Sessenta e cinco milhões de anos depois do fim da era dos dinossauros, o mundo poderá testemunhar a segunda maior extinção em massa de répteis. No entanto, ao contrário do que ocorreu com os animais pré-históricos, vítimas de um fenômeno natural sobre o qual não há consenso científico, desta vez, o culpado será o homem. Um estudo inédito publicado ontem na revista especializada Science mostra que, devido ao aquecimento global desenfreado, 40% das populações de lagartos dos cinco continentes desaparecerá até 2080. Isso significa 20% de todas as espécies do réptil, sendo que 12% já foram exterminados. Reportagem de Paloma Oliveto, no Correio Braziliense.
A pesquisa, liderada pelo professor de ecologia evolutiva e biologia da Universidade da Califórnia Barry Sinervo, contou com a colaboração de 26 especialistas provenientes de 11 países, incluindo o Brasil. Depois de constatar, em estudos de campo, que as populações de lagartos da Península de Yacután, no México, estavam desaparecendo, Sinervo decidiu entrar em contato com outros pesquisadores para, então, comparar os dados. O estudo publicado ontem é resultado da análise de 30 anos de trabalhos científicos e, de acordo com Carlos Frederico Duarte da Rocha, professor de ecologia Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que participou do grupo de Sinervo, não restam dúvidas de que a extinção dos lagartos vem sendo provocada pelo aquecimento global.
Rocha explica que, diferentemente dos seres humanos e de outros mamíferos que conseguem manter sua temperatura corporal constante mesmo quando há variações no ambiente, o lagarto usa as fontes ambientais para fazer a termorregulação. Pela manhã, ele fica exposto ao sol e é nesse turno que o animal caça, acasala, alimenta-se e defende seu território. À medida que a temperatura local aumenta, o animal volta para a toca. Caso contrário, morre por superaquecimento. “A pesquisa mostra que o número de horas que ele consegue ficar exposto, fora da toca, é cada vez mais restrito. Sem se alimentar e se acasalar, por exemplo, as populações vão sendo extintas”, diz.
O pesquisador conta que, em algumas áreas estudadas, devido ao aumento anormal da temperatura, os lagartos precisavam voltar para suas tocas quatro horas antes do normal. “Isso é o suficiente para colocar uma população à beira da extinção”, aponta. Nos locais onde espécies já desapareceram, a equipe de cientistas comprovou que o tempo máximo de segurança no ambiente diminuiu cerca de nove horas.
As medições foram possíveis devido a um simulador desenvolvido pelo grupo de pesquisadores. Um manequim térmico que reproduzia a constituição orgânica do lagarto era exposto ao sol, tanto em locais onde as populações ainda estão em crescimento quanto nas que já houve extinção, durante quatro meses. Depois desse período, foi calculado o número de horas ou dias que o calor do sol impediria os lagartos de sair da toca, em diferentes partes do globo.
No Brasil, uma das espécies que correm risco é o lagartinho-branco-da-praia (Liolaemus lutzae), endêmico do Rio de Janeiro. Das 25 populações que vivem no estado, sete — ou 28% — já desapareceram. Rocha explica que o extermínio dos lagartos não pode ser atribuído à devastação do habitat dos répteis. “A maioria dos locais estudados são reservas ou parques protegidos e, mesmo assim, as populações estão se extinguindo”, afirma.
De acordo com Rocha, a única explicação possível é o aumento da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, que está em ritmo acelerado desde a Revolução Industrial, no século 19. O pesquisador também afirma que, nos últimos 30 anos, os lagartos não conseguiram se adaptar ao excesso de radiação e, com isso, sobreviver, às mudanças da temperatura. “Quão rápido os lagartos conseguirão se adaptar ao aumento da temperatura global? Essa é uma questão importante. O que estamos vendo, na realidade, é um movimento de diminuição das espécies, e se elas não conseguirem se adaptar rapidamente, vão continuar a se extinguir”, alerta Barry Sinervo, por meio da assessoria de imprensa da Universidade da Califórnia.
Desequilíbrio
Outro coautor do estudo, Jack Sites, professor de biologia da Universidade de Brigham Young, nos Estados Unidos, lembra que o desaparecimento dos répteis pode trazer um grande desequilíbrio ecológico, já que esses animais são caçados por pássaros e cobras, além de predadores de insetos. O fim das espécies quebraria a cadeia alimentar. Ele reforça a teoria de que o excesso de carbono na atmosfera é o culpado pela extinção dos lagartos. “O calor não os mata, mas os impede de se reproduzirem , reduzindo as populações”, explica em entrevista ao Correio.
Além disso, como o mesmo fenômeno foi observado nos cinco continentes, Sites afirma que não restam dúvidas de que o vilão é o aquecimento global. O pesquisador conta que o resultado da pesquisa foi muito desanimador. “É um sentimento terrível. Quando vi os dados pela primeira vez, pensei: ‘Pode isso estar realmente acontecendo?’. Foi uma descoberta muito importante, mas também deprimente.”
Os pesquisadores que assinam o estudo alertam que é possível frear a extinção dos lagartos, mas somente se forem tomadas atitudes urgentes no sentido de reduzir as emissões de dióxido de carbono. “Se os governos mundiais pudessem implementar uma mudança robusta para limitar nossas emissões, então a curva (de extinção) poderia declinar, evitando o desaparecimento de muitas espécies até 2050. Mas tem de haver um esforço verdadeiro. Não quero ter de contar aos meus filhos que tivemos a chance de salvar os lagartos, mas não o fizemos. Quero fazer o melhor para salvá-los enquanto isso for possível”, conclui Sinervo.
Para Rocha, da Uerj, o estudo serve de alerta para o fato de que o mesmo processo pode estar ocorrendo com outras espécies de fauna e da flora, sem que a ciência tenha se dado conta disso. “A pesquisa pode incentivar os cientistas a aprofundar os estudos sobre diversos grupos. Se nada for feito a respeito do clima, teremos outras grandes extinções maciças”, lembra. O próprio extermínio dos lagartos já causaria um desequilíbrio ecológico desastroso, pois eles são presas importantes para diversas aves, serpentes e outros animais, que, com menos alimentos, também estarão ameaçados.
(EcoDebate, 18/05/2010)