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carvão vegetal bambu
2010-05-17

Quando desembarcar em Moçambique, ainda neste mês, o professor Antonio Ludovico Beraldo, diretor associado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), levará na bagagem tecnologias para fabricação de equipamentos e metodologia de construção não-convencional, além da técnica para a produção de carvão vegetal a partir do bambu. Essa transferência de conhecimento faz parte de um acordo de cooperação técnica de desenvolvimento urbano existente entre o Brasil e o país africano e tem como parceiro principal a Caixa Econômica Federal (CEF).

Beraldo explicou que, durante a passagem de uma comitiva africana pela Unicamp, ficou evidente o interesse deles sobre o trabalho desenvolvido pela Feagri com o bambu em construções, uma vez que lá existem espécies nativas em grande escala. Principalmente, dois equipamentos chamaram a atenção: o de fabricar tijolo prensado de solo-cimento e o que produz telhas onduladas de microconcreto – em ambos os casos, é usado bambu ralado na composição. O uso desses tijolos e telhas, de acordo com o docente, barateia a construção de casas, substituindo tijolos e aço, podendo inclusive ser utilizados na fundação e nas estruturas das residências. “De fácil cultivo, o bambu chega a crescer mais de um metro em apenas 24 horas e, em muitos casos, no prazo de quatro anos já pode ser utilizado”, afirmou Beraldo.

Além disso, mais do que simplesmente levar duas máquinas para Moçambique, Beraldo e outro docente, Antonio José da Silva Maciel, especialista na área de projetos de máquinas, resolveram ensinar aos africanos a concepção de máquina desde o software AutoCAD até a produção em escala semi-industrial, com a ideia de gabarito.

Acima e abaixo, cenas de Moçambique: casa de pau-a-pique, fogão improvisado e bambu nativo (Foto: Divulgação)O diretor associado da Feagri esteve visitando Moçambique, pela primeira vez, em setembro de 2009. Lá, constatou a existência de um bambu nativo de pequeno diâmetro, porém, praticamente maciço. Percebeu ainda que o povo daquele país, em regiões mais afastadas da capital, Maputo, tem tradição em cozinhar alimentos somente com carvão. “Eles não usam lenha, tampouco gás”, disse. Beraldo esteve em Namialo, no norte do país, perto da fronteira com a Tanzânia. Segundo o docente, a região remete ao Brasil colonial, com casas de pau-a-pique, geralmente construídas com bambu, inclusive telhados e colunas. De maneira geral, utilizam carvão vegetal extraído de pequenas árvores, com dois a três centímetros de diâmetro. A partir dessa constatação, imaginou que a devastação na área florestal do país vem se acentuando ano a ano. “Então pensei: por que não usar o bambu nativo, que é quase maciço, para fazer carvão?”, indagou. Esse fato inclusive chamou a atenção dos moçambicanos, uma vez que eles nem imaginavam que isso seria possível.

A idéia é desenvolver pequenas unidades artesanais para cozimento do bambu e, ao mesmo tempo, incentivar a plantação de outras espécies. Isso ajudaria muito porque, segundo Beraldo, as pessoas têm costume de passar o dia todo atrás de carvão. Foi desenvolvido então, nas dependências da Feagri, um pequeno forno piloto para testes preliminares. A aposta consiste num forno de recipiente metálico, uma vez que se houvessem tijolos para construir fornos, eles certamente seriam usados na construção de casas. “Os primeiros testes utilizando um tambor metálico consumiram aproximadamente três horas para a produção de carvão. Esse tempo é muito curto se comparado aos métodos tradicionais de fabricação. O resultado foi bastante razoável”, explicou.

Outros testes estão sendo realizados com o intuito de encontrar o tempo ideal de produção do carvão. Um dos segredos está na abertura, uma vez que, se ela for muito grande, produzirá calor em excesso e o carvão ficará irregular. “Estamos aprendendo como se faz essa alimentação, pois o tempo de cozimento é diferente para cada tipo de bambu”, contou Beraldo.

Similar ao carvão de eucalipto em termos de poder calorífico, a grande vantagem do bambu está na sua perenidade, ou seja, pode ser cortado todo ano sem nunca mais precisar ser replantado, diferentemente da madeira de reflorestamento.

Extrato
O carvão é apenas um dos produtos extraídos do tratamento térmico dado a um vegetal. O produto mais valioso é o extrato pirolenhoso, caracterizado pela decomposição térmica de materiais que contêm carbono, na ausência de oxigênio. Durante a queima, o vegetal se decompõe em três fases distintas. A primeira delas é a sólida, ou seja, o carvão vegetal. A segunda fase é a gasosa e a terceira, a líquida, chamada de extrato pirolenhoso. Após meses de decantação, surge um produto com alto valor para a adubação de culturas e, também, para o combate de insetos.

Beraldo explicou que nesse momento não está nos planos recuperar o extrato pirolenhoso da produção moçambicana, no entanto, se alguém quiser agregar tecnologia precisa pensar em “ensacar a fumaça”, como ele mesmo disse. Essa não é uma técnica nova, muito pelo contrário, já era utilizada há séculos na China, para defumar produtos em cima do fogão a lenha. Outra aplicação dessa fumaça é que ela envenena a madeira, protegendo contra o ataque de cupins e prolongando por muitos anos sua vida útil. “Na construção civil, isso significa muito”, observou.

O professor Antonio Ludovico Beraldo, da Feagri, mostra telha produzida a partir do bambu: barateamento da construção (Foto: Antoninho Perri)Há muita coisa a ser feita em Moçambique, disse o docente. O setor agropecuário ainda é incipiente e seu crescimento demanda investimentos. “Acredito que o solo seja bom em termos agrícolas. É preciso buscar parcerias para crescer”, disse. O mais importante, de acordo com Beraldo, é que a Unicamp esteja levando para o país africano um conceito de projeto e concepção de equipamentos.

Rodolfo Gomes da Silva, aluno de mestrado e orientando de Beraldo, acompanhará o docente na próxima viagem a Moçambique. Ele afirmou que o objetivo é trocar experiências a respeito do bambu com as comunidades locais que já possuem um conhecimento prévio sobre o assunto. “Nós aqui temos algumas técnicas a respeito do uso do bambu, tanto para produção de mudas quanto para o uso em construção”, disse.

O importante é notar que são técnicas baratas e que a situação atual da África, como um todo, é de grande escassez de recursos financeiros, portanto, técnicas baratas como o extrato pirolenhoso podem ser usadas tanto no tratamento da madeira para aumentar a durabilidade das construções como na movelaria. Além disso, ele lembrou outros usos, como no caso da agricultura, utilizado como defensivo agrícola.

Tradicionalmente aplicado em larga escala no Japão, o uso do extrato no Brasil está em expansão. O aluno de mestrado reforçou a importância de se obter um produto bastante valioso por meio de técnicas de baixo custo, que trazem bons resultados para várias atividades no campo.

Sobre a inserção da Unicamp em projetos de natureza social, Silva concorda que esse é um dos principais papeis da universidade. Para ele, é fundamental estender o conhecimento e as técnicas produzidas aqui com financiamento público, para quem mais precisa dessa tecnologia. “Boa parte da população mundial vive abaixo da linha da pobreza e necessita do apoio daqueles que detêm o conhecimento e que estão sempre pesquisando, para ajudá-los”, concluiu.

(Por Jeverson Barbieri, Jornal da Unicamp / EcoDebate, 17/05/2010)


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