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direitos indígenas
2010-06-01 | Tatianaf

O 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas traçou o retrato mais detalhado e abrangente já realizado sobre as condições de vida e de consumo dos índios brasileiros. De acordo com o estudo – coordenado pelos pesquisadores Carlos Coimbra, Ricardo Ventura e Andrey Cardoso, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), e por Bernardo Horta, da Universidade Federal de Pelotas – a hipertensão arterial já se coloca como uma questão de saúde importante para as mulheres indígenas, atingindo mais de 15% delas, assim como a obesidade, que atinge mais de 50%. As crianças, por sua vez, apresentam desnutrição, diarreia, anemia e carteira de vacinação desatualizada. "Com esse inquérito, foi possível produzir um importante conjunto de dados sobre o perfil dos povos indígenas no Brasil, com aplicação direta no delineamento de políticas públicas em saúde", comentou Coimbra.

O inquérito nacional é uma realização da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social de Combate à Fome. Foi financiado pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e executado por meio de uma parceria entre a Abrasco e o Instituto de Estudos Ibero-Americanos, da Universidade de Gotenburgo, na Suécia. O inquérito teve a participação de pesquisadores de dezenas de instituições brasileiras. Na Ensp, a equipe também contou com a participação de alunos dos programas de pós-graduação da Escola e egressos. A seguir, a entrevista que Carlos Coimbra concedeu ao Informe Ensp sobre o inquérito.

Qual o objetivo do inquérito nacional?

Carlos Coimbra: O objetivo principal da pesquisa foi descrever a situação alimentar e nutricional das populações indígenas presentes em todas as macrorregiões do país. É a primeira vez que se tem uma pesquisa de base populacional e estatisticamente representativa dos povos indígenas das diversas macrorregiões do país. Com foco nas crianças menores de 60 meses de idade e nas mulheres entre 14 e 49,9 anos, essa investigação – que cobriu uma amostra de mais de 100 aldeias, nas quais foram entrevistados milhares de domicílios, mulheres e crianças – se constitui em um esforço de pesquisa que não tem paralelo na história da saúde coletiva no país por sua magnitude e abrangência.

Como o inquérito foi pensado e executado?

Coimbra: Para se chegar aos resultados necessários, foram desenvolvidos instrumentos de coleta de dados que incluíam quatro cadernos ou questionários específicos. O Caderno 1 foi sobre aldeia/comunidade, o Caderno 2 abordava o domicílio, o Caderno 3, a mulher, e o Caderno 4, a criança. Foram utilizados também formulários específicos para registro de procedimentos, como acompanhamento da situação das aldeias/comunidades, listagem dos domicílios e formulário de referência – situações de emergência e urgência em campo.

De acordo com a legislação vigente, a realização do inquérito foi previamente autorizada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Os pesquisadores de campo ficaram responsáveis pela apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Coletivo às comunidades indígenas e a obtenção deste devidamente assinado pelas lideranças ou outras pessoas que a comunidade julgasse importante.

Quais os principais resultados da pesquisa?

Coimbra: Em relação às atividades de caça, pesca e coleta na macrorregião Norte, há uma frequência bastante expressiva de aldeias que referiram caçar e coletar para comer, com uma porcentagem acima de 90%. Certamente, esse achado está ligado à disponibilidade de terras, já que é bem sabido que mais de 95% da extensão das terras indígenas no país estão na Amazônia Legal. Nas demais macrorregiões, verifica-se em maior frequência a compra de produtos industrializados como fonte principal de alimentos, complementada por doação de cestas básicas oriundas de projetos sociais e programas governamentais.

A análise dos resultados sobre a infraestrutura básica dos domicílios revela um quadro que se caracteriza por condições de saneamento deficientes em todas as macrorregiões, com destaque para a carência de infraestrutura no Norte, onde se observou a menor frequência de água encanada e de instalações sanitárias nos domicílios. Vale destacar que os resultados do inquérito evidenciam que muitas aldeias apresentam rede de água instalada pela Funasa a partir de poços artesianos, em particular no Centro-Oeste. No entanto, durante as entrevistas feitas com as lideranças, foram comuns reclamações, tais como: caixa d´água insuficiente para atender à demanda da população, registros ou bombas quebrados, poços escavados, porém não conectados às torneiras por falta de canos, dentre outros.

Qual é o perfil de saúde e nutrição das mulheres indígenas?

Coimbra: No Centro-Oeste e no Sul/Sudeste, a hipertensão arterial já se coloca como uma questão de saúde importante para as mulheres indígenas, atingindo mais de 15% delas, o que se aplica também para sobrepeso e obesidade, que atingem mais de 50%. Os achados para as mulheres indígenas evidenciam não somente diferenças inter-regionais importantes, como também sugerem a ocorrência de um acelerado processo de transição em saúde em curso nas várias macrorregiões, ainda que em graus diferenciados. As mulheres indígenas que vivem na macrorregião Norte apresentam menores níveis de escolaridade e maior quantidade de filhos. Os resultados também apontam para um perfil de saúde das mulheres no Norte em que sobrepeso e obesidade e níveis tensionais se mostram menos frequentes e mais baixos que nas demais macrorregiões. Ainda sobre as mulheres, os resultados do inquérito indicam que a anemia é um sério problema de saúde pública para as mulheres indígenas, alcançando níveis alarmantes e muito superiores aos que vêm sendo descritos em pesquisas para a população brasileira em geral.

E os resultados relativos às crianças?

Coimbra: Dados do estudo apontam para elevadas proporções de crianças que foram hospitalizadas devido à infecção respiratória e diarreia nos doze meses anteriores à entrevista. Os resultados do inquérito confirmam, em escala nacional, que, de fato, a desnutrição, mensurada por meio do indicador baixa estatura para idade, é um problema de enorme magnitude no Brasil, atingindo uma em cada três crianças indígenas. Nas crianças residentes na macrorregião Norte, as prevalências foram de mais de 40%. Ao se olhar para outros parâmetros nutricionais, como anemia, fica evidente a precária situação nutricional das crianças indígenas, que alcança mais de 50%. Mesmo diante dessa situação, os resultados do inquérito apontam que o uso de sulfato ferroso não é universal. É fundamental universalizar o acesso à suplementação com sulfato ferroso.

Como amplamente documentado na literatura científica, a amamentação protege contra a desnutrição. Desse modo, é necessário estimular a amamentação exclusiva, melhorar as condições de saneamento e o manejo precoce dos casos de diarreia. Essas estratégias podem efetivamente contribuir para a redução dos elevados níveis de desnutrição e anemia das crianças indígenas. Também é preciso ampliar a cobertura vacinal.

A mudança desses perfis requer melhoria nas condições de moradia e saneamento, pois apresentam precariedade em parcela significativa dos domicílios indígenas. É importante frisar que hospitalizações por diarreia podem também ser reduzidas com o manejo adequado. Apenas metade das crianças que tiveram diarreia na última semana recebeu solução de reidratação oral. Dentre as medidas necessárias para mudar essa situação, destaca-se o aumento na disponibilidade de solução de reidratação oral.

Quantas pessoas participaram da pesquisa e como aconteceu o processo de treinamento para coleta de dados?

Coimbra: O inquérito envolveu um trabalho com populações socioculturalmente diferenciadas, em alguns casos com poucas pessoas falantes da língua portuguesa, em particular entre as mulheres. Em muitas localidades, foi necessário contar com a ajuda de um tradutor, geralmente indicado pela liderança da aldeia. Em particular, nas regiões Norte e Centro-Oeste, foi necessário, de fato, trabalhar com entrevistadores. Trabalhar em uma aldeia/comunidade indígena é uma experiência particular, pois se trata de outra cultura, na qual valores, costumes, comportamentos e práticas podem ser bastante distintos dos nossos. O trabalho de campo foi pautado por esse importante princípio.

No decorrer do treinamento, foi reiterado que não cabia aos pesquisadores emitir julgamento de valor sobre costumes ou práticas. O trabalho também foi pautado no respeito à privacidade das comunidades e de seus moradores, procurando-se interferir o mínimo possível no dia a dia das pessoas. Durante esse período de treinamento para a realização do inquérito, ocorreram oficinas, e os participantes foram orientados quanto ao preenchimento dos cadernos, procedimentos de amostragem, utilização dos aparelhos e coleta do termo de consentimento e de padronização antropométrica. Antes do inquérito, muitos participantes das equipes de campo não haviam tido contato com povos indígenas. Diante disso, procuramos discutir questões relativas aos comportamentos em campo. Essas incluíram, dentre outras, os horários para realizar as entrevistas, o contato com as mulheres, o uso de máquinas fotográficas e similares, como proceder no caso de estarem acontecendo cerimônias e rituais, e outros.

As equipes foram compostas, em geral, de dois a três pesquisadores, chegando-se a oito ou dez, dependendo do tamanho da amostra a ser coberta na aldeia/comunidade. Em cada equipe, além dos pesquisadores, havia um técnico de saúde (enfermeiro ou nutricionista) da Funasa, designado pela chefia do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei). Todas as equipes foram acompanhadas por agentes indígenas de saúde (AIS). Vale frisar que, para esse fim, as equipes de pesquisa contaram com o importante apoio dos profissionais de saúde local, que ajudaram na comunicação com a comunidade sobre os objetivos e procedimentos a serem empregados no inquérito.

Quais as principais dificuldades encontradas na coleta de dados?

Coimbra: A realização do 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas no Brasil constituiu um desafio ímpar, face, sobretudo, à grande diversidade de situações enfrentadas no campo e a inexistência de experiência anterior. Dentre as principais dificuldades encontradas para a realização do inquérito, está a falta de informações demográficas adequadas.

Durante o trabalho, ocorreram situações em que as listagens de aldeias/população disponíveis no Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi) ou fornecidas pelo próprio Dsei não refletiam a realidade encontrada no campo. Na maioria dos casos, as populações totais encontradas divergiam significativamente da listagem disponível no Sistema de Informação. A inconsistência da informação implicou na necessidade de estender a permanência no campo, ocasionando aumento de custos e exaustão dos suprimentos para preencher os totais previstos de mulheres e crianças.

Com esse inquérito, foi possível produzir um importante conjunto de dados sobre o perfil dos povos indígenas no Brasil, com aplicação direta no delineamento de políticas públicas em saúde. É importante ressaltar que, idealmente, uma pesquisa sobre as condições de saúde e nutrição dos povos indígenas, a ser realizada no futuro, deve considerar a sociodiversidade existente entre os povos indígenas e qualquer discussão sobre o processo saúde/doença.
 
(Fiocruz, EcoAgência, 31/05/2010)


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