A Madeira é a primeira região da Europa que Bruxelas autorizou a impedir o cultivo de organismos geneticamente modificados (OGM). Uma decisão inédita, mas não tomada preto no branco: a Comissão Europeia (CE) deixou expirar o prazo, a 4 de Maio, para chumbar o pedido do Governo Regional da Madeira, que manifestou receio que o cultivo de transgénicos ponha em risco a biodiversidade e a laurissilva, reconhecida pela UNESCO como Património Mundial desde 1999.
A notícia foi dada pelo jornal norte- -americano "The New York Times", que associou o silêncio de Bruxelas a um mal-estar no seio da União Europeia pelo facto de abrir um precedente polémico, já que outras regiões europeias podem exigir o mesmo que a Madeira. "Foi uma decisão política da CE. A nossa posição sobre os transgénicos evoluiu", explicou ao i o porta-voz do comissário europeu para a Saúde e Protecção dos Consumidores, John Dalli. Em Julho, a CE "vai apresentar uma proposta para que a decisão de cultivo de OGM seja tomada pelos estados-membros" e, deste modo, "pôr fim à situação de bloqueio causada pelas diferentes posições", confirmou Frédéric Vincent.
Dos 27 países, apenas cinco, incluindo Portugal, autorizam o cultivo de transgénicos. Para contornar as regras comunitárias, estados como a França, a Áustria e a Grécia submeteram moratórias à CE. Sobre eventuais novos pedidos, Vincent rejeita polémicas: "Todos os estados sabem que a CE relançou o debate e haverá um novo texto até ao Verão. A excepção concedida à Madeira abriu um novo debate, não causou mal-estar".
Na Madeira, a medida também passou despercebida, sem declarações oficiais, nem festejos do governo de Alberto João Jardim. O i tentou contactar o secretário Regional do Ambiente e Recursos Naturais, Manuel António Correia, sem sucesso. Para o madeirense e dirigente nacional da Quercus, Hélder Spínola, "o governo regional pode estar à espera de mais certezas do ponto de vista formal e burocrático da CE". Esta posição favorável "pode ser uma mais-valia para garantir que os produtos biológicos madeirenses não são contaminados por OGM, considera o ambientalista. Spínola diz que a abertura de um precedente é inevitável: "Existem muitas zonas interessadas em serem livres de transgénicos. Por isso é que a CE não quis fazer publicidade."
Para Margarida Silva, da Plataforma Transgénicos Fora, "os municípios portugueses deviam aproveitar esta janela de oportunidade para pressionar o governo". Cerca de 30 câmaras portuguesas declaram-se zonas livres, mas sem força legal. Para a bióloga, Bruxelas quis "mostrar boa-fé", mas no fundo espera que "os países contra os OGM permitam mais facilmente importações de transgénicos na Europa", atendendo às expectativas dos EUA. Segundo o "The New York Times", a Autoridade de Segurança Alimentar Europeia recomendou que as pretensões portuguesas fossem ignoradas por não existirem evidências científicas sobre riscos para a saúde animal, humana ou ambiental.
Em Março, Bruxelas autorizou o cultivo da batata geneticamente modificada da empresa alemã BASF e a comercialização de três variedades de milho transgénico do grupo Monsanto.
(Por Sandra Pereira, Ionline, 29/05/2010)