A chave para o tratamento de rios e lagos contaminados por metais pesados pode estar na própria natureza. Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Lavras (Ufla) está identificando uma série de plantas que podem acusar a existência de elementos tóxicos que comprometem a qualidade da água. São os chamados bioindicadores. Além disso, o estudo tem se dedicado ao conhecimento de algumas espécies que têm o poder de remover os contaminantes do ambiente aquático, processo mais conhecido como fitorremediação.
Uma das primeiras plantas analisadas pela equipe, conhecida como orelhinha-de-onça (Salvinia auriculata), era vista como invasora nas proximidades da Usina Hidrelétrica do Funil, situada próxima aos municípios mineiros de Perdões e Lavras. No entanto, as análises da universidade mostraram que ela pode, na verdade, ajudar a limpar o local.Reportagem de Gisela Cabral, no Correio Braziliense.
A atividade industrial, a mineração e a própria agricultura têm sido os principais fatores responsáveis pelo depósito de elementos tóxicos, entre eles os metais pesados, em ambientes aquáticos ou terrestres. “Muitas coisas utilizadas no dia a dia resultam em elementos tóxicos, seja na sua produção ou durante a utilização”, explica o professor da Ufla e coordenador da pesquisa, Evaristo Mauro de Castro.
Dependendo do elemento que contamina o corpo d’água, uma mesma espécie de planta pode atuar como bioindicadora ou como fitorremediadora. Isso vai depender do grau de tolerância que a espécie possui para cada elemento. “Outro fator que afeta a seleção da espécie é o ambiente, ou seja, se é terrestre ou aquático”, destaca Fabrício José Pereira, doutorando em fisiologia vegetal pela Ufla. Além da orelhinha-de-onça, plantas aquáticas como a taboa (Typha angustifolia e Typha domingensis), o aguapé (Eichhornia crassipes), a alface-d’água (Pistia stratiotes) e a cruz-de-malta (Ludwigia octovalvis) têm apresentado excelentes resultados como fitorremediadoras. “Todas essas espécies ocorrem em Minas Gerais e em outras regiões do Brasil, e são particularmente abundantes no Pantanal”, enfatiza Fabrício.
Bastante comum nas regiões cobertas por reservatórios como Furnas e Funil, no sul de Minas, e em regiões como a do Vale do Rio Doce, a orelhinha-de-onça foi considerada uma espécie invasora e daninha por muito tempo. “Isso devido ao grande crescimento populacional e à alta tolerância a diferentes condições ambientais”, afirma Castro. Entretanto, é justamente a capacidade de suportar adversidades que torna a espécie uma removedora de metais pesados em potencial.
Segundo os cientistas envolvidos na pesquisa — que também contou com o trabalho da engenheira sanitarista e ambiental Graziele Wolff — a S. auriculata demonstra importantes propriedades para monitorar e limpar ambientes contaminados por zinco. “Essa espécie apresentou capacidade para acumular zinco proporcionalmente ao aumento dessa substância na solução, sendo capaz de manter a produção de biomassa (massa seca da planta produzida durante o seu crescimento) até determinada concentração. Já em concentrações mais altas, ela demonstra redução na biomassa”, explica Castro. Isso significa que, enquanto a quantidade de metal for reduzida, ela pode ser usada para purificar o ambiente. Caso a poluição por zinco chegue a níveis mais altos, ela dará o alerta.
Uso ainda restrito
Na avaliação da doutora em citologia e genética Agnes Barbério, da Universidade de Taubaté (Unitau), a fitorremediação é uma técnica ainda pouco difundida no Brasil, porém bastante utilizada em países da Europa e nos Estados Unidos. “As plantas fitorremediadoras requerem alguns requisitos, como raízes profundas e bem desenvolvidas na capacidade de absorção, crescimento acelerado e metabolismo capaz de resistir ao poluente que se deseja eliminar”, explica. De acordo com ela, em alguns momentos, essas espécies precisam sofrer modificações genéticas para se tornarem fitorremediadoras. “Entre os poluentes frequentemente alvos estão os metais pesados, os pesticidas, os herbicidas, entre outros”, afirma.
Embora as técnicas utilizadas pareçam não apresentar nenhum contraponto negativo, segundo a especialista, vale ressaltar que algumas plantas usadas para despoluir precisam ser corretamente descartadas. “Caso contrário, acabam contaminando o solo e a água subterrânea.”
Na região do Vale do Paraíba, situada entre o eixo Rio de Janeiro-São Paulo, a cebola (Allium cepa) e o coração-roxo (Tradescantia pallida) são utilizados em alguns municípios para monitorar a qualidade da água e do ar, respectivamente, por meio de um núcleo de pesquisa coordenado por Agnes.
A especialista defende que o monitoramento da água e do ar é imprescindível, principalmente pelo fato de a água ser um recurso finito. “São mecanismos que nos permitem diagnosticar rapidamente a situação ambiental em determinada área de estudo. Isso também é importante para que nossos alunos e jovens pesquisadores se preocupem com a questão ambiental e se tornem defensores da saúde do planeta”, aponta.
(EcoDebate, 27/05/2010)