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2010-05-20 | Tatianaf

O multimídia André Trigueiro, jornalista com uma experiência singular na área da sustentabilidade, fez uma palestra que comoveu a platéia no último dia da Conferência do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, 14 de maio. Apresentador do Jornal da Dez, da Globo News e do quadro Mundo Sustentável, da rádio CBN, André também ajuda a formar novos profissionais como professor de Jornalismo Ambiental da PUCRJ.  Autor de três livros, sendo que o último une os temas “Espiritismo e Ecologia”, edita e apresenta o programa “Cidades Soluções”, também da Globo News, revela, com exclusividade para a Envolverde, opiniões que vão muito além das notícias que apresenta na emissora onde trabalha.

Qual é a sua avaliação sobre a transição para uma economia de baixo carbono? Quem você  acha que está cumprindo melhor esse dever, a iniciativa privada, governos locais, ONGs?
Depende de que lugar do mundo a gente prestar atenção. No Brasil,  tem uma confusão em relação à regulação. Acho que tem muitas organizações estatais dando pitaco sobre qual deve ser a melhor configuração da matriz energética, se ouve falar do Ministério de Minas e Energia, Petrobras, Eletrobrás, Aneel. E nesse momento, o governo tem a determinação de levar em frente projetos de grandes hidrelétricas na Amazônia a toque de caixa. Isso não é bom, deixa no ar informações que não foram devidamente apuradas gerando incerteza tanto em relação ao custo da obra, quanto aos impactos gerados.

Estou falando de Belo Monte e da dificuldade de justificar para sociedade brasileira porque a pulverização da matriz energética, aqui encontra, ao que parece, alguma exigência. O país vai crescer muito nos próximos anos, o governo está com a corda no pescoço, tendo que construir uma Belo Monte a cada dois ou três anos. Esse debate é sempre levado com muita pressa e pouca transparência, pouca participação da sociedade na descoberta de alternativas ou um melhor desenho dessa nova matriz.

Diante desse contexto, as organizações não governamentais socioambientais estão conseguindo mostrar melhor pra sociedade o que tudo isso significa?

Eu acho que há um certo radicalismo de algumas organizações. Por exemplo, não existe energia limpa. Hidrelétrica gera impactos violentos. Na Alemanha, vi um movimento contra fazendas de vento porque geram muito ruído. Quando se concentra aerogeradores em um campo idílico perto da natureza, quem mora no campo não suporta o ruído das wind farm plants. É preciso ter essa clareza de que não dá para agradar a todo mundo sempre.

Algumas organizações ambientalistas estigmatizam tremendamente, por exemplo, a construção de hidrelétricas de grande porte. Entretanto, é preciso fazer a conta. Em algum momento a gente vai ter que chegar a um projeto que compreenda o aproveitamento da água como fonte de energia renovável, o que vai gerar algum tipo de impacto. A questão não é não gerar impacto como algumas organizações idealizam. Solar e eólica não são fontes firmes de energia. É preciso ter clareza de que elas chegam bem como fonte complementar em alguns lugares, para não ser refém só de hidrelétricas, térmicas ou nucleares. O radicalismo nesse debate não ajuda.

E o que está sendo feito em relação à eficiência energética?

Pouco. Não é o discurso dominante. Acho que o governo central não desenvolve grandes campanhas, não define políticas públicas em direção à eficiência. A intenção desse governo é marcar uma diferença em relação ao passado, ao governo do “apagão”. Ao que parece, há um receio de defender a eficiência energética, que isso seja confundido com alguém que esteja acuado, frágil, que não esteja dando conta do recado e tenha que apelar para as pessoas físicas ou jurídicas não usarem tudo aquilo que poderiam usar de energia. Isso é uma hipótese. Estamos em dívida com a sociedade brasileira, o Brasil não despertou, não acordou para a urgência de uma política pública grande que se resolva em diferentes frentes na direção da eficiência energética.

E a questão da fragilização da legislação ambiental? Você acha que o governo é  comprometido com uma política para a sustentabilidade?

Eu acho que é inevitável o conflito. O governo tem um discurso dúbio e a sinalização não é clara em relação à forma como se enxerga o modelo de desenvolvimento. PAC é um nome infeliz pra um programa de governo que só tem pelo nome o compromisso com a aceleração do crescimento e não se compromete publicamente no nome com a sustentabilidade. Quando se coloca o projeto da regulação dos recursos do Pré-sal em urgência no Senado para ser votado a toque de caixa, há uma complexidade enorme que vai definir os próximos 50 anos no Brasil. É um projeto que precisa ser acordado pela vontade do governo e em poucos meses define o destino de um país. Não faz sentido, pressa, açodamento, PAC.

Tudo isso significa que garantias de qualidade ambiental estão em perigo?

Sim. Mas voltando a pergunta original, a gente não pode ser idealista a ponto de acreditar em um modelo de desenvolvimento que não gere impactos. A questão é: quais impactos são suportáveis, inevitáveis? E aí um regime republicano federativo como o Brasil, onde o poder é vertical, a figura do presidente da república ainda concentra muito poder.

É preciso ter clareza do rumo. Até aqui, no que diz respeito a energia, vejo que existe uma pressa. E em ano eleitoral isso se agrava. O futuro a médio e longo prazo do Brasil em relação à forma como se toca esse campo não é bom. É preciso ter mais serenidade na hora de planejar, executar e conversar. Esse é o lado bom do período eleitoral. Candidatos vão apresentar propostas. Se tiver segundo turno, que eu torço que tenha, eles conseguem afinar as propostas, construir alianças e o próximo presidente, seja ele quem for, estará melhor alicerçado, embasado, pra apresentar uma melhor política. Não que haja um consenso, mas que as correntes de especialistas, do terceiro setor, do setor privado, do governo sentem, conversem e ajustem quais os impactos suportáveis, toleráveis e inteligentes que se pode ter.

E sobre o papel da imprensa nisso tudo, você acha que está se dando a atenção apropriada a esses assuntos, como a definição da matriz energética?

Houve avanço e há um processo de maturidade da mídia em relação à ordem de grandeza que os assuntos ambientais merecem. Estamos hoje muito melhores do que já estivemos. Mas ainda há muita desinformação. O Brasil é muito grande e a mídia não está presente no Brasil. Principalmente as mídias impressa e eletrônica que tem pegada forte em São Paulo, Rio e Brasília. Fora dessas três cidades, só abre espaço para Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Manaus e Belém quando é um assunto que lembre que aquele lugar seja exótico, extraordinário, inusitado. A mídia não cobre bem o Brasil. O Brasil é desigual e a cobertura da mídia também.

Quando o assunto é meio ambiente há outras singularidades que vão na direção do analfabetismo ambiental, da dificuldade de se produzir pautas menos óbvias e criativas, o custo da reportagem investigativa. Quantas empresas de comunicação ou mídias menos sofisticadas tem fôlego pra enviar um repórter para uma área distante, como o Xingu, para ver de perto, fazer uma apuração? O custo operacional de uma reportagem investigativa, problemas de logística, é preciso investimento. Significa tirar uma ou mais pessoas da pauta do dia a dia para ficar uma semana, dez dias, um mês cuidando de um assunto.

O que acontece? Falta dinheiro, não há projetos?

Não é isso. É uma visão empresarial e daí você vai ter que conversar com cada diretor de redação e perguntar qual espaço ele está abrindo no seu dia a dia para uma reportagem investigativa de qualquer ordem, pode ser policial política, econômica.

E qual é o impacto do “Cidades e Soluções” nos municípios?

A exibição do programa, tanto na Globo News, quanto no canal Futura, no sinal aberto da parabólica da Globo, na Globo internacional e no site, onde o programa fica hospedado por um ano tem tido retorno de gestores públicos, tanto do legislativo, como do executivo. O programa fomenta mudanças de rotina, uma nova maneira de planejar as atividades. É muito interessante perceber que as soluções existem, elas são replicáveis. Onde não se quer inventar a roda por vaidade, por pretensão de querer ser cultuado como aquele que resolveu o problema porque teve uma brilhante idéia. Boa parte dessas soluções não implica num custo maior, elas dão resultado efetivo, e elas mostram que na verdade não há falta de projeto, não há falta de solução. Há, talvez, falta de interesse em conhecer o que está acontecendo aqui no Brasil.

(Por Silvia Marcuzzo, Agência Envolverde, 19/05/2010)


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