Várias empresas de carvão vegetal gostam de usar o termo “ecológico” para vender seus produtos. Mas nem adianta ficar com a consciência mais tranquila: o que você compra para fazer churrasco aos domingos, não importa o rótulo, é bem poluente. Somente 35% da madeira queimada durante a produção do produto no Brasil vira, de fato, carvão vegetal, conta José Otávio Brito, professor titular da área de Bioenergia da USP (Campus Piracicaba).
O que acontece com os outros 65%? Transformam-se em gases que vão para a atmosfera, com componentes causadores de efeito estufa. “E para cada tonelada fabricada são emitidos 30 quilos de metano, um gás que é 16 vezes pior para o efeito estufa que o CO2”, afirma Brito.
Ah, mas e o carvão ecológico, não emite menos gases? Não. O que pode deixar a marca de carvão menos suja é o fato de não derrubar florestas nativas para fazê-lo. O carvão vegetal pode ser produzido de árvores naturais, fontes renováveis (eucalipto e pinus, plantados e coletados pelas próprias indústrias) ou ser feito de briquete, (pó que sobra do manuseio do carvão compactado com um aglutinante de amido). “No Brasil, pelo menos 50% do carvão vegetal, infelizmente, ainda é produzido de forma não-sustentável, de florestas naturais”, conta Guilherme de Andrade Lopes, coordenador de certificação florestal do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Segundo Lopes, plantar e cortar eucalipto é melhor para o meio ambiente porque o crescimento das árvores captura CO2 e ajuda a reduzir o impacto causado pela carbonização da madeira. O briquete também é uma forma “mais adequada”, por aproveitar o material descartado por serrarias e fabricantes de móveis. Mas, de acordo com os especialistas, nenhuma dessas iniciativas torna o carvão vegetal ecológico, quanto mais “100% ecológico”, como na imagem abaixo.
A Carvão São José produz carvão vegetal por meio do plantio de eucalipto. A iniciativa é positiva para o meio ambiente, mas não torna o produto 100% ecológico.
Verdade Inconveniente conversou com José Roberto de Freitas Veríssimo, um dos donos da empresa Carvão São José, que divulga seu produto como “100% ecológico”. Para o empresário, ele é “100% ecológico porque é 100% eucalipto”. “As empresas de carvão vegetal usam critérios subjetivos para colocar esse tipo de marca. Algumas podem ter iniciativas positivas do ponto de vista ambiental, mas seus produtos nunca serão ecológicos na pureza da palavra”, afirma Brito. Ecológico mesmo é não usar carvão para fazer churrasco. Há até algumas opções de churrasqueiras a álcool e a gás, informa o G1.
O Brasil ainda não tem uma norma voluntária ou compulsória para usar o rótulo “ecológico” no carvão vegetal – como possui indústria de celulose e papel. Para os fabricantes de papel usarem o termo “ecológico”, por exemplo, seus produtos devem ter pelo menos 25% de fibra reciclada, ou seja, no máximo 75% de fibra virgem – que deve ser obtida de processos livres de cloro.
Uma produtora de carvão vegetal pode ter algum selo que ateste suas atividades “verdes”, desde que pague e passe pela auditoria de certificadoras como a FSC. Mesmo isso é improvável, segundo Simone Aparecida Vieira, engenheira agrônoma e pesquisadora do Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp). Ela afirma que as certificadoras particulares cobram exigências agrícolas e de condições de trabalho que os produtores de carvão no Brasil dificilmente conseguiriam se adequar. “Além disso, o processo de certificação é caro, e seu valor pode ser passado para o consumidor, que não se importa se o produto tem um selo ou não. Para piorar, o mercado recebe um monte de carvão produzido de maneira ilegal, com vegetação nativa, bem mais barato do que a concorrência”, diz.
(Galileu, 28/5/2010)