Há dois anos, o aposentado João Francisco Magalhães, 62 anos, percorre as ruas de Bagé em busca de materiais recicláveis como plástico, papel e alumínio.
As dificuldades são inerentes a quem encara o desafio de recolher lixo como profissão: paga-se pouco. Sobretudo por que, em Bagé, não há indústrias de reciclagem. A cada mês, ele arrecada, em média, um valor equivalente a R$ 200. O montante é um incremento na renda da família, que não necessita do lixo para sobreviver, mas que vislumbra na atividade uma alternativa para crescer. Magalhães é apenas um exemplo de bajeense que poderá ser beneficiado com a implantação do consórcio do lixo. Uma iniciativa que prevê a impulsão da economia local ao atrair empresas de reciclagem para a cidade, bem como a profissionalização de quem atua na cadeia do lixo.
Hoje, Bagé produz 60 toneladas de lixo ao dia. Com o consórcio, que busca solucionar um problema comum na região no que se refere ao destino final dos resíduos urbanos, a cidade passa a receber os dejetos de oito municípios: Aceguá, Caçapava do Sul, Candiota, Dom Pedrito, Hulha negra, Lavras do Sul, Pinheiro Machado e Sant’Ana do Livramento. Isso corresponde a, pelo menos, 120 toneladas diárias. Acontece que, conforme o secretário do Meio Ambiente Alexandre Melo, o aterro sanitário local é o único licenciado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental para gerir o lixo de maneira adequada, uma vez que o espaço conta com tecnologias capazes de tratar o líquido formado pelo lixo, assim como o gás metano gerado com o depósito. Contudo, para isso, a secretaria aguarda a licença da Fepam, que avalia se Bagé comportará o montante total sem perder a qualidade do serviço.
Entre os benefícios apontados por Melo está a construção de um Plano de Gestão de Resíduos. Um empreendimento que poderá atrair para a cidade empresas de reciclagem que permanecem distantes do interior. A instalação de indústrias impulsionaria a economia local, na medida em que oportuniza a profissionalização de catadores e recicladores como Magalhães. Além disso, por meio do consórcio, é possível captar recursos para uma série de melhorias, como a ampliação dos serviços de recolhimento, tratamento e reciclagem de lixo. Cada cidade envolvida no consórcio é responsável pelo transporte dos dejetos, que deve ser realizado por uma empresa especializada. Mas o repasse não é obrigatório. “Porém, a tendência é que a centralização aconteça”, pondera Melo. Para cada tonelada, Bagé receberá em contrapartida R$ 50 para investir na melhoria do aterro sanitário.
Polêmica
Ao defender o consórcio, Melo lembra que o método barateia a solução do problema. “Com recursos próprios é quase impossível a criação de um aterro sanitário em pequenas cidades: é por isso que nascem os lixões”, afirma. Ele destaca que a cidade já recebe o lixo urbano de Aceguá e Hulha Negra. “O lixo não tem fronteiras: nosso lixo pode ser problema de outra cidade”, comenta. Prova disso, é que Bagé hoje não trata sua própria produção de lixo hospitalar: os resíduos são enviados para Santa Maria. “Nosso lixo já circula em outras cidades: o que não pode ser depositado em um determinado local deve encontrar outro mais adequado”, enfatizou.
Para a coordenadora do Ecoarte, Elvira de Macedo Nascimento, a cidade sofrerá uma verdadeira agressão. “Nosso temor é que Bagé não comporte a quantidade de lixo”, diz. Ela lembra que a comunidade precisa se mobilizar para fiscalizar a gestão do aterro. “É preciso um cuidado extremo, tanto com a recepção desse lixo, como com a qualificação de quem o manipulará”, enaltece. Conforme o secretário, o plano de gestão prevê para os próximos anos a abertura de concursos públicos e capacitação de funcionários. “Entre cinco e 10 anos, contaremos com uma equipe profissional na gestão de resíduos”, enaltece Melo.
Por outro lado, na simplicidade do catador, Magalhães afirma que qualquer iniciativa nesse sentido é melhor do que o comércio informal. “Já era para ter vindo algo desse tipo, é preciso dar apoio a quem precisa dessa atividade para sobreviver”, argumenta.
(Jornal Minuano, 26/05/2010)