Os produtores de soja decidiram recorrer ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra alegadas práticas de “manipulação” e “imposição de regras” adotadas pela multinacional Monsanto no mercado nacional de sementes geneticamente modificadas de soja.
Até então aliados da empresa na luta pela aprovação da soja transgênica no Brasil, os produtores costuram agora uma frente de “resistência global” à Monsanto em conjunto com sojicultores de Argentina e Estados Unidos. Os produtores acusam a multinacional de “cobrança abusiva” de royalties sobre as sementes de soja por meio da adoção de um adicional sobre a produtividade das lavouras.
“Se você produzir acima da média de 55 sacas por hectare, tem que pagar um adicional de 2%. Se misturar com convencional, também paga. Eles querem fazer papel de governo. Vamos ao Cade conversar sobre isso”, afirma o recém-empossado presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Glauber Silveira da Silva.
Os produtores também afirmam que a empresa tem atuado de forma “ilegal” ao impor restrições sobre a produção de soja convencional em acordos com sementeiros. “A Monsanto está fazendo o mercado. Ela obriga os sementeiros a produzir um mínimo de 85% de transgênicos e quem quer produzir convencional tem dificuldade para achar semente. Daqui a pouco, não teremos mais essa opção”, aponta Silveira, que cultiva 6 mil hectares de soja, girassol e eucalipto em Campos de Júlio (MT).
A Aprosoja Brasil também avalia questionar, no governo, a validade da patente da tecnologia transgênica “Roundup Ready” no Brasil. “Quando acaba a patente deles?”, indaga. Consultada sobre as acusações e as intenções dos produtores, a Monsanto preferiu não comentar o caso.
A solução para o impasse seria, segundo a Aprosoja Brasil, a unificação das duas formas de cobrança do royalty e a regionalização da arrecadação por cada Estado. “Uma regra geral para todo o país prejudica o produtor que anda na linha”, afirma Glauber Silveira. A disputa entre produtores e Monsanto se arrasta desde o ano passado, quando a multinacional elevou os valores cobrados pela tecnologia. O valor passou de R$ 0,35 para R$ 0,44 por quilo de semente.
Se for flagrado com transgênico em sua carga, o produtor tem que pagar uma multa por “uso não autorizado” de 2% sobre todo o valor da produção. Além disso, sustentam os produtores, pagaria-se um adicional de 2% a título de adicional de produtividade. “É muito controle”, diz Glauber Silveira.
Para reforçar suas posições políticas, a Aprosoja Brasil também decidiu incentivar os produtores a “entrar” na campanha eleitoral de candidatos vinculados ao setor rural. “Tenho andado pelo Brasil e incentivado os produtores a se envolver com política. Temos que trabalhar pelos nossos candidatos, fazer campanha, ajudar financeiramente”, prega Glauber Silveira.
Em Mato Grosso, onde há 4 mil sojicultores, os produtores esperam ajudar na eleição do ex-governador Blairo Maggi ao Senado e de três deputados federais e cinco deputados estaduais. “Eles defendem a nossa bandeira. Mas estaremos abertos a todos os demais”.
Não menos importante para os produtores serão os estímulos a uma nova rodada de renegociação das dívidas rurais, sobretudo uma parcela de R$ 10 bilhões derivadas de programas de investimento. “Tem um bom ambiente para negociar. Esse governo, que está há quase oito anos, não resolveu o nosso problema”, diz Silveira. Para ele, a “dívida de câmbio” foi causada pela variação e o descasamento das cotações do dólar nas épocas de plantio e colheita da safra.
“Tivemos prejuízo em duas safras e o governo deixou de interferir no câmbio. Em três anos, investimos R$ 10 bilhões em novas áreas e maquinário. Aí, não tem como resolver”, afirma. Alguns produtores, segundo ele, até já saíram da atividade, cedendo suas terras a grandes grupos e conglomerados do campo. “Mas essa dívida ficou para trás, sem solução até agora”.
(Por Mauro Zanatta, Valor Econômico, EcoDebate, 20/05/2010)