Em mais de dois anos de pesquisa, a Universidade Federal do Ceará e outras instituições foram categóricos em concluir: as comunidades da Chapada do Apodi estão bebendo água envenenada com resíduos dos agrotóxicos usados na lavoura. De 46 amostras do líquido para abastecimento humano, em todas foram encontrados princípios ativos que compõem diversos agrotóxicos, alguns com uso no País sendo reavaliados.
A informação foi divulgada durante a apresentação da professora Raquel Rigotto, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, e que lidera o núcleo de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas) da universidade, ontem, na audiência pública realizada em Limoeiro do Norte. Reportagem de Melquíades Júnior, no Diário do Nordeste.
O evento teve como objetivo discutir o impacto do agrotóxico nas comunidades cearenses. Participaram representantes de diversos órgãos estaduais e federais. O evento ocorreu após um dia de caminhadas com gritos e protestos contra os agrotóxicos.
Não cabia mais gente no auditório da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), unidade da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Estudantes, trabalhadores rurais de várias cidades e movimentos sociais estaduais e nacionais acompanharam a discussão.
Dentre os venenos encontrados, muitos são considerados extremamente tóxicos e estão sendo revistos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a fim de saber se o País ainda deve continuar usando os produtos nas plantações.
Na torneira de uma casa na localidade de Santa Fé, na Chapada do Apodi, a análise laboratorial constatou a presença dos fungicidas fosetil e procimidona, dos herbicidas tetraloxidim e flumioxacin, e do inseticida carbaril. Esses venenos, altamente tóxicos, são usados nas plantações de abacaxi, melão e banana. No tanque que abastece a comunidade de Cabeça Preta, foram encontrados nada menos do que sete princípios ativos, entre fungicidas, herbicidas, acaricidas e inseticidas.
“Estamos diante de um quadro de extrema vulnerabilidade e de grave crise na saúde pública”, afirmou a pesquisadora. Raquel citou, também, dados da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh), que informaram que, de dez poços subterrâneos analisados, em seis foram encontrados princípios ativos de venenos e metais pesados. A Cogerh confirma a contaminação do aquífero Jandaíra, o segundo maior do Nordeste e que está justamente no subsolo da Chapada do Apodi, entre Ceará e Rio Grande do Norte.
Algumas das informações apresentadas, ontem, foram publicadas com exclusividade pelo Diário do Nordeste, na última terça-feira. Desde 2006, o jornal publica matérias sobre a contaminação dos agrotóxicos.
A pesquisa realizada há mais de dois anos pela médica é patrocinada pelo CNPq. Raquel Rigotto critica a falta de consonância entre os órgãos públicos para tratar do tema. Com documentos para provar, afirma que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri) transferem, uma para a outra, a responsabilidade de fiscalizar o uso de agrotóxicos.
A audiência pública realizada pela Câmara Municipal de Limoeiro do Norte teve a participação de Pedro Luiz Gonçalves Serafim da Silva, da Procuradoria Regional do Trabalho de Recife e coordenador do Fórum Nacional Contra os Impactos do Agrotóxico. “Não existe agrotóxico seguro, e os equipamentos de proteção individual não protegem nada”, alerta.
(EcoDebate, 14/05/2010)