“Nós temos que debater se os projetos de grandes usinas ainda cabem ou se têm que ser reformulados. É lógico que é preciso investir em pequenas centrais hidrelétricas. Agora, as pessoas que falam que a saída é a energia eólica só, a energia solar só, pequenas centrais hidrelétricas só, ou não conhecem o Brasil, ou não conhecem o setor energético ou não sabem do que estão falando (...) não adianta achar que vamos colocar ventoinha no Brasil inteiro para gerar energia”. A opinião é de Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em entrevista a Vânia Viana e publicada pelo portal da CUT, 06-06-2010.
Eis a entrevista.
Como viabilizar a sustentabilidade em um país que a cada dia mais busca se desenvolver e romper com as desigualdades sociais e regionais?
Nós temos uma visão de que é plenamente possível crescimento e desenvolvimento, distribuindo renda, garantindo inclusão social e tendo como principal tripé desse modelo de desenvolvimento a sustentabilidade econômica, social e ambiental. Nós não somos daqueles que consideram impossível crescer sem destruir os recursos naturais. Mas também não achamos que o crescimento tem que ser realizado a qualquer custo, destruindo o meio ambiente, agravando a já preocupante situação climática na terra como fazem alguns países e alguns governos que não colocam como prioridade esse necessário equilíbrio entre crescimento econômico e desenvolvimento sustentável, e para nós esse tema tem que ter as três pernas com a mesma prioridade.
É possível que os três aspectos recebam a mesma prioridade?
Claro, o Brasil não pode só crescer 8 ou 9 por cento do PIB e não olhar se este crescimento está garantindo inclusão social, aumento da distribuição de renda, diminuição da pobreza, das desigualdades sociais, valorização do trabalho e se não olhar para a questão ambiental. É preciso olhar para as mudanças climáticas, a necessidade de diminuir as emissões de C02, de se garantir mudanças no modo de produção e alteração nos padrões de consumo. Portanto, nós não estamos falando somente de crescimento econômico. O Brasil já cresceu na década de 70 até 10 por cento, mas não tinha distribuição de renda nem liberdade democrática. Hoje você tem um governo que demonstra ser possível ter crescimento econômico aliado com um projeto de desenvolvimento que tem como um dos principais tópicos a questão da inclusão social. O governo Lula tirou 30 milhões de pessoas da miséria absoluta e da pobreza. Então é possível crescer distribuindo renda fazendo inclusão social, implementando políticas publicas e sociais e tendo preocupação com a agenda ambiental que é fundamental para o Brasil, o continente e o planeta como um todo.
Onde estão os maiores desafios para a sustentabilidade no Brasil?
Eu acho que os desafios são em várias áreas. A primeira é o planejamento. Qualquer planejamento de desenvolvimento tem que ser de curto, médio e longo prazo e ele tem que superar governos, períodos de mandato. Tem que ser fruto de uma construção coletiva, do diálogo entre os atores sociais: governos, trabalhadores, empresários, organizações da sociedade civil que devem participar para que se estabeleçam prioridades, mecanismos que atendam às principais diretrizes que nós defendemos. O segundo grande desafio é como é que se estabelece um projeto de desenvolvimento de longo prazo que leve em conta a necessidade de se atingir determinadas metas que são importantes para o conjunto da sociedade. Por exemplo: quando nós falamos de uma meta de crescimento, meta de geração de emprego decente, mais e melhores empregos, diminuição das desigualdades sociais e regionais, isso faz parte da construção do planejamento, do que nós queremos atingir. Mas para atingir essas metas nós precisamos garantir empregos decentes para tantos milhões de trabalhadores e trabalhadoras, implementar determinadas políticas publicas que garantam que atinjamos essas metas e que levem em conta a visão dos atores sociais.
Mas não ocorrem interesses conflitantes entre esses atores?
Ocorrem e não se leva em consideração o conjunto da sociedade, mas sim, um determinado interesse contrário e acaba se criando uma discussão absolutamente difícil de se construir um consenso, porque às vezes o interesse de uma determinada população, ou organização social ou setor econômico acaba se sobrepondo ao interesse coletivo.
Por exemplo?
O debate sobre política energética no Brasil. A partir do momento em que se leva energia elétrica através de um programa como Luz para Todos a uma família que começa a ter renda - seja pelo aumento do Salário Mínimo, Bolsa Família ou da aposentadoria - e, portanto, pode agora consumir, não tem como pedir que não tenha na sua casa uma geladeira, porque vai consumir energia elétrica e isso não é bom para o meio ambiente.
Sim, só que num assunto como a instalação de uma hidrelétrica, o impacto é muito maior...
Mas ao você botar em operação termoelétricas a óleo diesel que são altamente poluidoras e destruidoras do meio ambiente para rodar e produzir energia elétrica o impacto é ainda maior. E isso absolutamente ninguém fala, ou se fala, é com menos ênfase do que de grandes projetos de usinas hidrelétricas. O Brasil tem do ponto de vista da sua matriz energética e da sua política energética uma enorme diferença em relação a outros países por ser uma matriz altamente renovável e limpa. Produz energia elétrica a partir de fontes diversas e deve continuar sendo assim. Tem alto potencial hidrelétrico, portanto o que nós temos que debater é se os projetos de grandes usinas ainda cabem ou se têm que ser reformulados. Se nós temos que investir em ciência e tecnologia que produza mais energia com mesmo impacto. É lógico que é preciso investir em pequenas centrais hidrelétricas. Agora, as pessoas que falam que a saída é a energia eólica só, a energia solar só, pequenas centrais hidrelétricas só, ou não conhecem o Brasil, ou não conhecem o setor energético ou não sabem do que estão falando.
Mas alguns países estão investindo em fontes mais limpas de energia...
Não adianta achar que vamos colocar ventoinha no Brasil inteiro para gerar energia. Não pense que porque ela é gerada pelo vento através daquelas pás enormes que não tem impacto. Tem. No meio ambiente, nos ruídos, tem vários impactos. O problema é a quantidade de energia que eu produzo com aquele monte de cataventos. É muito mais impactante do que uma pequena central hidrelétrica num determinado local. As pessoas olham para aquele catavento e falam: olha que coisa bonita não produz impacto e gera energia elétrica... sim, mas quando você coloca 600 cataventos fazendo barulho para gerar energia elétrica para iluminar uma cidade de 10.000 habitantes, as coisas não ficam tão simples assim. Estou aqui exagerando do mesmo jeito que alguns exageram do outro lado dizendo que o Brasil poderia, por exemplo, se utilizar de outras fontes de energia elétrica que não a construção de usinas hidrelétricas.
Mas esses questionamentos não partem muitas vezes das próprias populações?
Partem, mas o que infelizmente ainda acontece muito no Brasil é não ter diálogo com os atores sociais e fazer um projeto sem construir alternativas, condicionalidades, as chamadas obras compensatórias. Ou seja, se há necessidade de construir uma estrada ou de implementar uma determinada obra num determinado local, qualquer obra, qualquer projeto, vai gerar impacto seja ambiental, seja junto a populações que residem e trabalham naquele local. Portanto, o desafio é construir esse diálogo, mas sabendo que aquela obra tem um benefício para o conjunto da sociedade ou, no caso de uma estrada, que será importante para os dois estados, que serão ligados por ela e que vai trazer desenvolvimento e gerar emprego. Agora eu não posso simplesmente desalojar as pessoas ou passar a estrada no meio das casas sem construir alternativas. Isso é absolutamente imprescindível.
E aí entram os interesses individuais de cada ator e muitas vezes o emperramento do projeto...
O que me parece que às vezes acontece é ou falta de diálogo ou mesmo com o diálogo as pessoas acabam não querendo uma obra ou projeto sob argumentos absolutamente importantes do ponto de vista individual ou para um determinado número de pessoas daquela coletividade, sem levar em consideração outras opiniões ou outros interesses de um conjunto às vezes muito maior do que aquele que está sendo debatido. Por exemplo, às vezes acontece no país, quando determinadas organizações, Tribunal de Contas, Ministério Público ou mesmo algumas das organizações que a gente está falando aqui entram com ações judiciais para impedir a realização de uma obra sob o argumento que essa obra tem impactos ambientais. Vários argumentos, inclusive que podem ser bastante importantes e fundamentados, mas por outro lado o atraso numa determinada obra vai fazer com que o País tenha que suprir a demanda por aquilo que aquela obra iria produzir, adotando outra forma de produção de energia com muito mais impacto ambiental, e as pessoas não falam.
Concretamente ou não fazemos nada e alguns até propõe o decrescimento por causa do aquecimento global e dizem: vamos deixar tudo do jeito que está. Sim, com pessoas que tem 3 iates parados na porta de casa, 12 aptos, 15 carros, 55 imóveis enquanto 1 bilhão de pessoas no mundo estão passando fome. É essa situação que queremos deixar do jeito que está? Eu não quero. Agora nós não podemos fazer com que esse 1 bilhão que está passando fome passe a ser um consumidor com o mesmo padrão de consumo que nos temos, por exemplo, em alguns países da Europa e dos Estados Unidos. Isso para mim é o grande desafio. É a mudança do modo de produção e do modo de consumo. Exemplo maior é a questão do automóvel: ao invés da gente investir no setor de transporte público. É usar estrada e caminhão e gastar óleo diesel quando você tem trem e transporte marítimo muito mais barato e menos impactante. É isso que eu chamo de planejamento de longo prazo. Agora, vai ter impacto de qualquer jeito.
E o Brasil ainda descobriu o pré-sal, mas vai gerar outros impactos ambientais.
Nós não podemos por conta da descoberta do pré-sal manchar e estragar a nossa matriz energética. Temos que lutar para que parte dos recursos do pré-sal, principalmente do fundo soberano, sejam aplicados para produzir mais ciências, mais tecnologias, mais pesquisas, diminuindo os custos da energia solar, da eólica, da biomassa e de outros elementos e que tem um amplo campo de crescimento no Brasil.A nossa matriz deve ser cada vez mais diversificada para que você tenha menos necessidade - zero se possível - de termoelétrica a carvão ou óleo diesel e reduzindo a necessidade de energia hidrelétrica de grande porte, no sentido de evitar o que aconteceu neste país com o apagão de 2001, uma clara demonstração da irresponsabilidade do Fernando Henrique e do PSBD com a falta de planejamento e toda a população sofreu. Empresas demitiram, tiveram que ser fechadas por conta de uma necessidade inadiável de energia elétrica que não tinha. Eu não quero viver isso no Brasil de novo. Portanto, só o planejamento fará com que a política energética brasileira possa continuar garantindo diversidade da sua matriz energética, para atender com eficiência a toda a população brasileira.
(IHU-Unisinos, 08/06/2010)