A 1ª Vara Federal em Campos dos Goytacazes (RJ) aceitou denúncia contra seis gestores da Usina Santa Cruz, uma das unidades sucroalcooleiras do Grupo J. Pessoa, pelo crime de redução de pessoas à condição análoga à escravidão, previsto no Artigo 149 do Código Penal.
Foram denunciados o supervisor de produção Lemir Carvalho de Oliveira, os supervisores de recursos humanos Danielle Moço Viana e Ismael Baltazar Rodrigues, o gerente administrativo Joanilton de Souza Conceição e os superintendentes Joaz Alves Pereira e Marie Joseph Lesur.
Autor da denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), o procurador Eduardo Santos de Oliveira a anuncia que pretende responsabilizar a usina enquanto pessoa jurídica na esfera civil. "Nossa intenção é ingressar ainda este ano com uma ação pedindo danos morais coletivos, inclusive por conta do comprometimento da imagem do país no exterior".
Segundo ele, a inclusão do dono do Grupo J. Pessoa, José Pessoa Queiroz Bisneto, entre os denunciados poderia aumentar o risco de recusa da denúncia por parte do Judiciário, uma vez que o empresário, na visão dele, "não estava totalmente ligado às ações que foram realizadas".
A denúncia está embasada nas provas colhidas durante diligência do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal (PF) ao local, em junho de 2009. "Os trabalhadores também foram ouvidos. Para nós, do Ministério Público Federal, as provas são bem robustas e esperamos a condenação".
O MPF de Campos dos Goytacazes (RJ) solicitou a realização de novas fiscalizações do MTE nas usinas da região. "De posse de novos dados, vamos estudar a possibilidade de outras denúncias".
Terceiro flagrante
O flagrante que gerou a denúncia se deu pela atuação do grupo móvel de fiscalização. Na ocasião, foram libertadas 280 pessoas - entre elas quatro adolescentes (três com 16 e um com apenas 13 anos) e 22 mulheres.
O grupo não tinha registro na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) e o pagamento não seguia as normas legais. As centenas de cortadores de cana-de-açúcar vinham atuando há um mês junto à Usina Santa Cruz por intermédio de "gatos", que aliciaram mão-de-obra em outros estados como Alagoas, Bahia, Pernambuco e Minas Gerais.
As irregularidades se estendiam ao meio ambiente de trabalho como um todo, do transporte até as frentes de trabalho, nas quais não havia fornecimento de água potável e locais adequados para refeições. Os equipamentos de proteção individual (EPIs) não eram fornecidos.
De acordo com o procurador do trabalho José Manoel Machado, que fez parte da operação fiscal em questão, o alojamento não estava sendo utilizado porque já havia sido interditado por decisão judicial provocada por ação civil pública ajuizada anteriormente pelo MPT, que verificara um mês antes problemas do ponto de vista das condições trabalhistas.
O local não respeitava as normas de higiene e saúde. Não havia armários para guardar ferramentas e pertences pessoais. Quando chovia, o alojamento alagava. Não havia quantidade suficiente de material de higiene pessoal para todos os empregados. O local foi interditado.
Para completar o quadro, os trabalhadores que iniciaram o corte no final de março não tinham recebido nada até a data da fiscalização (12 de maio). Na ocasião, os contratos de trabalho dos 160 empregados que estavam abrigados no alojamento foram rescindidos por decisão do magistrado da Justiça do Trabalho, Cláudio Aurélio Azevedo Freitas.
"Os trabalhadores só receberam os valores da rescisão mediante determinação judicial", esclarece o procurador Tiago Oliveira de Arruda.
Entre novembro de 2007 e novembro de 2009, foram registrados quatro flagrantes de exploração de mão de obra escrava em usinas ligadas ao Grupo J. Pessoa, que é signatário do Compromisso Nacional pelo Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Cana-de-Açucar.
(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 13/05/2010)