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passivos dos biocombustíveis
2010-05-25 | Tatianaf

Nossos assuntos em defesa do meio ambiente geralmente versam sobre a Terra, o todo, o planeta. Hoje, o foco de nossa conversa vai ser a terra, fração daquela mesma Terra, substância que em grande parte cobre a superfície dos continentes. É muito comum e conhecida de quase todos. Talvez por isso não se lhe dão a importante atenção que merece. Merece porque é o sustentáculo do habitat, no qual reina direta ou indiretamente, de toda a vida que conhecemos.

Partimos do princípio de que não existe milagre. Tudo que existe é efeito de alguma causa. Pois bem, façamos um exercício mental. Imaginemos que em um terreno de 1m² plantamos um grão de milho. Após, ocorrem alguns fatos notáveis, verdadeiros milagres da Natureza. A planta ali nascida suga do solo parte dos elementos químicos de que necessita para manter a vida. Do ar, retira outros que, em combinação com a energia solar, lhe dão condições de transformá-los em tecido ou estrutura preparatória para a reprodução, objetivo de sua existência. Produzidas suas espigas, são elas arrancadas e comidas por um homem, sobrando naturalmente toda a estrutura esquelética.

O normal seria esse cadáver vegetal ser mantido no local e, após, revertido aos elementos químico primários pela ação dos agentes microbianos, o que devolveria ao solo grande parte do que foi dali retirado. Mas, usualmente, em função dos interesses econômicos, ele é queimado, ou usado como ração de bovinos, ou tem outra destinação imprópria, o que é compreensível sob a concepção das estratégias econômicas, pois “tempo é dinheiro” e o local tem que ficar limpo para novo plantio.

Situação daquele terreno: ficou desfalcado em sais minerais correspondentes a um pé de milho, compreendida toda a sua estrutura e o produto final, as sementes – seus filhos. Nosso homem da labuta rural conhece bem esse fenômeno, mas apenas na sua conseqüência, quando diz: “esse terreno está cansado”, que traduzimos para “esse terreno está esgotado, desfalcado de elementos básicos, pobre, deficiente, imprestável, causado pela atividade agrícola intensiva, ambiciosa, desordenada e inconseqüente”.

De outro lado, o homem que se alimentou das espigas absorveu parte dos elementos de que tratamos e mandou para o esgoto o restante. Essa borra final foi levada pelos rios para a foz, onde se acumulou no leito subaquático. Resumo da história: com suas ações, o homem retira uma parte dos elementos químicos da terra e a acumula no oceano. Isso se chama transformar uma estrutura produtiva em outra estéril.

Esse é um exemplo de apenas um pé de milho. Imagine-se a realidade, que se assenta em cultivo de bilhões de plantas alimentícias temporárias. No conjunto, com muita gente, chuva em terra nua e máquinas como personagens, transformamos grande quantidade de elementos químicos, contidos na terra, em alimentos orgânicos. Eles nos são úteis porque nos mantêm vivos, mas que afinal são parte poluidora do ar e parte descartada no mar, num processo de irracional desperdício da matéria prima posta à nossa disposição pela Natureza. Esses elementos da terra são vida, sustentam a humanidade; não são energia para locomoção, finalidade contrária aos planos naturais.

O que é terra? É a rocha decomposta. Um conjunto de rochas leva aproximadamente 200 anos para se transformar, por desgaste, em uma camada de apenas 10 cm de terra. É um processo lento face à rapidez com que é convertida e esbanjada pela cobiça do sistema econômico.

Transformar os recursos naturais da terra em alimento tem a sua justificativa, não obstante a agricultura moderna empregar ações imediatistas inteiramente irracionais. Mas transformar alimento em combustível (energia locomotora) é o paroxismo da irracionalidade. Àqueles que seguem os ensinamentos religiosos, esses objetivos se constituem em verdadeiro pecado. Deixa Deus saber disso!

Enquanto temos, segundo as últimas estatísticas, 1,5 milhões de pessoas passando fome, estamos preocupados com o deslocamento desnecessário de bens e pessoas, isto é, com o conforto que fermenta o individualismo e gera lucro ao sistema econômico.

Alega-se que o petróleo é esgotável e o biocombustível, não. Como procuramos arrazoar acima, o simples cultivo de plantas alimentícias já é, em si, sumamente esgotável; agora para a produção de biocombustível o é mais ainda. E muito mais destrutível, pois pede áreas imensas de terra para cultivo, provocando rápido esgotamento e maior desnudamento desses espaços. Tudo em nome dos objetivos do ganha-ganha do sistema econômico da atual civilização.

Pois que se esgotem os recursos petrolíferos que são subterrâneos e desnecessários à vida, mas se preservem os recursos naturais dos seres vivos, postos em função da necessidade básica de sobrevivência. Todos os povos primitivos cultuavam a terra como a uma deusa, reconhecendo-a como a doadora de vida. Que profunda sabedoria! Nós, os homens modernos inteligentes e donos das verdades, a tratamos com desprezo e degradação, deixando-a sem a pele protetora (desmate), com chagas deformantes (mineração) e esterilidade irreversível (desertificação). É o mesmo que desprezar a vida na sua expressão universal.

Nesse quadro de loucuras e desgoverno do planeta, enxergamos o momento em que teremos motoristas sentindo imensa fome, mas alegres e satisfeitos por estarem dirigindo em alta velocidade – rumo ao suicídio – um último modelo de automóvel movido pelo que lhe falta no estômago.

Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.

Nota: o livro “Agora ou Nunca Mais“, está disponível para acesso integral, gratuito e no formato PDF, clicando aqui.

(EcoDebate, 25/05/2010)


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