A agropecuária está em contínua evolução. Evolui porque novos conhecimentos estão sendo inseridos no sistema produtivo de forma impactante, está evoluindo porque os mercados estão constantemente demandando novos produtos ou novos parâmetros qualitativos, porque a sociedade muda e porque o ambiente, solo e clima, consequentemente, também mudam.
De forma geral, desde que a agricultura se organizou, o homem deixou de ser nômade e tem buscado formas de minimizar o esforço em produzir, minimizar os riscos para produzir e oferecer produtos que os consumidores prefiram. Ao redor deste foco, todo um processo de geração de conhecimento foi organizado pelo estado ou por organizações privadas que ao longo do tempo encontraram oportunidades competitivas para existirem. As organizações de geração e transferência de conhecimento, como Fepagro, Embrapa e universidades, têm cumprido este papel com méritos reconhecidos.
Dentre as ações que fazem as organizações se destacarem, está a capacidade de antecipar possíveis cenários tanto de ordem biológica, quanto de ordem social ou econômica. Atualmente, o foco está nas mudanças climáticas como o grande direcionador do comportamento do sistema produtivo, tanto da produção de conhecimento, quanto de produtos e serviços.
Se visualizarmos a evolução de duas culturas fundamentais para a economia do agronegócio agrícola do Rio Grande do Sul - soja e o milho -, percebemos que a cada ano, independente dos ganhos genéticos auferidos pelas culturas, a minimização das áreas com riscos reduzidos está cada vez maior. Os estudos sobre aquecimento global, que incluem o Sul do Brasil, predizem que teremos uma elevação de pelo menos 1,5 grau centígrado até 2020. Este aquecimento antevê potencial para que culturas como cana-de-açúcar, café, algodão, mandioca, batata-doce, entre outras de comportamento subtropical, possam ser cultivadas sem risco em nosso Estado.
Mesmo que seja necessário diminuir a dependência do Rio Grande do Sul em fontes não renováveis de energia para suprir nossa necessidade em combustível, esta opção não deve vir em detrimento da fonte em que temos mais habilidade e a que tem mais importância, que é a produção de alimentos. As propriedades gaúchas com o aquecimento terão mais opções culturais, no entanto as áreas e os processos produtivos terão de ser reavaliados.
Estudos de validação de novos cultivares de soja ou de híbridos de milho deverão ser testados em épocas de cultivo diferentes das que tradicionalmente usamos hoje. Métodos culturais, como espaçamento, densidade, irrigação, rotação de cultura e, certamente, também consórcios entre culturas e explorações bastante diversas como pastagem – floresta; agricultura – floresta; agricultura - pastagem em sistema de consórcio; sobressemeadura ou inter-culturas, deverão ser estudados, avaliados e validados antes que o mercado induza a mudanças que poderão gerar prejuízos no longo prazo.
Algumas regiões tradicionais produtoras pecuárias como o Pampa gaúcho, que recebeu a soja em passado recente com resultados satisfatórios para a conjuntura econômica da época, hoje estão perdendo competitividade. No caso específico da soja, as menores produtividades têm sido obtidas nestes municípios. Esta constatação pode levar a conclusões erradas sobre os potenciais de produtividade do Estado, assim como a decisões simplórias de impedir o cultivo desta cultura na região. No entanto, estudos de época de plantio, face aos novos cultivares com ciclos bem definidos, devem ser implementados, assim como a inserção destes estudos em situações de práticas culturais diversas.
A Metade Sul do Estado está carente de renda e ocupação de mão de obra, em vista disto deveriam ser priorizadas nos investimentos de pesquisa as opções competitivas. Cana-de-açúcar, mandioca, batata-doce, sorgo sacarino e oleaginosas como soja, canola e girassol podem ser reavaliados para duplo propósito, alimentos e biocombustíveis. Milho consorciado com eucalipto ou acácia poderiam ser sistemas que permitiriam renda segura nos anos de desenvolvimento da árvore com grão e posteriormente cortes de madeira até a eliminação da floresta para reiniciar o consórcio. Da mesma forma a pecuária de corte, que ainda predomina na região, ou pecuária leiteira, que vem crescendo de forma perceptível, com pastoreio dentro de matas exóticas, podem render aos produtores dividendos ininterruptamente.
O arroz, que é a cultura mais importante na região, depende de rotação, poderia ser maximizado com estudos de soja, milho e trigo em várzeas, ou mesmo sistemas de pastoreio com espécies que minimizem a compactação causada pelo pisoteio. Seleção de cultivares tolerante à umidade, ou processos de drenagem, mesmo que a produção não alcance o potencial máximo da genética das espécies, a rotação compensaria pela manutenção competitiva da exploração das áreas que alocaria renda e manutenção da ocupação do homem no campo.
A vinda de empresas interessadas em viabilizar usinas de produção de álcool de fontes sacarinas (cana ou sorgo) ou fontes amiláceas (mandioca ou batata-doce) depende de avaliação do potencial destas culturas na região, conhecimento que já é disponível, mas não foram produzidos zoneamentos de risco que permitam iniciar produção e o processamento imediato.
Em suma, grandes mudanças estão ocorrendo, oportunidades são percebidas, parcerias se fazem necessárias para que antes que o problema se consolide soluções sejam disponibilizadas.
Engenheiro agrônomo, diretor-presidente da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro)
(Por Benami Bacaltchuk, JC-RS, 25/05/2010)