A constatação é no mínimo paradoxal: o cultivo de um transgênico inseticida pode aumentar consideravelmente as populações de certas pragas. Em seis províncias da China setentrional, agrônomos chineses documentam, pela primeira vez em grande escala, esse tipo de reação de um agro-ecossistema que substitui uma cultura convencional por uma cultura transgênica.
Ainda que paradoxais à primeira vista, esses resultados, publicados na sexta-feira (14) na revista “Science”, não são totalmente surpreendentes. O algodão Bt – modificado para produzir a toxina Bt (Bacillus thuringiensis) – é na verdade tão eficaz contra seu principal parasita local, uma lagarta (Helicoverpa armigera), que ele reduz consideravelmente suas populações e permite se libere que um nicho ecológico. “Ora, quando se libera um nicho ecológico, espera-se que ele seja reocupado”, explica Denis Bourguet, pesquisador (INRA) do Centro de Biologia e Gestão de Populações (CBGP). “A natureza tem horror ao vazio”.
Mas em seis províncias chinesas monitoradas por Kongming Wu (Instituto para Proteção das Plantas, Pequim) e seus colegas, os índices de infestação por mirídeos – insetos heterópteros da família dos percevejos – cresceram à medida que o transgênico ganhava terreno. As observações, feitas ao longo da última década, mostram uma relação unívoca entre as superfícies cultivadas com algodão Bt e os índices de infestação pelos mirídeos. O próprio algodão Bt é vítima disso, mas também e sobretudo as outras culturas praticadas no entorno (uva, maçã, pera, pêssego, etc.). As mudanças de práticas agrícolas nos cerca de 3 milhões de hectares de algodão (agora 95% transgênico) têm, portanto, um impacto sobre os 26 milhões de hectares de outras plantações.
“Na China, os mirídeos eram historicamente considerados como uma praga menor para a maioria das culturas, aparecendo somente em níveis de populações relativamente pequenos, e os agricultores só precisavam controlá-los esporadicamente”, escrevem os pesquisadores. Entretanto, explica Kongmin Wu, principal autor desse trabalho, “esses resultados indicam que será preciso estabelecer uma estratégia de combate contra as pragas secundárias como os mirídeos”.
A ocupação de um nicho ecológico vago é somente um dos aspectos da recente proliferação dos mirídeos no Norte da China. O cultivo de algodão convencional requeria a utilização de pesticidas químicos ativos não somente contra a lagarta, mas também contra toda uma gama de insetos, entre os quais os mirídeos. “Antes, os campos de algodão convencional agiam como ‘sumidouros’ para os mirídeos, no sentido que estes eram destruídos ali pelos tratamentos; entretanto, a toxina Bt não os afeta”, explica Bourguet. “Portanto, com a forte redução do uso de inseticidas, os campos de algodão Bt se tornaram ‘fontes’ de mirídeos”.
Esses estudos, realizados durante dez anos e na escala de um território vasto como a França, são muito raros. Importantes trabalhos, iniciados no fim dos anos 1990 nos Estados Unidos, tiveram como objetivo avaliar os efeitos de culturas Bt sobre a borboleta-monarca (Danaus plexippus), não afetada por essa toxina.
Publicada em outubro de 2001, a síntese dessas pesquisas havia concluído que não havia riscos sérios. Mas, como mostram os pesquisadores chineses, os riscos impostos pelo Bt podem se revelar relacionados à proliferação inesperada de espécies não afetadas, em vez de sua destruição...
Esses riscos colocam em xeque a utilidade do algodão Bt? Os trabalhos apresentados não avaliam a vantagem – ou o inconveniente – econômica da expansão de transgênicos nessa vasta região. Como e a que preço as cerca de 10 milhões de pequenas fazendas da zona administram o crescimento populacional de mirídeos? O lucro sobre o cultivo do algodão foi “apagado” definitivamente pelos prejuízos ocasionados aos outros cultivos? Essas perguntas permanecem sem resposta.
(Por Stéphane Foucart, Le Monde / To Sabendo, 15/05/2010)