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aracruz/vcp/fibria terras quilombolas direitos quilombolas
2010-05-31 | Tatianaf

A transformação da natureza em produto comercial, sob a tutela do governo do Estado, por pouco não extinguiu as comunidades quilombolas que resistem no norte do Estado. A conclusão é do relatório “Impactos do monocultivo em Direitos Humanos de Grandes Projetos”, apresentada na tarde dessa quinta-feira (27), na Assembléia Legislativa. O documento concluí que o conluio entre poder público e Aracruz Celulose (Fibria) submete até os dias de hoje as comunidades a um silêncio que desafia qualquer razão democrática.

O relatório comprova a prática de violência e discriminação praticada há anos pela Aracruz Celulose (Fibria) e o poder público. Mostra ainda as dezenas de processos judiciais contra a empresa engavetados pela Justiça local, o que resultou no limite do desenvolvimento destas comunidades.

O objetivo, afirmam os realizadores, é propor um novo olhar sobre o licenciamento de grandes projetos no Estado. A ideia é que o Estudo e Relatório de Impacto sobre Direitos Humanos em Grandes Projetos (EIDH/RIDH), transformado em resolução na IX Conferência Nacional de Direitos Humanos de 2004, e assim como o Relatório de Impactos Ambientais, se transformem em pressuposto para avaliação de implementação dessas propostas em Estados e Municípios.

“A lógica de realizar apenas um Estudo de Impacto Ambiental não acompanha os desafios contemporâneos, não contempla os direitos humanos. Este estudo é a proposta de uma nova metodologia, de um estudo que avalie a implantação de grandes projetos sob olhar da população envolvida”, ressaltou Gilmar Ferreira, do Movimento Nacional de Direitos Humanos do Espírito Santo.

Como objeto de estudo,  os pesquisadores responsáveis pelo relatório entrevistaram, fotografaram e documentaram a vida dos quilomboals que vivem na reigão do Sapê do Norte, região que abrange áreas do município de São Mateus e Conceição da Barra e relataram o empobrecimento da cultura e tradição e o nascimento de um violento processo de criminalização destas comunidades através da ocupação de terras pelos monocultivos de eucalipto, iniciados e mantidos há 40 anos pela Aracruz Celulose (Fibria).

Em resumo, estas comunidades foram submetidas a ameaças; força policial; parcialidade da Justiça local e estadual - chegaram a mover 130 policiais munidos e apoiados por cachorros, cavalos e micro-ônibus para coagir os negros – sob a justificativa de que a área ocupada pela Aracruz, era e sempre foi terra particular da empresa.

“Havia uma lógica antes da Aracruz Celulose chegar nestas terras, que era a lógica das terras livres. Estas terras foram ocupadas com o fim da escravidão, estes negros não estavam lá por acaso. São a prova da resistência. Mas a empresa e o governo arranjaram um jeito de expulsar os quilombolas e defender que ali não era terra de ninguém.”, ressaltou Jefferson Gonçalves Correia, da comissão de elaboração do estudo.

Segundo Correia, as histórias de requerimento de terras do Estado por funcionários da Aracruz Celulose estão relatadas ponto a ponto no relatório, demonstrando inclusive a venda posterior das mesmas terras á transnacional por preços muito acima do mercado.

“Os funcionários depois chegaram a afirmar que nunca haviam pisado naquelas terras, que aquilo foi um favor para o chefe, que contou a ele que nestas terras não vivia ninguém e que queriam, portanto, apenas um favor para a empresa”, ressaltou Jefferson Correia.

Desta forma, foram ‘legalizados’ 22 mil hectares de terras com a ajuda de 29 laranjas à serviço da Aracruz Celulose.

A ilegalidade foi denunciada à Procuradoria de Conceição da Barra e São Mateus e ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf), mas todos silenciaram sobre o caso.

Nesse contexto, aos quilombolas acostumados a construir sua base de vida através da natureza, foram ficando cada vez mais ilhados entre os eucaliptais e pobres de recursos naturais para manter suas vidas. Atualmente, vivem em condições de subsistência; sob uma terra fragilizada e incapaz de produzir alimentos; expostos aos venenos e desamparados de políticas públicas.

Há ainda novos empreendimentos que chegam à região com o mesmo desrespeito visto no passado. Desta vez, o gasoduto Cacimba-Catu, da Petrobras, vem passando ‘por cima da cabeça dos quilombolas’ desrespeitando convenções, pactos, marcos jurídicos e pactos. Sem consultar a comunidade, o gasoduto passou ao lado de farinheiras inviabilizando o seu funcionamento, assim como atravessou o pátio da escola da comunidade quilombola de São Jorge, inviabilizando a única área de lazer das crianças.

Um aterro também vem sendo construído na região habitada pelos quilomboas como mais um sinal de desrespeito e indiferença do poder público.

Entretanto, lembram os quilombolas durante a apresentação do relatório, “diante do documento, não há mais como ignorar os desrespeitos à comunidade”. Eles afirmam que não aceitarão mais ser chamados de mentirosos ou baderneiros por lutarem por seus direitos e que, apesar da tentativa do poder público de ‘esvaziar’ a apresentação do relatório, o documento será levado ao Ministério da Justiça, que não poderá se furtar diante das comprovações apresentadas.

‘Emprençamento’ é uma palavra inventada pelos quilombolas para retratar a situação vivida pelas comunidades quilombolas do Sapê do Norte. O monocultivo de eucalipto implantado pela Aracruz Celulose (Fibria) reduziu as possibilidades de trabalho na região, afetou a estrutura familiar, a segurança alimentar e, neste sentido, mudou radicalmente o modelo de vida destas comunidades.

Na região, denunciam, faltam água potável, saneamento, terra para plantar e oportunidade de geração de renda.

Além disso, pelo menos 58 pessoas foram identificadas pelo relatório como  vítimas de perseguição, constrangimento ou criminalização através da ação da Visel e da Garra – milícia armada da Aracruz Celulose (Fibria). A garra, inclusive, pertence a Claudio Farina, irmão de Alexandre Farina, ex-juiz do município de Aracruz, que durante anos contribuiu para a criminalização das comunidades, conforme as denúncias dos negros.

O relatório mostra ainda que falta eco às denúncias dos quilombolas mesmo diante de mortes por envenenamentos de crianças, invasões de domicílio e prisões comprovadamente arbitrárias. As mulheres, antes agricultoras e donas de casa, hoje foram transformadas em trabalhadoras industriais responsáveis pela aplicação de venenos e, entre elas, não faltam histórias de mães que acompanham o envenenamento de sues filhos na região, mas que não conseguem vislumbrar outro meio de trabalho.

Segundo Gilsa Barcelos, coordenadora do trabalho de elaboração do relatório, essa situação é fomentada por um imenso passivo do Estado brasileiro com as comunidades; o não reconhecimento das agencias do governo federal, estadual e municipal dos estatutos jurídicos dos Povos e Comunidades Tradicionais do País; a não investigação do Ministério da Justiça dos abusos cometidos pelas delegacias de polícia de São Mateus e Conceição da Barra; entre outros.

Apesar do teor e da riqueza de informações relatadas no documento, a participação do poder público no evento foi praticamente nula. Tanto os órgãos ligados à fiscalização da empresa como o Instituto de Defesa Agropecuária e Floresal (Idaf) quanto os órgãos defensores dos direitos da população capixaba viraram as costas para o problema e não compareceram à apresentação.

Segundo Jefferson Gonçalves Correia, o governo estadual comprovou a postura omissa apresentada ao longo deste quarenta anos ‘silenciando para o que não existe’.

Também não compareceram a apresentação do relatório as empresas Aracruz Celulose (Fibria), Visel e Garra, representantes da  Procuradoria de São Mateus ou Conceição da Barra.

Apesar disso, a intenção. segundo os responsáveis pelo estado, é não deixar que este documento seja engavetado pelas autoridades. O próximo passo, afirmam eles, é fazer com que o documento seja entregue ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto.

Fizeram parte da Comissão de Elaboração do Estudo coordenada por Gilsa Barcelos:  Amine Batista Ferreira, Sandro José Silva, Jefferson Gonzalvez Correia, Winnie Overbeek, Eduardo Moreira e Simone Batista Ferreira.

O estudo foi realizado através do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH-ES) e Programa de Proteção da Defensores de Direitos Humanos (PPDDH-ES).

(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 28/05/2010)


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