A realidade e os rumos do meio rural brasileiro estiveram no centro das atividades do 3° Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado entre 17 e 21 de abril em Montes Claros (MG). "Os biomas estão sendo prejudicados, os territórios estão sendo tomados e a diversidade do camponês está sendo ameaçada pelas grandes monoculturas, pelos agrotóxicos", sintetiza Izolete Wichinieski, da coordenação nacional da CPT.
Em entrevista ao programa Vozes da Liberdade, da Repórter Brasil, ela ressaltou que a entidade ligada à Igreja Católica "trabalha a partir da realidade e ouvindo os clamores dos trabalhadores, e esses temas estão muito latentes dentro da discussão que a gente vem fazendo devido à questão do avanço do agronegócio e do capital no campo".
A carta final do Congresso, convocado sob o tema "Biomas, Territórios e Diversidade Camponesa", define o atual modelo de "desenvolvimento" aplicado no campo brasileiro como "predador do ambiente e escravizador da vida de pessoas e comunidades (...) assentado em monocultivos para exportação, amparado por mega-projetos impostos a toque de caixa".
Ainda na carta, sobram críticas a empreendimentos econômicos que "em nome de um equivocado crescimento, assassinam lideranças, expulsam povos tradicionais de seus territórios e degradam o meio ambiente com suas hidrelétricas, mineradoras, ferrovias, transposição de águas, irrigação intensiva, monocultivos, desmatamentos".
A construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no Pará, e a transposição do Rio São Francisco, que perpassa estados na Região Nordeste, foram particularmente condenadas pelos integrantes da CPT. Outro exemplo de desrespeito aos povos do campo lembrado ao longo do encontro foi a lentidão na homologação dos territórios quilombolas.
Além da necessidade de mudar a relação predatória com a terra e as comunidades que nela vivem e dela dependem, foi defendida também a preservação da diversidade camponesa. Um dia de atividades foi reservado apenas para que os representantes de cada bioma brasileiro apresentassem os problemas que enfrentam cotidianamente e de que maneira tentam conviver em harmonia com o meio ambiente.
Para demonstrar essa diversidade cultural dos povos do campo, foram promovidas tendas temáticas de diversos biomas brasileiros: Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa, Cerrado e Pantanal. Em cada uma das quatro tendas, foram abordadas questões como o avanço das monoculturas de soja, eucalipto e mais recentemente da cana-de-açúcar.
Foram expostas também alternativas capitaneadas por camponeses na Amazônia. No Acre, a Associação dos Pequenos Agrossilvicultores do Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), trabalha com plantas locais e investe na comercialização. São cerca de 300 famílias associadas que trabalham em 1,5 mil hectares, na produção de polpa de frutas, extração de óleos e manteiga, e no cultivo e extração de palmito.
A luta pelo fortalecimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e pela reorganização dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) marca o esforço nas áreas de Caatinga. Além das lutas pela agricultura familiar e de pequeno porte - como as do Assentamento Serra Branca/Serra Vermelha (Maranhão) e da comunidade do Cariri (Ceará), baseada em quintais produtivos.
No Cerrado, a ameaça vem das monoculturas e da construção de barragens no berço das três principais bacias hidrográficas do Brasil. O Congresso da CPT defendeu inclusive a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que reconhece o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais.
Bioma com devastação mais intensa e explorada desde os tempos da Colônia, a Mata Atlântica assiste a iniciativas que buscam conscientizar a população sobre a necessidade de preservação do que ainda resta. Ideias como a Escolinha de Agroecologia, em Nova Iguaçu (RJ), se destacaram. Já no caso do Pampa, sobressaiu a resistência dos camponenes contra as pressões da monocultura do eucalipto e dos alimentos transgênicos.
Em meio a essa miríade de discussões, a centralidade da reforma agrária foi mais uma vez reforçada pelos membros da CPT durante o Congresso. "A luta pela terra não é somente para assentar famílias, mas é também pela questão do território, do combate ao latifúndio, ao agronegócio", conta Izolete. "É nesse contexto que o congresso afirma que deve ser feita uma ampla reforma agrária respeitando os biomas e reforçando a questão dos territórios".
De acordo com a representante da entidade, outra questão que a CPT deve trabalhar com mais força em 2010 é a Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra. Um plebiscito sobre o tema será promovido entre 1° a 7 de setembro, junto com as mobilizaçõesanuais do Grito dos Excluídos. "Há toda uma mobilização neste ano para que a gente possa realmente colocar essa proposta no Parlamento e tentar, através das ações de mobilização e de pressão, que essa lei seja aprovada," completa.
O Congresso da CPT é realizado a cada quatro anos e seu objetivo principal é ouvir os trabalhadores para definir as diretrizes da organização.
(Por Rodrigo Rocha, colaborou Bianca Pyl, Repórter Brasil, 08/06/2010)