Pela primeira vez um tribunal condena os responsáveis pelo desastre industrial mais grave da história: o vazamento de gás na cidade indiana de Bhopal, em dezembro de 1984, que deixou milhares de mortos e afetados. Vinte e cinco anos depois da tragédia, uma sentença ditada na última segunda-feira impõe uma multa de 500 mil rupias (cerca de 8.870 euros) à companhia de produtos químicos americana Union Carbide. Também condena por negligência oito de seus funcionários na época – todos indianos que hoje beiram os 70 anos, um deles já morto – a dois anos de prisão e a pagar 100 mil rupias (1.774 euros). No entanto, imediatamente lhes foi concedida liberdade sob fiança.
Na Índia a condenação foi recebida com indignação, raiva e tristeza: “Tão tarde e sem fazer justiça: é uma traição do governo à população indiana”, lamentou a representante das vítimas, Rachna Dhingra. “A indenização imposta à empresa é vergonhosa, levando em conta o dano causado. Como se não bastasse, abre um precedente terrível”, afirma a ativista. “Esta é uma mensagem para as grandes corporações de que podem matar milhares de pessoas, deixar afetadas por toda a vida outras milhares e contaminar a água de uma cidade inteira, que não terão qualquer responsabilidade”, declarou a “El País” por telefone. Reportagem de Ana Gabriela Rojas, El País.
Os diretores estrangeiros da Union Carbide, comandados por Warren Anderson, o diretor da época – que fugiu da Índia e foi declarado fugitivo -, não são mencionados no veredicto, já que existe um julgamento separado para eles. Os sentenciados presentes no tribunal não quiseram se pronunciar para a mídia. A maioria deles continua trabalhando no setor. O condenado de mais alto perfil, Keshub Mahindra, é presidente da Mahindra & Mahindra, a marca líder de veículos de transporte da Índia. Mahindra era o presidente da filial da Union Carbide na Índia no momento do acidente.
Na madrugada de 3 de dezembro de 1984 em Bhopal, uma cidade no centro da Índia, 42 toneladas de um dos produtos químicos mais tóxicos já inventados, o isocianato de metilo (MIC) escaparam em forma de gás da fábrica de pesticida.
Em consequência do desastre, morreram ao longo dos anos cerca de 15 mil pessoas, segundo as cifras oficiais. Os ativistas afirmam que podem ser 25 mil mortos e cerca de 100 mil pessoas com sequelas permanentes como câncer, doenças do estômago, fígado, rins, pulmões, transtornos hormonais e mentais.
Assim como a vida das pessoas afetadas em Bhopal no último quarto de século, o processo judicial foi um calvário: mais de uma dezena de juízes analisou o caso e até segunda-feira não havia nenhum sentenciado. Em princípio foram acusados de “homicídio culposo, sem chegar a assassinato”, com o que poderiam ser punidos com até dez anos de prisão. Mas em 1996 a Suprema Corte reduziu a acusação a “morte por negligência”, cuja pena máxima é de quatro anos de prisão.
As razões pelas quais o processo judicial foi sendo acelerado e atrasado, para os ativistas e vítimas, são claras: “Os governos nacional e estadual falharam: foram corrompidos pela empresa e além disso seu único interesse, antes das pessoas afetadas, é que o investimento estrangeiro não seja afetado”, diz Dhingra. A reclamação de responsabilidades tornou-se mais difícil em 2001, quando a Union Carbide foi comprada pela Dow Chemicals, também americana, que se nega redondamente a assumir qualquer responsabilidade.
A Dow Chemicals alega que nunca foi proprietária nem operou a fábrica e a comprou mais de 16 anos depois da tragédia. A empresa tem novos interesses no subcontinente, onde produz e vende seu inseticida Dursban, que devido a sua toxicidade é proibido para uso comercial nos EUA.
A indenização para as vítimas do vazamento de gás se limita até o momento ao acordo extrajudicial que a Union Carbide alcançou com o governo em 1989: US$ 470 milhões, uma pequena parte dos US$ 3 bilhões originalmente exigidos. Cada uma das vítimas recebeu, teoricamente, vários pagamentos no total de 50 mil rupias (cerca de 887 euros de hoje). Muitas vítimas, porém, afirmaram a este jornal que não receberam sequer essa quantia.
(El País, UOL Notícias, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, EcoDebate, 08/06/2010)