O Ministério Público Federal do Pará (MPF/PA) lançou, na semana passada, a campanha Carne Legal, que tem por objetivo incentivar o consumo consciente de produtos bovinos para conter o desmatamento causado pela pecuária.
A campanha é um alerta para a relação entre o setor e a devastação da Amazônia, e um aviso sobre a necessidade de os consumidores cobrarem informações a respeito da origem da carne que compram nos supermercados. A campanha começa um ano depois do início de um trabalho do Ministério Público Federal contra a ilegalidade na cadeia da pecuária da região amazônica.
Para a divulgação, foram produzidos materiais gráficos, vídeos e spots para rádio, que relacionam a produção de gado a problemas como desmatamento, trabalho escravo e lavagem de dinheiro. O procurador do MPF/PA, Daniel Avelino, concedeu entrevista ao site Amazonia.org.br, em que comenta suas expectativas com relação à campanha e as resistências que alguns frigoríficos da Amazônia ainda têm em assumir a responsabilidade ambiental de sua atividade.
Eis a entrevista.
De onde partiu a ideia da campanha?
A campanha é resultado de um trabalho que se iniciou há um ano, quando a gente fez a análise de toda a cadeia produtiva da pecuária, e verificou a existência de alto índice de desmatamento nessa atividade produtiva brasileira. A ideia da campanha agora é sensibilizar o público consumidor no País inteiro, para que ele comece a exigir dos supermercados, do seu fornecedor de produtos, a identificação correta do produto de origem animal, justamente para tentar evitar o desmatamento. Hoje, a produção de gado é a maior responsável pelo desmatamento da floresta amazônica.
Em sua opinião, qual a importância do consumo para o combate ao desmatamento?
Se a sociedade tiver um consumo consciente, ela tem condição de zerar o desmatamento da Amazônia em um curto período de tempo. Ela tem mais poder do que qualquer autoridade pública hoje constituída com poderes de fiscalização em relação à floresta amazônica.
Antes dessa campanha voltada aos consumidores, foi feito um trabalho de conscientização dos frigoríficos. A partir disso, os compradores de carne já encontram o produto ambientalmente responsável em quantidade suficiente, no mercado?
Em todo o País ainda não. Os frigoríficos no Pará estão em processo de regularização bem avançado. Os frigoríficos de outros Estados da Amazônia estão hoje em uma etapa de negociação. O processo de negociação mais avançado acontece no Estado do Mato Grosso, mas apenas uma empresa até agora assinou esse acordo, no sentido de regularizar sua cadeia. As demais não assinaram ainda, não chegaram a um termo comum. E, no restante dos Estados amazônicos, ainda não houve uma adesão. O Ministério Público de cada Estado já está investigando. E a ideia é que, depois que passar essa fase da região amazônica, onde o desmatamento é alto, isso se estenda a todo o País.
Como o material de divulgação da campanha chegará ao consumidor?
Esses materiais já estão disponíveis. A campanha é nacional, e todas as Procuradorias da República do Brasil têm o material de divulgação para fazer contato com associações de defesa ao consumidor, entidades da sociedade civil e instituições ligadas à proteção do meio ambiente. Também tem um site da campanha que tem todas as informações. E esses materiais de divulgação também vão ser introduzidos na televisão e no rádio. No material que será divulgado, a gente tem a lista dos frigoríficos que assinaram o termo e já estão no processo de regularização.
Quais resistências o MPF ainda encontra no processo de negociação com os frigoríficos?
As resistências são a falta de informação da classe produtiva e a recusa a assumir os custos que uma legalização exige. Toda atividade legal tem um custo maior do que se você deixa essa atividade sem qualquer controle do Estado. Então, ainda há uma resistência forte de parcelas do setor, mas a maioria hoje já está se conscientizando da necessidade de regularizar a produção.
Qual o tempo de duração previsto para a campanha?
A campanha é bem ampla, e a ideia é que ela ainda dure bastante tempo. Na verdade, desde o trabalho que se iniciou no ano passado, a gente conseguiu chegar ao menor desmatamento da história na Amazônia. Nunca o desmatamento caiu tanto, como a partir do trabalho que o Ministério Público Federal começou em junho do ano passado. Então, a gente espera manter esse ritmo de queda e, quem sabe, chegar ao desmatamento zero num período de tempo bem curto.
O MPF pretende atuar da mesma maneira com relação a outros setores produtivos ligados ao desmatamento?
Sim. A ideia é, depois, num espaço de tempo maior, fazer a análise de outros setores produtivos, como soja e madeira. Tudo isso precisa ser bem analisado e exercido de acordo com a legislação.
No seu modo de ver, programas de regularização fundiária da Amazônia, como o MT Legal, têm facilitado a contenção do desmatamento em fazendas de criação de gado da região?
Esses são programas que apresentam várias falhas. O Terra Legal [programa para regularização fundiária da Amazônia, do governo federal] está sendo acompanhado pelo Ministério Público, mas está bem no começo. Então, a gente não pode afirmar que teve essa contribuição. É preciso que se tenha cuidado na implementação do programa para que não haja aumento do desmatamento, já que alguns riscos existem.
O MT Legal [programa de regularização fundiária do Estado do Mato Grosso] também tem pouca adesão. Então, a partir desse trabalho, é preciso ter pressão do setor para que haja adesão de todos. Esses programas existem no Brasil há vários anos, sempre com o nome diferente e novos prazos. Mas, eles nunca são efetivamente implementados.
(Por Fabíola Munhoz, Amazonia.org.br, IHU-Unisinos, 07-06-2010)