A Ação de Inconstitucionalidade (Adin) que visa à revogação dos direitos de titulação de terras aos quilombolas, as agressões sofridas por esta população no norte do Estado e a implementação da Lei 10.639/03 sobre a introdução da História e Cultura Afro-brasileira nas escolas serão temas levados ao ministro interino da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, João Carlos Nogueira, que participará do encontro do Conselho Regional de Serviço Social –ES, na Ufes, na próxima segunda (26).
O ministro, que participará, a partir das 9h, no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), do evento “Igualdade Racial: desafios para a implementação de políticas públicas” com representantes do Movimento Negro, quilombolas, Movimento dos Direitos Humanos, associados do grupo Negros Capixabas, movimentos sociais e afrodescendentes e demais interessados na questão.
A visita do ministro coincide com um momento de incerteza para os quilombolas que lutam pelo direito ao reconhecimento oficial de suas terras e cobram um debate amplo sobre a Adin, impetrada pelo partido Democratas (DEM) com o objetivo de revogar o Decreto 4.4887/03, que regulamenta a titulação de terras quilombolas no Brasil.
Neste sentido, duas reuniões foram agendadas entre o ministro e o Movimento Negro e os quilombolas do Estado. A primeira reunião será para ouvir a demanda dos negros e a segundo dos quilombolas que vivem no norte do Estado.
Segundo o secretário municipal de Combate ao Racismo do Partido dos Trabalhadores (PT-ES) e integrante do Movimento Negro, Mozart José Serafim, os negros irão cobrar a implementação da Lei 10.639/03, que prevê a inclusão da história e cultura afro-brasileira na grade escolar. Criada há sete anos, a lei prevê, em estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, ser obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, o que inclui a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política.
Os temas deveriam ser inseridos nos ensinos da Educação Artística, Literatura e História brasileira, mas, segundo os negros, nas escolas capixabas isso não vem sendo feito.
Já os quilombolas levarão ao ministro notícias sobre o julgamento da Adin pelo STF, previsto para os próximos dias. Se aprovada a revogação do decreto, os descendentes de escravos terão seu direito às terras tradicionalmente de quilombolas negado.
Moradores da região do Sapê do Norte, que abrange os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, informam que os quilombolas estão preocupados e ansiosos por um debate amplo sobre o assunto.
Em reunião com Nogueira, os quilombolas deverão ressaltar principalmente a necessidade de um debate que discuta os direitos dos negros reconhecidos pela Constituição Brasileira e pelo decreto contestado pelo DEM. Através de uma petição on-line (assinada até o momento por 3.604 pessoas), os quilombolas estão cobrando uma audiência pública com o ministro Cezar Peluso, presidente do STF e relator da Adin, para debater caso.
Os descendentes de escravos alertam que a pressão em favor da revogação do decreto é grande, já que viabilizaria a permanencia em terras tradicionalmente quilombolas de grandes grupos econômicos, como latifundiários, empreiteiras, empresas mineradoras e de celulose, ramo hoteleiro, entre outros.
No Estado, por exemplo, a ex-Aracruz Celulose (Fibria) ocupou áreas tradicionalmente quilombolas há mais de 40 anos através de favores do regime militar. Desde lá, os negros vivem ilhados dentro de fragmentos de suas terras, enquanto o restante está ocupado pelo plantio de eucalipto. Acoados após tentarem reaver suas terras, eles vivem vigiados também pela segurança armada da ex-Aracruz Celulose, que conta, inclusive, com o apoio da Polícia Militar.
A ‘parceria’ entre a segurança armada da ex-Aracruz Celulose (Fibria) e da polícia local será também um dos pontos debatidos pelos quilombolas com Nogueira. Durante a reunião, os descendentes de escravos irão denunciar os abusos sofridos pela comunidade através de ações truculentas, incentivadas, inclusive, pelo Movimento Paz no Campo, que representa proprietários de grandes propriedades na região.
Articulação
Além do encontro com o ministro da SEPPIR, a informação é que a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, deputada Iriny Lopes (PT-ES), também anunciou que irá marcar uma reunião com a Advocacia Geral da União (AGU) para tratar da defesa do Estado em favor dos quilombolas, A reunião na AGU foi solicitada nessa terça-feira (18), após uma reunião da presidente da CDHM com a coordenadora do Programa Quilombola no Incra, Domingas Dealdina.
Além de movimentos sociais organizados, a constitucionalidade do Decreto 4.887 de 2003 é defendida pela Advocacia Geral da União, pela Procuradoria Geral da República, por organizações da sociedade civil, pesquisadores de instituições de ensino superior e juristas.
Ainda na década de 1970, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado. Atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos cerca de 1,2 mil famílias. Sem suas terras e vítimas dos impactos ambiental, social e econômico causados pela monocultura do eucalipto, e ainda de violência praticada pela ex-Aracruz, os negros encontraram na produção de carvão o único meio de subsistência.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 22/05/2010)