A meta de obter um tratado internacional com força de lei para conter emissões de CO2 parece impossível no curto prazo, mas a nova chefe da UNFCCC (Convenção do Clima da ONU) diz que isso não é motivo para governos ficarem esperando. Para a costa-riquenha Christiana Figueres, 53, os países têm muito a fazer por fora buscando metas mais ousadas de cortes de emissões.
Figueres assume a partir de 1º de julho a missão de costurar um acordo que ampliará e substituirá o Protocolo de Kyoto após 2012. Ela procurará ao mesmo tempo restaurar a credibilidade da ONU no processo, que foi perdida após o fiasco da conferência do clima de Copenhague, em dezembro.
O resultado culminou com a demissão do secretário-executivo da convenção, o holandês Yvo de Boer. Figueres disputava o cargo com o sul-africano Marthinus van Schalkwyk, apoiado pelo Brasil e por outros países emergentes. Após vencer, teceu elogios à posição brasileira nas negociações.
Sua indicação foi decidida após pressão das nações-ilhas sobre a ONU. Esses países queriam à frente da UNFCCC um representante de um país pequeno em desenvolvimento. Filha do ex-presidente da Costa Rica José Figueres Ferrer, a nova chefe da convenção é negociadora de clima do país desde 1995. A Costa Rica ajudou a formular a proposta que deu origem ao Redd (o mecanismo de redução de emissões por desmatamento).
"Ela é experiente e muito respeitada nos meios internacionais", diz Luiz Gylvan Meira Filho, especialista em negociação de clima da USP. "É transparente, descomplicada e objetiva", segundo Suzana Kahn Ribeiro, ex-secretária brasileira de Mudança Climática.
Em entrevista à Folha, Figueres criticou Copenhague e disse que a meta assumida pelos países de limitar o aquecimento global em 2 ºC não garante a sobrevivência das nações-ilhas. Leia abaixo:
Folha - A sra. assume a UNFCCC logo após a decepção no encontro de Copenhague. O encontro de Cancún no fim deste ano poderá superar o entrave que surgiu em 2009?
Christiana Figueres - Assumo a convenção do clima em um momento difícil, que é também um momento de oportunidade. Houve algum progresso em Copenhague, que dependeu da seriedade e da vontade por parte de todos os países para avançar no combate à mudança climática. Falo aqui de promessas com relação ao financiamento de curto prazo [auxílio climático a países pobres], da redução das emissões por desmatamento, e da estrutura para adaptação.
Folha - A Europa parece ter desistido da pressão por um acordo global com força de lei para obrigar os países a reduzirem emissões. Um acordo apoiado apenas em ações voluntárias seria eficaz?
Figueres - É direito e obrigação dos países que participam da negociação definir a que tipo de acordo deveremos chegar, e em que momento. Sinto que há um impulso agora diante de Cancún para responder à atenção que tem tido o possível formato do acordo, algo em que concentramos muitos esforços nos últimos anos. Poderemos agora complementar esses esforços com um esforço para fixar um objetivo para enfrentar a mudança climática. Já há passos concretos. Por isso, me parece que os países não estão focados no formato do acordo, mas em um esforço complementar, que no momento apropriado vai permiti-los regressar à discussão sobre o formato do acordo.
Folha - A sra. é a primeira chefe da UNFCCC vinda de um país em desenvolvimento. Isso sinaliza que o peso desses países aumentou na negociação do novo acordo do clima?
Figueres - Se alguém quiser enxergar isso dessa maneira, posso dizer que sim. Isso denota o reconhecimento internacional do papel importante que têm os países em desenvolvimento no desafio da mudança climática. É claro que um grande crescimento de emissões vai ocorrer nos países em desenvolvimento, porque são eles que ainda tem crescimento econômico à frente. Mas justamente por isso eles têm grande oportunidade de contribuir com soluções, ainda que essas oportunidades estejam ligadas a um grande desafio, pois os países em desenvolvimento têm como prioridade o crescimento. A ciência, porém, exige deles que tenham crescimento de maneira eficiente em carbono [gerando mais energia por tonelada de CO2 emitido]. Isso é uma restrição que países industrializados não tiveram, por isso devem ajudar países em desenvolvimento no desafio.
Folha - O mundo continuará dependo do progresso doméstico dos EUA para avançar no acordo?
Figueres - Vamos ver como vai terminar essa discussão. Na semana passada foi apresentada uma versão para a legislação [interna] nos EUA que os obrigaria a reduzir emissões em 17%, conforme prometeu o presidente Obama. Isso ainda é um esboço que tem de passar por todas as instâncias legislativas no país. O que é certo é que realmente há um compromisso por parte do governo dos EUA de participar das negociações.
Folha - O encontro de Copenhague começou numa tentativa de impor metas nacionais para cortes de emissões, mas acabou sem chegar nem sequer a uma meta global. Em Cancún isso será corrigido?
Figueres - O acordo do qual se tomou nota em Copenhague determina que o acréscimo na temperatura média de 2 ºC deve ser evitado. Esse é o nível que se estabeleceu porque, para algumas partes, era o politicamente aceitável. Mas é preciso lembrar duas coisas. Uma, as promessas de mitigação que estão sobre a mesa não chegam a garantir o limite de 2 ºC. Se estagnarem nesse patamar, a temperatura terá acréscimo entre 3 ºC e 3,9 ºC. Além disso, esses 2 ºC não garantem a sobrevivência dos estados em situação mais criticamente vulnerável. Isso significa que todos os países terão de se esforçar mais e aspirar a uma ambição maior de mitigação no momento em que ainda podemos enfrentar o problema.
Folha - Houve progresso nas negociações de Redd, mas há ainda uma discussão sobre o quanto esse mecanismo pode gerar de créditos de carbono. Qual é o limite?
Figueres - Nessa área, é preciso antes de tudo reconhecer a liderança que tem exercido o Brasil, país que tem um dos maiores desafios diante das emissões por desmatamento.
Já existe efetivamente um acordo de Redd bastante maduro que se pode finalizar e fechar em Cancún. Me parece que devemos adotar vários mecanismos financeiros. O mercado pode ser um deles, mas precisaremos de mecanismos que não são de mercado para que o Redd seja eficaz.
(Por Rafael Garcia, Folha Online, 18/05/2010)