O governo boliviano demora para tomar decisões e acrescenta uma quarta condição: a transferência de tecnologia. Mitsubishi e LG, entre outros asiáticos e a brasileira Vale do Rio Doce aguardam resposta. Os franceses do grupo Bolloré procuram tomar a dianteira. A semana que passou foi uma das mais intensas para o futuro da industrialização do lítio e outros metais ligeiros, como o potássio, que, avaliados em centenas de bilhões de dólares, estão prontos para serem despertados de seus sonhos quaternários nos salares do antiplano boliviano.
O consórcio das gigantes francesas Bolloré-Eramet apresentou, na terça-feira da semana passada, pela enésima vez ao governo a sua proposta de industrialização do lítio, indo ao encontro da proposta que a brasileira Vale do Rio Doce enviou com o assessor especial do presidente Lula para investir bilhões de dólares.
Os franceses tentaram chegar rapidamente a um acordo para instalar até metade de 2013 uma usina de carbonato de lítio em Uyuni, à qual seguiriam fábricas de baterias de lítio metálico e de veículos elétricos futuristas. Mas, não estão sozinhos. Afora a brasileira, estão na corrida a Mitsubishi e a Sumitomo do Japão, a Kores (Korea Resources Corporation, estatal) e a LG da Coreia do Sul, o governo russo e também o iraniano.
E, assim como a norte-americana General Motors, interessada em baterias para a sua série de carros elétricos, e de outra proposta chinesa, pouco se conhece das opções apresentadas e menos ainda das respostas do governo.
Tudo está sujeito à decisão do presidente Evo Morales e sua equipe econômica que até agora não deu a conhecer uma contraproposta aos investidores, em conjunto ou em separado, que concretize a estratégia boliviana para a industrialização dos recursos evaporíticos dos salares, lembraram diversos economistas do lítio. Não descartavam possíveis consultas a Caracas, visitada na sexta-feira, dia 29, por Morales, e a Moscou, onde esteve nos últimos dias uma delegação governamental.
Mais tímido que entusiasta, o chanceler David Choquehuanca disse que a nova proposta francesa, adequada ao “viver bem” e aos direitos da terra é “amigável” com a natureza, mas reiterou que o governo ainda não tomou uma decisão sobre o sócio estrangeiro.
Anunciou, além disso, um quarto requisito: a transferência de tecnologia. As outras condições são as seguintes: a soberania, a maioria estatal e a industrialização até baterias e automotores. “A resposta está nas mãos do governo, queremos começar o mais rapidamente possível”, disse em La Paz Thierry Marraud, diretor central do projeto do consórcio Bolloré-Eramet.
Pistas, anúncios e incógnitas
A industrialização dos recursos evaporíticos aponta para a produção no salar de Uyuni, Potosí, não apenas de cloreto e hidróxido de lítio, mas também do próprio lítio metálico para a fabricação de baterias e carros elétricos, com participação privada no máximo de 40-45% a fim de procurar controlar todo o negócio e a cadeia produtiva. E no caso do salar de Coipasa, Oruro, está aprovado um financiamento de 150 milhões para a produção de carbonato de potássio destinado ao mercado mundial de fertilizantes.
O presidente Evo Morales prometeu, em março, que a Bolívia começaria em 2013 a produção de lítio com ingressos de um bilhão de dólares anuais. Mas, salvo este anúncio, e pelo que parece cumpridos todos os requisitos por parte dos investidores – a reserva oficial impede seguir com transparência as negociações – nem o Presidente nem seus ministros estabeleceram prazos e fases, nem montantes de investimento, nem entradas e utilidades para o Estado e as multinacionais, nem muito menos como será realizada a distribuição social da riqueza.
A oferta francesa respeita, e não poderia ser diferente, a soberania nacional e abarca inclusive a fabricação de ônibus elétricos. “Não queremos exclusividade nem monopólio, queremos desenvolver o projeto ao lado do governo e do povo boliviano”, disse Marraud no aguardo também das “regras do jogo”, para o que Morales toma o tempo de que precisa.
E agora?
“As declarações eram previsíveis. Esse é o problema quando se começa a negociar sem contar com uma estratégia”, disse o analista Juan Carlos Zuleta. As três condições presidenciais para negociar com governos e transnacionais eram (“o Presidente lhes disse três eixos”): a soberania do Estado sobre seus recursos, a participação majoritária do Estado no empreendimento e a industrialização na Bolívia, segundo declarou o então ministro da Mineração, Carlos Alberto Echazú.
“Bom, pelo visto o grupo Bolloré-Eramet cumpriu com tudo o que o governo exigia. A pergunta é: ... e agora? Os franceses estão esperando que lhes entreguem o salar o quanto antes para começar os trabalhos. Vários meses atrás, os coreanos vieram com uma oferta similar. Há pouco chegou toda uma comitiva parecida do Japão para apresentar exatamente o mesmo. Com o Brasil aconteceu algo parecido. Continuo me perguntando: no que aposta o Governo? Quando poderá contar com um conjunto básico de propostas que nos deem uma ideia da estratégia nacional para negociar qualquer empreendimento futuro com respeito ao lítio?”.
Na atual conjuntura, o governo procura assimilar os resultados adversos da recente eleição em 10 dos 19 principais colégios eleitorais, e suas vitórias em 23 dos 337 municípios, a maioria pequenos em população e receitas, ao mesmo tempo em que acurrala a ultra-direita, convive com a direita tradicional e enfrenta a esquerda crítica, em um contexto econômico relativamente saudável, mesmo que com um sistema financeiro abarrotado de liquidez, com dinheiro esquecido nos bancos e sem maiores opções de ser canalizado para a produção e a melhoria da qualidade do emprego.
“...parece que interessa mais ao governo começar a ‘brincar de guerritas’, enquanto todos os seus projetos de industrialização de recursos naturais a nível nacional se despedaçam”, disse Zuleta, em concordância com Carlos Miranda Pacheco que se pergunta: “E a industrialização?”, lembrando que no momento, sete anos depois da chamada guerra do gás, não há uma única planta que transforme este recurso de exportação.
Atrasados ou com avanços em reservas?
O contexto sociopolítico boliviano não parece amedrontar os competidores, que observam de esguelha para a segurança de suas utilidades dois conflitos paralelos com outras transnacionais: por um lado, os apuros da indiana Jindal Steel, por demorar o investimento de 2,1 bilhões de dólares para o ferro do Mutún (desembolsou apenas 20 milhões).
Por outro lado, o recente bloqueio dos camponeses na Minera San Cristóbal/Sumitomo, entre outras demandas pelo pagamento de 210 milhões de dólares em 20 anos pela água subterrânea não fóssil com que processa seus concentrados de prata, zinco e chumbo por um bilhão de dólares anuais, herança da Apex Silver que transferiu a mina a céu aberto aos japoneses. No caso dos contratos de mineração, o governo anunciou a “migração” daqueles acordos feitos sob as “leis neoliberais”, para adequá-los à nova Constituição.
Para alívio dos investimentos externos de que a Bolívia necessita (em 2009 a IED baixou 47%), as sul-coreanas LG e Kores – esta já explora em La Paz a mina de cobre de Coro Coro –, participam da corrida pelo lítio boliviano. A Coreia do Sul alberga gigantes tecnológicos como a Samsung ou a LG Electronics, respectivamente segundo e terceiro maiores fabricantes de telefones celulares do mundo.
O lítio é considerado o “petróleo” do futuro. A Coreia trata também de obtê-lo das águas marinhas. O preço do carbonato de lítio duplicou desde 2006 e está sendo cotado a 6.000 dólares a tonelada. O lítio metálico vale 10 vezes mais. O cloreto de potássio custa atualmente 400 dólares a tonelada métrica.
O lítio é utilizado na fabricação de computadores pessoais, máquinas fotográficas digitais e telefones celulares, e se espera que a demanda dispare com o desenvolvimento dos carros híbridos de baterias de íons de lítio.
O voraz interesse do Brasil no lítio e potássio, por sua vez, cujas negociações são encabeçadas por Marco Aurélio Garcia, despertaram dúvidas em setores da esquerda críticos ao presidente Lula. “A isca de Lula oculta o interesse da Vale do Rio Doce para evitar que as 100 milhões de toneladas de reservas de lítio e os dois bilhões de toneladas de reservas de potássio do Salar de Uyuni sejam explorados por companhias norte-americanas, japonesas, russas, chinesas, francesas ou coreanas, sem a participação decisiva do Brasil”, alertou.
O ex-ministro acredita que também Garcia não teve uma resposta positiva rápida: “parece que a transição institucional boliviana dificulta o encontro de altos funcionários com capacidade de decisão, enquanto Evo Morales se encontra preso entre suas ofertas industrialistas com as quais conseguiu sua reeleição e as demandas indigenistas que exigem que cumpra sua proclamada defesa do meio ambiente”, disse em um artigo.
Mais conservadores, os dados oficiais sobre as reservas apontam para 18 milhões de toneladas de lítio, o que representaria 360 milhões de toneladas de potássio. Mas o lítio como matéria-prima só vale 180 dólares a tonelada. Se a Bolívia produzisse 10 milhões de toneladas de cloreto de potássio, cotado atualmente em 6.000 dólares/tonelada, representariam 60 bilhões de dólares ao longo do projeto. E se conseguisse exportar apenas um milhão de toneladas de lítio metálico obteria a fabulosa soma de outros 60.000 dólares.
Sem contar com o potássio, com cujo cloreto cotado a unicamente 400 dólares a tonelada, conseguiria outros 40 bilhões de dólares pela venda de ao menos 100 das 360 milhões de toneladas que se estima estejam depositadas nos salares, acumulando uma soma total que ultrapassaria os 160 bilhões de dólares, uma imensa fortuna que dorme no altiplano enquanto o governo avança com pés de chumbo. Prudência demais, dilação calculada ou falta de estratégia? Talvez só o Presidente saiba.
A Vale do Rio Doce e o potássio
A Vale do Rio Doce, a ciclópea brasileira da mineração, quer investir um bilhão de dólares para produzir especialmente cloreto de potássio. Guillermo Roenlants, secretário do Comitê Científico de Pesquisa para a Industrialização de Recursos Evaporitos da Bolívia, lembrou que se estima que haja 20 vezes mais potássio que lítio nos salares.
As expectativas oficiais apontam 2014 como teto para quando se possa garantir uma produção de até 800 mil toneladas/ano com receitas médias de 350 milhões de dólares, que cobrem as expectativas iniciais do negócio.
Contra várias opiniões adversas, o economista da UCB, Oscar Vargas, sustenta que se deve considerar como prioridade a exploração do potássio para aproveitar a conjuntura de preços e a forte demanda do produto em países que necessitam de fertilizantes e que estão à espera de uma produção suplementar. Entre 2007 e 2009, os preços aumentaram 450%. O potássio é cotado a 550 dólares a tonelada.
Durante a inauguração da Feira de Exposições de Oruro, o presidente Morales anunciou que o Gabinete aprovou 150 milhões em investimentos para produzir lítio e potássio do salar de Coipasa, a leste do Departamento, em território Chipaya. O diretor de Projetos do Ministério da Mineração, Freddy Beltrán, explicou que até final de 2009 seria instalada uma estação experimental para produzir cloreto e sulfato de potássio, insumos utilizados na agricultura.
De acordo com o especialista Carlos Miranda, o plano da YPFB para a futura planta de fertilizantes estipula que 85% da produção seja exportada, e como as vendas via Chile são mais caras, a solução é o mercado brasileiro.
“O Brasil ainda é o maior importador de uréia do mundo (e dado) o interesse brasileiro no potássio do salar de Uyuni para fertilizantes, talvez por aí se possa conseguir uma associação que torne possível uma planta de uréia-potássio... uma sociedade com uma empresa brasileira de fertilizantes poderia abrir as portas do mercado”.
(Por Rolando Carvajal, Rebelión / Cepat / IHUnisinos, 08/05/2010)