Lideranças quilombolas, organizações de direitos humanos e associações de profissionais e acadêmicos continuam, como fizeram nos último cinco anos, lutando por uma audiência pública junto ao ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal de Federal (STF) e relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). A ação foi impetrada pelo partido Democratas (DEM), que quer a revogação do decreto 4.887/03 que regulamenta a titulação de terras quilombolas no Brasil.
Ao todo, 3.604 pessoas já assinaram a petição on-line com um texto do professor Boaventura de Sousa Santos, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. No documento, ele alerta para o compromisso do País, através da Constituição de 1988, com a preservação da memória e do patrimônio dos “diferentes grupos formadores da sociedade”. A Constuição de 1988 reconheceu a propriedade definitiva dos “remanescentes de comunidades de quilombos” às terras que ocupam.
Entretanto, pressão em favor da revogação do decreto que viabiliza a atuação do estado através de um procedimento de titulação de terras quilombolas – feito dentro de parâmetros internacionais e respeitando o direito de defesa a quem se opõe à titulação – é grande e conta com apoio e a articulação política de grandes grupos econômicos, como latifundiários, empreiteiras, empresas mineradoras e de celulose, ramo hoteleiro, entre outros, que em grande parte ocupam áreas tradicionais no País.
No Espírito Santo, por exemplo, milhares de hectares de terras indígenas e quilombolas foram tomadas pela ex-Aracruz Celulose (Fibria), que destruiu a mata atlântica na região e obrigou as comunidades a viverem ilhadas entre os eucaliptais sem meios de se manter e submetidas a ameaças e ao risco de perderem ainda mais terras para a empresa.
Além da petição on-line enviada ao presidente do STF, a presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, deputada federal Iriny Lopes (PT-ES), também anunciou que irá marcar uma reunião com a Advocacia Geral da União (AGU) para tratar da defesa do Estado em favor dos quilombolas, A reunião na AGU foi solicitada nessa terça-feira (18), após uma reunião da presidente da CDHM com a coordenadora do Programa Quilombola no Incra, Domingas Dealdina.
O debate pretendido pelas entidades, segundo a petição, deve ser realizado com a presença de todos os atingidos pela questão e abordar os direitos das comunidades quilombolas à terra, questões jurídicas, econômicas e antropológicas fundamentais para a melhor compreensão dos argumentos apresentados por ambos os lados.
Além de movimentos sociais organizados, a constitucionalidade do Decreto 4.887 de 2003 é defendida pela Advocacia Geral da União, pela Procuradoria Geral da República, por organizações da sociedade civil, pesquisadores de instituições de ensino superior e por juristas.
As ações que discutiam procedimentos de titulação de terras quilombolas tiveram apreciações de diferentes tribunais, que confirmaram a constitucionalidade do decreto – como a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a comunidade de Marambaia, no Rio de Janeiro (STJ, Recurso Especial 931060).
Ainda na década de 1970, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado. Atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos cerca de 1,2 mil famílias. Sem suas terras e vítimas dos impactos ambiental, social e econômico causados pela monocultura do eucalipto, e ainda de violência praticada pela ex-Aracruz, os negros encontraram na produção de carvão o único meio de subsistência.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 20/05/2010)