga Pont.
A avaliação existente (que não consta do projeto) foi feita pela Telear, uma empresa privada, que estimou em R$ 76 milhões o valor do terreno.
Raul Pont questiona essa avaliação: “Naquela mesma região, o antigo estádio do Inter, que tem pouco mais de 2 hectares, está avaliado em R$ 23 milhões. O terreno da Corlac, uma área pública, foi alienado por R$ 13 milhões e tem menos de um hectare. Por que o hectare nesse terreno da Fase, numa área mais nobre, vale tão menos?”
Mesmo considerando metade do terreno comprometida por áreas de preservação ambiental e invasões de moradores, o deputado petista considera o valor aviltado.
O governo alega que sua intenção com o 388 é aprovar apenas o princípio – a permissão para que o executivo disponha do terreno para financiar as nove unidades da descentralização.
Os detalhes da transação, dizem os representantes do governo, estarão no edital da licitação, que será um processo público.
Ocorre que o debate iniciou com o foco na falta de informações sobre a situação do terreno e sobre o que se pretende fazer com ele. Mas aos poucos deslocou-se para a própria questão do princípio.
Na hora da votação, o questionamento mais forte era esse: entregar ao mercado imobiliário uma área pública valiosa, num ponto privilegiado da cidade, é o melhor caminho para viabilizar o projeto?
Os oposicionistas, com base em informações do próprio governo, questionaram a alegada falta de dinheiro e apontaram várias alternativas para financiar a descentralização.
No final, até o deputado Nelson Marchezan Jr., do partido da governadora, rebateu o argumento da falta de dinheiro para financiar as nove unidades descentralizadas, estimadas em R$ 70 milhões. “É evidente que não falta dinheiro para uma obra dessas”, disse Marchezan depois de citar inúmeras alternativas para obtenção dos recursos.
Outro ponto, inicialmente obscuro, mas que ganhou relevância decisiva com o andamento do debate foi o problema social assentado naquela área.
As invasões ocupam quase 20% do terreno e o número de moradores irregulares ninguém sabe ao certo. As estimativas vão de 1.500 a 5 mil famílias.
No dia da votação, cerca de 200 desses moradores postaram-se desde cedo na entrada do Palácio Farroupilha, num protesto organizado por sindicatos e movimentos sociais, com carro de som, bateria improvisada, palavras de ordem e musicas de protesto. “Eu só quero ser feliz/andar nas ruas da favela em que nasci”.
Na hora da votação, representantes das quatro vilas incrustradas no terreno lotaram as galerias do plenário e sua pressão certamente tem a ver com o resultado.
Muitos deputados governistas faltaram à sessão alegando compromissos anteriormente assumidos, já que a votação era prevista para o dia anterior. É provável que estivessem também fugindo da vaia popular, que certamente receberiam os que votassem a favor do projeto.
Os arranjos pré-eleitorais também influíram na debandada. O comportamento da bancada do PP, que tem nove deputados, foi o maior sinal disso. O partido negocia a indicação do vice para a chapa de Yeda Crusius. Apenas três de seus representantes ficaram no plenário. Indício de que não chegaram a um acordo sobre o nome.
Resultado: quando a oposição decidiu se retirar, faltaram dois votos para o quorum mínimo para a votação, que é de 28 deputados.
O projeto de lei 388 está na pauta para a próxima sessão, na quarta-feira, 16. Isso se o governo não desistir da urgência para evitar desgaste maior ou até mesmo uma derrota, que não está descartada.
(Jornal JÁ, 11/06/2010)